sábado, 14 de fevereiro de 2009

A Ocupação do Território Contestado após 1917

A Ocupação do Território Contestado após 1917
Questões de terras – Empresas colonizadoras – Imigração – Colonização




9. 1 A intervenção monopolista e imperialista no Contestado



A Guerra do Contestado coincidiu com a I Guerra Mundial. Uma nova roupagem do capitalismo – monopolista e imperialista – adentrou com força no Contestado. A ruptura foi social e cultural. No sentido em que, ao olhar do opressor, uma determinada população (a cabocla, luso-brasileira, que não presta), foi fadada ao desaparecimento, para viabilizar sua substituição por outra (de imigrantes, colonos, trabalhadores), dos primeiros restando alguns sobreviventes. A limpeza da área foi radical. Foi uma guerra de extermínio.

O rompimento das relações antigas de um espaço geográfico amplo e de um território livre deu-se quando os caboclos tiveram que conviver com a modernização do território, mediante a ação firme e resoluta do Estado intervencionista (brasileiro, paranaense e catarinense) e de investimentos de capitais estrangeiros (presença do Imperialismo no coração do território livre).

O caboclo cinde-se como ser humano. A divisão se manifesta através da intervenção do poder monopolista, amparado pelo Estado, pelo poderio econômico e pelos fazendeiros. A construção da ferrovia, as madeireiras e a colonização estrangeira modificam as relações sociais da comunidade cabocla com os invasores de seu território livre. O rompimento do mundo livre (a terra, a vida e a irmandade) para um mundo de opressão, que começa com a pilhagem de suas terras e de seu território e termina com a intervenção sanguinária do braço armado de civis e militares, passando pelo controle do poder político, do deslocamento dos direitos individuais para a opressão do Estado, do deslocamento de idéias e vida próprias ao território livre para idéias e forças que vinham de fora e se instalaram como forças armadas no espaço dos caboclos, espaço reconhecido pela Lei de terras de 1850.

A partir da conquista armada e da modernização feitas pelo poder estatal e monopolista, o caboclo foi afastado do desenvolvimento, passando os benefícios do progresso para os fazendeiros e, posteriormente, para os colonizadores. No fundo, o poder político controlava o progresso e o povo – como já o realizara antes nas diversas revoluções abafadas – com a idéia positivista de que somente os homens que superaram o estágio religioso e metafísico e atuam no estágio positivo, conseguem realizar o desenvolvimento e o progresso, nem que isso exigisse a guerra e a limpeza da área. Em outros termos, somente os homens do Estado, os do capital estrangeiro, os fazendeiros e os agricultores experientes da colonização conseguem o progresso. É um pensamento próprio à Velha República.

Assim, o pensamento religioso, popular e fanático do caboclo – fundamental para seu equilíbrio social – devia desaparecer com o extermínio dele próprio. A religiosidade institucional será vitoriosa quando se modifica o território, colocando ali os colonizadores do progresso. A formação arcaica da comunidade cabocla devia ser superada pela educação escolar dos filhos dos colonos, uma educação adaptada á sociedade burguesa.

O homem do Contestado, primitivo, foi cindido pela guerra e substituído pelo homem colonizador, o homem-colono de um novo ambiente rural, produtor, que a seguir será o moderno, o industrialista, o urbano. Neste processo de expansão do capitalismo, a educação escolar vai se desenvolver timidamente em todo o Planalto Catarinense – agora “antigo” Território Contestado – que hoje encontramos sub-dividido em quatro regiões homogêneas internamente: Planalto Norte, Zona de Campos, Zona do Rio do Peixe e Zona do Alto Uruguai.



9. 2 Os planos de colonização do Oeste Catarinense



A linha (curso) da foz do Rio Canoinhas (no Rio Negro) às suas nascentes e destas às nascentes do Rio do Peixe até a sua foz (no Rio Uruguai) passou a ser considerada como “fronteira provisória” entre os estados litigantes em 1879. No final do século passado e início deste, o Paraná administrou e promoveu a ocupação das terras do Planalto Norte e da margem direita do Rio do Peixe, e Santa Catarina as terras da margem esquerda.

O Estado de Santa Catarina encontrou muitas dificuldades para desencadear seu plano de povoamento nas terras que lhe foram anexadas por força do acordo de limites com o Paraná, à vista da sobreposição de títulos sobre as glebas demarcadas e destinadas à colonização. Como grande parte dos imóveis haviam sido legitimados pelo Paraná, antes de 1916, tanto à Companhia Estrada de ferro São Paulo-Rio Grande (EFSPRG) como a fazendeiros e a especuladores paranaenses, as questões foram levadas aos tribunais. O Governo Catarinense perdeu todas as ações judiciais movidas contra a companhia.

O Governo de Santa Catarina escolheu como sistema de colonização do Território Contestado a cessão de imensas glebas de terrenos devolutos a particulares, preferencialmente àqueles que compartilhavam o poder político e se propunham à abertura de estradas, titulando-lhes, em parte, as mesmas terras que o Paraná havia concedido à EFSPRG. As ligações rodoviárias foram eleitas como de fundamental importância para a integração catarinense.

Após a guerra de extermínio ao caboclo, efetivamente, o surto de desenvolvimento econômico na Região do Contestado começou quando da chegada das primeiras levas de imigrantes europeus, alemães, italianos, poloneses e ucranianos, e de descendentes de imigrantes, na maioria ítalo-brasileiros e teuto-brasileiros, que vieram, tanto para explorar a floresta, em latifúndios, implantando a indústria da madeira, como trabalhar na agricultura, em minifúndios. Entre outros resultados, a partir da década de 1920, sobressaíram-se a indústria madeireira e o modelo agrícola minifundiário e policultor, que gerou a agroindústria.


9. 3 Isolamento do caboclo luso-brasileiro



O término da Guerra do Contestado não foi o fim da violência na Região do Contestado, pois ela não acabou com o homem do Contestado. Vencidos na guerra, rendidos e derrotados, envergonhados, tendo sido processados e presos, centenas de caboclos voltaram aos seus pontos de origem, condenados pela opinião pública e discriminados pelos rótulos imperialistas. Evitaram contatos, internaram-se nos sertões, fugiram das cidades e distanciaram-se da civilização.

Depois de 1918, iniciado o processo de colonização nas terras demarcadas pela Brazil Railway Company, através da Companhia Estrada de Ferro, da Lumber e da Brazil Development Company, centenas de famílias caboclas continuaram ocupando áreas que consideravam livres... e áreas das suas antigas terras, que tinham como devolutas. Gradativamente foram sendo, de novo, sumariamente expulsas, na medida em que a ânsia de madeireiros avançava sobre os pinhais nativos, em que as levas de imigrantes se instalavam nas terras que pensavam ser suas e, na medida em que a gula de fazendeiros estendia suas cercas de arame farpado até limites a perder-de-vista.

Nas décadas de 1920 e 1930, em praticamente todas as glebas destinadas à colonização, encontravam-se famílias luso-brasileiras, ali moradoras desde há muitos anos, abrindo-se uma nova frente de conflito, pois alguns colonizadores – não todos – ameaçaram expulsá-las, com o uso da força policial, ou mesmo, através de capangas e capatazes.

Em tempos recentes, de outros e novos conflitos e entreveros, registrados entre posseiros e grileiros, entre facções coronelistas, entre forças políticas e militares, mais de uma vez o caboclo reagiu ao seu modo, de novo não hesitando em apelar ao emprego do instrumento que, no passado, tanto lhe ensinaram usar e impregnaram na sua cultura: a violência, a impetuosidade, o uso da força bruta braçal, algo típico dele, uma das poucas armas que restaram ao seu alcance. E o que é "violência", senão força bruta, grande impulso ou ímpeto? E o que é "ser violento", senão ser impetuoso, agitado, tumultuoso, fogoso, intenso, referindo-se àquele que atua com força? Só com estas características o primitivo homem do Contestado conseguia viver (e sobreviver) no seu cotidiano nesta "terra-de-ninguém".




9. 4 Terras para colonização



Para a construção de uma estrada de ferro entre Itararé (em São Paulo) e Santa Maria (no Rio Grande do Sul), em 1889, inicialmente, o Império do Brasil cedeu à parte interessada, gratuitamente, terras nacionais e devolutas, mesmo as compreendidas dentro de sesmarias e posses, numa zona máxima de até 30 km para cada lado do eixo da ferrovia

A concessão para a construção da ferrovia foi confirmada pela República em 1890, mas retificada em alguns pontos. Mesmo assim, manteve os incentivos à construção, principalmente o que incluía a doação de terras, só que, agora, ao invés da faixa de 60 km de largura, reduziu-a para 30 km.

Depois, reduzindo a linha para até o Rio Uruguai, fixou a concessão como sendo o equivalente a uma área cuja superfície deveria ser igual ao produto da extensão quilométrica multiplicada por 18, ou por nove quilômetros de cada lado do eixo da linha, desde que os terrenos escolhidos e demarcados se situassem dentro de uma zona com extremos, no máximo a até 15 km do mesmo eixo. A extensão do trecho Itararé-Rio Uruguai era de 883 quilômetros, que multiplicados por 18, resultavam numa área de 15.894 km². Fazendo as devidas contas, a companhia teria direito, então, a nada menos do que 1.589.400 hectares, ou a 656.778 alqueires paulistas, ou a 65.523 colônias.

Do total dos 883 quilômetros da extensão Itararé-Rio Uruguai, 511 km ficavam dentro do território do Paraná e 372 km na região contestada pelos Estados do Paraná e Santa Catarina. Na época da inauguração da estrada, em plena questão de limites, as terras da margem direita do Rio do Peixe eram administradas pelo Paraná, através dos municípios de Porto União da Vitória e de Palmas, enquanto que as da margem esquerda (por onde passaram os trilhos) estava sob controle de Santa Catarina, pelos municípios de Curitibanos e de Campos Novos. Assim, as reclamações da Brazil Railway Company se dirigiram ao Estado do Paraná, reivindicando a entrega de 9.198 km² de terras, correspondentes aos 511 quilômetros integrais da linha em seu território e, mais 3.348 km² da sua metade ocidental na Região do Contestado, e se voltaram a Santa Catarina, na reivindicação de 3.348 km² dos terrenos marginais orientais ao longo do Rio do Peixe. Do total dos 15.894 km², então, 6.696 km² estavam no Contestado, representando 276.694 alqueires.

A Companhia respeitou muitas posses antigas, e seus agrimensores demarcaram então as terras tidas como abandonadas, sempre ao longo da faixa dos trilhos e na área máxima de até 30 quilômetros. Terminadas as demarcações, a companhia concluiu que, na zona privilegiada, faltavam muitas centenas de quilômetros quadrados. Nova demarcação foi feita, desta vez com o emprego de processos obscuros, ganhando a Companhia mais algumas porções.

O Estado do Paraná titulou à São Paulo-Rio Grande, pela construção do tronco Itararé-Marcelino Ramos e do Ramal do Paranapanema, os seguintes imóveis, grande parte deles em áreas depois cedidas para Santa Catarina:



Terras Tituladas pelo Estado do Paraná à EFSPRG entre 1911 e 1918

Data Nome Área em m² Município do PR
13.02.1911 Legru 105.666.700 União da Vitória
09.09.1911 Iguaçú 54.709.670 União da Vitória
01.09.1911 Leãozinho 403.999.465 Palmas
12.09.1911 XV de Novembro 306.257.595 Palmas
10.10.1911 Lageado Liso 17.701.393 União da Vitória
04.11.1911 Uruguai 371.908.795 Palmas
27.11.1911 Rancho Grande 325.702.000 Palmas
17.01.1912 Rio do Engano 1.073.582.684 Palmas
26.09.1912 Pepery 4.236.200.000 Clevelândia
27.03.1913 Chapecó 1.506.097.000 Clevelândia
31.03.1913 Pinhão 14.056.380 Guarapuava
17.06.1913 Rio Preto 209.286.939 Palmas
16.06.1913 Arroio Bonito 71.507.396 Guarapuava
31.08.1917 Rio Claro 27.406.349 São Mateus
31.08.1917 Rio do Peixe 30.264.835 Palmas
31.08.1917 Esperança 77.617.998 União da Vitória
31.08.1917 Rio da Areia 508.877.200 Guarapuava
07.10.1918 Chopim 715.280.143 Clevelândia
07.10.1918 Rio das Cobras 630.040.000 Guarapuava

Fonte: Pesquisa do autor em cartórios em Curitiba (PR)

Apuramos que as propriedades que o Paraná titulou para a EFSPRG entre 1911 e 1918, alcançaram o total de 10.686.162.540,00 m². Depois, o Paraná titulou, ainda, outras terras para a EFSPRG, como a gleba Missões, com área de 4.257.100,00 m², localizada no Município de Clevelândia, em 1920, mais as glebas Chopinzinho, Silva Jardim e Andrada, também no Sudoeste.

Se somarmos as propriedades tituladas à EFSPRG às da Southern Brazil Lumber and Colonization Company, que manteve as terras adquiridas até esta data, nas margens esquerdas dos rios Negro e Iguaçu, num total de 3.248.000.000 m² (134.214 alqueires), podemos resumir estas questões com o Truste de Toronto, concluindo que o Sindicato Farquhar, no final das contas, firmou-se como legítimo proprietário de 11.966.995.000,00 m², ou 494.504 alqueires de terras virgens e antes livres no Território Contestado, que lhes foram inicialmente tituladas pelo Estado do Paraná, destinadas para a devastação florestal e para os projetos de colonização



9. 5 Políticas para a colonização


Com posses legalizadas pelo Paraná sobre alguns milhares de hectares na região do Contestado, a EFSPRG passou à tentativa de promover diretamente a colonização das terras já demarcadas, seguindo um novo plano – o terceiro – este aprovado pela União, baseado nas mesmas normas do Decreto de 1907, salvo algumas ligeiras modificações. Junto às estações ferroviárias, foram projetadas pequenas vilas, divididas em lotes urbanos, reservando-se a companhia, além da faixa de terras de 50 metros (25 metros para cada lado do eixo) paralela aos trilhos, apenas um “quadro” para cada estação. Nestes quadros, estavam: a estação, depósito de cargas, depósito de lenha, armazém de abastecimento, caixa d’água, casas dos ferroviários e pátio de manobras. Partindo das estações, previu-se a abertura de linhas coloniais (estradas de rodagem que partiriam das vilas e adentrariam as áreas demarcadas) ao longo das quais se situariam lotes coloniais, a serem vendidos a imigrantes que se dedicassem à agricultura e à pecuária. Nestas linhas instalar-se-iam “sedes” com perímetro urbano próprio, divididas em lotes pequenos, onde se construiriam igrejas e escolas.

À vista do fracasso das tentativas iniciais, resolveu a Companhia promover a colonização de forma indireta, ou seja, vendendo ou cedendo direitos para a venda de grandes glebas de terras a particulares, que formariam empresas colonizadoras, a exemplo do que já se fazia em outras partes do país. Diante desta nova possibilidade, que mais tarde se revelou como a ideal, a Companhia alterou novamente seus planos. Uma das providências foi passar parte das terras a que tinha direito para outra subsidiária da Brazil Railway Company, a Brazil Development and Colonization Company, ficando então ambas com poderes para a venda de lotes.

Juntas, as duas empresas dirigiram suas atenções às colônias do litoral catarinense (alemãs e italianas) e às chamadas “colônias velhas” do Rio Grande do Sul, estas últimas ocupadas desde há muitos anos por imigrantes alemães e italianos e seus descendentes, que demonstravam interesse em procurar novas terras para se estabelecerem. As empresas foram ao encontro destes anseios, proporcionando aos colonos gaúchos a esperança de sucesso em novas terras, oferecidas como se fossem altamente produtivas, de fácil acesso e ótima localização.

O Governador de Santa Catarina, Hercílio Luz, enquanto questionava a posse das terras tituladas pelo Paraná à EFSPRG, já em 1918, resolveu conceder glebas imensas, que considerava devolutas, a empresas particulares organizadas por seus amigos e/ou correligionários, que se propunham a abrir estradas no interior, principalmente no Território antes Contestado. Inicialmente no Vale do Rio do Peixe e depois ao longo do Vale do Rio Uruguai, abriram-se as portas do Oeste Catarinense para a ocupação por imigrantes, só que, na maioria, por famílias descendentes dos imigrantes pioneiros das colônias velhas gaúchas e não mais vindos diretamente da Europa. Os egressos, italianos, alemães, poloneses, teuto-brasileiros e ítalo-brasileiros, puderam adquirir os lotes coloniais e neles se estabelecer.

Como exceção à regra, um projeto de colonização das terras do Território Contestado, a Oeste do Rio do Peixe, margeando o Rio Uruguai, foi elaborado por uma empresa que nada tinha a ver com a Companhia EFSPRG e nem com o Governo do Paraná. A pioneira em empreendimentos desta natureza, pela iniciativa privada, foi a Empresa Colonizadora Luce, Rosa & Cia. Ltda., constituída em Porto Alegre, em 1910, antes mesmo da inauguração da ferrovia e sem nenhum vínculo com ela e, também, seis anos antes do Acordo de Limites, ela que estruturou-se numa área de 91.025 hectares em ambas as margens do Rio Uruguai, portanto, com parte no Contestado e parte no Rio Grande do Sul.

Em 1908, quando a EFSPRG iniciou a demarcação das terras marginais da ferrovia a que tinha direito, grande parte das encontradas nas barrancas do Rio Uruguai pertenciam aos srs. Adolpho Guilherme Luce, Timótheo da Rosa, José Petry e outros, que as haviam adquirido da Baronesa de Limeira, de São Paulo, no ano de 1883. Proprietária de 3.641 colônias de 25 hectares cada, no Alto Uruguai, a Luce-Rosa pressentiu o impulso que a região teria quando a ferrovia iniciasse a venda de lotes, e antecipou-se na colonização da sua propriedade, que incluía 2.041 colônias no Contestado e de outras propriedades menores que veio a adquirir na região logo depois. Pouco mais tarde, em 1915, para dinamizar o projeto, a Luce-Rosa instalou uma filial junto a Estação de Barro (atual Gaurama-RS), de onde passou a coordenar a venda de lotes, a abertura de estradas, a construção de pontes e serviços complementares, nas colônias gaúchas e catarinenses, dentro dos atuais municípios de Chapecó, Seara, Itá, Concórdia e outros.



9. 6 As empresas colonizadoras


Somente em fevereiro de 1924, quando foi encerrada a questão judicial entre o Governo de Santa Catarina e a Brazil Railway Company, acertaram-se as bases para a efetiva colonização nas terras que ambos disputavam. As negociações haviam começado ainda em 1922, durante a questão, concluindo que a empresa Brazil Development and Colonization Company, que recebeu as terras do Sindicato Farquhar, poderia transferir as concessões para terceiros. Assim, temos o primeiro quadro da transmissão definitiva das seguintes propriedades que foram legitimadas, entre 1914 e 1926, para a Brazil Development:

No Oeste Catarinense:

- O imóvel Xapecó, de 540.622.762,00 m², recebido em novembro de 1924, que inicialmente ficou com a Brazil Development, depois passou para a Companhia Territorial Sul Brasil S/A.
- O imóvel Pepery-Guassu/Xapecó, com 737.035.472,00 m², legitimado em abril de 1924, foi confiado para a Empreza Peperi-Xapecó Ltda.
- O imóvel Capetinga, com 174.889.653,00 m², recebido em fevereiro de 1926, passou para Nicolau Bley Neto e José Luiz Maia.
- O imóvel Rio Saudades, com 913.634.804,00 m², titulado em fevereiro de 1926, passou para Ernesto F. Bertaso e Manoel dos Passos Maia, que fundaram a Empreza Colonizadora Bertaso, Maia & Cia.

No Alto Uruguai Catarinense:

- O imóvel Rio Engano, com 1.073.582.648,00 m², recebido em fevereiro de 1924, foi entregue para a Sociedade Territorial Mosele, Eberle, Ahorns & Cia.
- O imóvel Rancho Grande, de 325.702.000,00 m², escriturado também em fevereiro de 1924, passou para a Empreza Povoadora e Pastoril Theodoro Capelle & Irmão.

No Alto Rio do Peixe:

- O imóvel Rio Preto com 221.852.730,00 m², foi desdobrado, sendo a gleba Rio Preto entregue para a Empreza Povoadora e Pastoril Theodoro Capelle & Irmão, enquanto que a gleba Caçador foi passada para a Empresa Construtora e Colonizadora Irmãos Coelho de Souza Ltda.
- O imóvel Propriedade Caçador Antas e Pedras, com 28.405,9475 hectares, foi transferido à Empreza Povoadora e Pastoril Theodoro Capelle & Irmão.

No Médio Rio do Peixe

- O imóvel XV de Novembro, num total de 306.257.595,00 m², com partes comercializadas pela Brazil Development através do seu Departamento de Terras, Cidades e Colonização, e de procuradores, também foi desdobrado em blocos, que foram passados para a Colonizadora Alberto Schmidt, a Empresa Construtora e Colonizadora Irmãos Coelho de Souza Ltda. a Colonizadora Selbach, Matte, Opermann & Cia., esta que depois se transformou em Kroeff, Selbach & Cia.

No Baixo Rio do Peixe:

Depois do pouco sucesso na iniciativa de colonização da Colônia Rio do Peixe, em 1911, pela Cia. EFSPRG, com a criação do Município de Cruzeiro, em 1917, entre o Rio do Peixe (limite com o Município de Campos Novos) e o Município de Chapecó, a Oeste, teve início a efetiva colonização das terras marginais aos trilhos, localizadas no Baixo Vale do Rio do Peixe, em glebas demarcadas pela EFSPRG e, em parte, repassadas à Brazil Development.

Duas empresas organizaram-se para empreender a colonização das concessões da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande: primeiro, a Sociedade Territorial Sul Brasileira H. Hacker & Cia. (que também atuou no Vale do Iguaçu), integrada por Henrique Hacker, Rudolfo Ahrons, Abramo Eberle, Augusto Scherer, Hugo Gerdau e Adelino Sassi, entre outros, e a Mosele, Eberle, Ghilardi & Cia., formada pelos sócios da primeira mais Leonel e João Mosele. Mais tarde, fruto de associação parcial entre as duas, surgiu a Sociedade Territorial Mosele, Eberle & Ahrons Ltda. Estas empresas, mais a Brazil Development e a própria Cia. EFSPRG, fincaram as bases para a colonização das glebas das fazendas e/ou colônias de Bom Retiro, Leãozinho, Capinzal, Rio do Peixe e Uruguai, com porções também na margem esquerda do Rio do Peixe, no Município de Campos Novos, alcançando ainda a região de Concórdia, mais a ocidente.

No Vale do Iguaçu:

- O imóvel Lageado Liso, na Colônia Maratá, em Porto União, com 17.701.393 m², passou para a Colonizadora Max Metzler.
- O imóvel Legru, com 105.666.700,00 m², e o imóvel Esperança, com 77. 617.998,00 m², em Porto União, foram colonizados em parte pela Brazil Development e, em parte, pela Colonizadora Henrique Hacker.

Algumas das colonizadoras pioneiras, que ficaram com áreas muito grandes, diante das dificuldades de comercialização antes e durante o tempo do Estado Novo e, dos prazos a cumprir, sob pena de terem que devolver as terras ao governo, serviram-se de outras empresas menores. Ao mesmo tempo, surgiram novas colonizadoras, que adquiriram terras de particulares e empreenderam seus próprios projetos para o povoamento da Região do Contestado, como a Luce-Rosa havia feito no Alto Uruguai. Nestes casos destacaram-se, por exemplo, o próprio Henrique Hacker, (em Herval d’Oeste e na Colônia Bom Retiro), mais a Kurudz & Bortolon Ltda. (na Colônia Caçador), a Angelo De Carli & Irmãos ( em Ponte Serrada), a Colonizadora Alberto Schimidt (partes da Fazenda São Bento e da Fazenda Rio das Pedras), a Freitag, Geib e Deis (em Piratuba e Ipira),a Formighieri, Prestes Maia Ltda. (Colônia Hindemburg, hoje em Fraiburgo), Picolli & Cauduro Ltda. (em Concórdia), além das empresas Nardi, Rizzo, Simon & Cia., Sociedade Volksverein, Bernardi & Paulo, entre outras, organizadas mais tarde..

Enquanto isso, especificamente no Planalto Norte, no eixo de Mafra, Itaiópolis, Três Barras, Canoinhas e Porto União, continuaram se expandindo as migrações de poloneses, ucranianos, holandeses, russos, italianos e alemães, a partir da chegada de novas famílias, vindas do Paraná e do Nordeste Catarinense.





9. 7 O chamamento de imigrantes ao ex-Contestado



Diferentemente do que aconteceu no Planalto Norte, o Oeste Catarinense, aberto à colonização em 1918, num primeiro momento, não pôde beneficiar-se com a vinda direta de europeus, devido à interrupção das migrações durante a I Guerra Mundial. Por este motivo, nossa História registra que a colonização aqui, na grande maioria, pode ser considerada como “de segunda ou de terceira mão”, ou seja, constituída mais por teuto-brasileiros e ítalo-brasileiros (filhos e netos de imigrantes nascidos no Brasil), do que por alemães, italianos e povos de outras nacionalidades, estes, também na maioria, em nossa região obtendo a segunda ou terceira moradia.

Após as primeiras décadas do Século XX, marcadas pela chegada do imperialismo à região, pela Guerra do Contestado, pela I Guerra Mundial, pelo Acordo de Limites entre Paraná e Santa Catarina, e pelo início da fase de ocupação ordenada do Território Contestado, um novo panorama apresentar-se-ia nos últimos anos da República Velha com o movimento colonizador.

Talvez nenhum movimento colonizador, de quantos vimos citando, se tivesse verificado em momento tão oportuno, em ocasião tão propícia quanto êste, de conquista, ocupação e desenvolvimento do extremo oeste, pois, apesar dos intrusos, largas eram as áreas a desbravar, povoar e cultivar, alto o sentido de fixação, excelentes as terras e, principalmente, pacificada a região, depois de um prélio que quase a exauriu, prélio que sob o aspecto jurídico se desenvolvera nas côrtes de justiça e nos tribunais, à luz dos códigos e dos argumentos históricos e sob outro, o cultural, o sócio-econômico, decorrerá à sombra das matas, na fúria dos combates sangrentos, das tocaias imprevisíveis e dos ajustes selvagens.
Êste movimento de criação de colônias foi, em verdade, a verdadeira posse física da região, semelhante à que prescreviam as arcaicas ordenações, depois da posse judicial decretada pouco antes. Foi êle quem fêz subir a curva demográfica a alturas ainda não registradas, implantou novas rendas ao Estado e introduziu no colorido mosaico cultural do Estado elementos que já haviam sido aculturados em outros pontos e que, por isso mesmo, traziam novos matizes e novas tintas, emprestando uma nova fisionomia ao nosso complexo, fisionomia até então totalmente desconhecida (CABRAL, 1971, p. 50-51).


Depois de 1910, encontramos em comunidades da área rural do hoje Município de Porto União os registros das chegadas de dezenas de famílias alemãs, atraídas pelos planos de colonização das terras do chamado Ramal de São Francisco e da linha principal da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, nas localidades de São Pedro do Timbó, São Miguel, São José do Maratá, Bom Princípio, Despraiado, Maratá, Lança, Santa Cruz do Timbó, Caçadorzinho, Rio Campestre, Barra Grande, Rio d’Areia, Rondinha e Nova Pátria.

As primeiras famílias germânicas a chegarem à parte central da Região do Contestado, a partir de 1870 vieram da Alemanha, algumas delas tendo, antes, fixado-se em terras de Rio Negro (PR) e em outras colônias alemãs do Sul do Paraná, mais as famílias que se estabeleceram na Serra e Campos do Corisco (Santa Cecília) a partir de 1885 e, também, em Campos Novos, todas tidas como latifundiárias, em fazendas de criação e lavoura. Também chegaram os holandeses, que se instalaram nos campos de São João (Matos Costa), São João de Cima (Calmon) e Perdizes Grandes (Lebon Régis). Estas famílias, não mais minifundiárias, formaram as primeiras comunidades alemãs e teuto-brasileiras da parte central da Região do Contestado.

Ao Sul do eixo Porto União-Mafra, agora no Alto Vale do Rio do Peixe, ainda em 1910, a Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande fez uma das primeiras tentativas de colonização das terras marginais aos trilhos, com a instalação dos pioneiros núcleos de famílias alemãs na Estação de Rio das Antas e Rio do Peixe, na margem dos trilhos recém-inaugurados, de forma simultânea, atribuindo-se a ambas a mesma importância desbravadora. A diferença notável é que para Rio das Antas acorreram imigrantes alemães que originalmente se destinaram às colônias do Nordeste Catarinense, como a Hansa, enquanto que Piratuba começou recebendo egressos das colônias velhas rio-grandenses. Entretanto, só uma tem sido lembrada.

A migração interna que se tornaria ponderável, de fato, passou a verificar-se em 1911, com Piratuba, para adiantar-se, posteriormente, com a formação de emprêsas criadas pelos incentivos catarinenses, depois do acôrdo de limites, quando o govêrno de Santa Catarina se afanava em povoar a região que passava para a sua jurisdição, no far-west que no momento era, não só pela situação geográfica como pela condição cultural.
Assim, alemães e italianos, natos ou apenas de origem, naturais êstes do Rio Grande do Sul, e todos dêle atraídos, introduziram-se na região, através de emprêsas colonizadoras, quase tôdas gaúchas, cujas concessões de terras haviam sido obtidas do govêrno de Santa Catarina. Da primeira etnia citada [alemã], formaram-se Itá, Mondaí, Itapiranga, São Carlos, Palmitos e outras; e da segunda, Capinzal, Barra-Fria, Xaxim, São Miguel do Oeste, além de outras (CABRAL, op. cit., p. 46-47).

O plano de colonização foi interrompido em 1914, por causa da Guerra do Contestado, sendo reiniciado em 1918, após a assinatura (1916) e homologação (1917) do acordo de limites interestaduais entre Paraná e Santa Catarina, pelo qual os dois lados do Rio do Peixe passaram à jurisdição catarinense.

Ainda antes de passar ao controle do Sindicato Faquhar, precisando de milhares de pessoas para trabalhar na construção da ferrovia em terreno paranaense, a EFSPRG, “importou” centenas de migrantes na Europa – alemães, italianos, ucranianos e poloneses – sob a promessa de assentá-los nas terras marginais aos trilhos. Esta corrente imigratória prosseguiu nos anos seguintes, aumentando consideravelmente o contingente europeu que foi instalado, primeiro em terras paranaenses, na margem direita do Rio Iguaçu e, depois, na margem esquerda, então, ao redor da Vila de Porto União da Vitória. A um grupo numeroso de operários, na maioria poloneses e ucranianos, foi viabilizada sua fixação - ainda que provisória – a partir de 1907, nas glebas Iguaçu, Legru, Lageado Liso e Esperança, no trecho da Linha Sul, quando do início da construção do trecho que ia em direção aos Campos de São João e às cabeceiras do Rio do Peixe.

Quando precisou de mão-de-obra para movimentar seu complexo industrial, em 1912, a Southern Brazil Lumber & Colonization Company, em Três Barras, privilegiou a contratação de poloneses e ucranianos originários da Colônia Lucena e das colônias do Vale do Iguaçu, seguindo orientações da Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande que, ainda no final do Século XIX, promoveu a vinda destes imigrantes da Europa, bem como o aproveitamento dos que já estavam aqui instalados, para a construção do trecho entre Ponta Grossa e Porto União da Vitória, e para o ramal que demandava a Rio Negro. “Não sendo muito abundante a erva-mate na região, as atividades dos colonos concentraram-se na agricultura. Todavia, dado o grande mercado de trabalho criado pela construção da ferrovia, grande parte da população colonial derivou para aquela indústria, a que se dedicou definitivamente”. (RIESEMBERG, 1973, p. 103).

A Cia. EFSPRG, desde 1906, então incorporada ao Sindicato Farquhar, também preferia os eslavos para os trabalhos de assentamento dos trilhos e construção de pontes, pontilhões, caixas d’água e estações ferroviárias no trecho de Porto União da Vitória ao Rio Uruguai. Em 1910, com a abertura do tráfego, novamente deu preferência aos poloneses e ucranianos para trabalharem nas oficinas de manutenção e nos serviços operacionais das linhas, incluindo o preenchimento de cargos de maquinistas, foguistas, chefes-de-trens, chefias de estações e operadores de telégrafo. Isso explica por que, nos primeiros povoados das áreas lindeiras aos trilhos, residiam centenas de famílias de eslavos que não eram agricultores.

As atividades do comércio e dos serviços das cidades localizadas nas margens dos rios Negro e Iguaçu, ou na proximidade destas, foram imensamente favorecidas com a presença eslavo-paranaense, tanto antes como depois da Guerra do Contestado e da vigência do Acordo de Limites. Mafra, vizinhando com Rio Negro, Porto União, vizinhando com União da Vitória, mais Três Barras e Irineópolis, desenvolveram-se permanentemente sob a égide da mistura étnico-racial, recebendo moradores de origem eslava – vindos do outro lado – sem qualquer problema de relacionamento. Isso se verifica diante do fato de que, quando o Contestado foi aberto à colonização, a grande maioria destes imigrantes-paranaenses não seguiu o exemplo dos conterrâneos imigrantes-gaúchos. Ao contrário, ficaram onde estavam.

Neste sentido, a exceção foi com relação a uma parte das colônias do Alto Vale do Rio do Peixe, mais especificamente a de Caçador, que recebeu um bom número de italianos, alemães, sírio-libaneses, poloneses e ucranianos, originários do Paraná, estabelecidos em União da Vitória e em Porto União, ainda alguns anos antes do início do processo colonizatório deflagrado por Santa Catarina para atrair os rio-grandenses, mas isso tem explicação, pois parte das terras pertenciam, até 1917, ao Município de Porto União da Vitória e, deste ano até 1934, ao Município de Porto União.

A imigração italiana para Santa Catarina começou, de forma organizada, com registros para a História, a partir do contrato do Império com o Comendador Caetano Pinto, em 1874, destinando colonos para as regiões do Itajaí-Açu, Itajaí-Mirim, Vale do Tijucas e Sul do Estado. Estas iniciativas, assim, foram oficiais, tuteladas pelo Estado, ainda este que não estava devidamente preparado para receber os imigrantes.

As primeiras notícias de italianos na Região do Contestado estão vinculadas à História do Paraná, sabendo-se da chegada, em 1882, de três imigrantes, para a montagem do vapor “Cruzeiro”, lançado para a navegação no Rio Iguaçu. A imigração italiana começou a afluir só em 1875 no país, “atraída pelo governo imperial a quem pareceu sábia a decisão de misturar o elemento latino ao germânico, que prevalecia em todo o Sul do Brasil e que, desde então, começava a ser argumento de alguma inquietação” (DALL’ALBA, 1983, p. 105). Anos depois, em 1897, o engenheiro João Teixeira Soares, ele que seria um dos empreendedores pioneiros da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, proprietário da Fazenda Vila Zulmira, em União da Vitória, trouxe vários imigrantes para este município, entre eles as primeiras nove famílias italianas. A partir daí, incentivou-se a imigração de italianos e chegaram dezenas de famílias para desenvolverem atividades econômicas produtivas, distribuídas entre a cidade e o meio rural, também em áreas do hoje município catarinense de Porto União, espalhando-se pelo Planalto Norte.

Até o tempo da Guerra do Contestado (1913-1916), um mínimo de esparsos italianos fixou-se em cidades de outras áreas do Contestado. Encerrado o conflito regional e após a criação dos novos municípios de Cruzeiro (atual Joaçaba), Porto União e Mafra, teve início o plano de colonização das terras, que atraiu milhares de descendentes de imigrantes italianos das colônias velhas e mesmo das colônias novas do Rio Grande do Sul. Paralela e, simultaneamente ao fluxo de alemães e teuto-brasileiros, as levas de italianos e ítalo-brasileiros, atravessaram o Rio Uruguai e se dispersaram pelo antigo Território Contestado.

No Contestado, a imigração italiana foi marcada pela integração e convivência dos imigrantes (colonos) com a população considerada nativa (caboclos). Não se constituíram núcleos fechados, como ocorreu em outras partes do País e até mesmo no Paraná e em Santa Catarina. Na maior parte, os projetos colonizadores envolvendo os italianos e seus descendentes foram efetivados em colônias mistas, o que não permitiu o avanço da Italianità no Contestado naquele momento.

Para "evitar" os erros do passado, os imigrantes não deviam formar comunidades homogêneas, e a expressão "colônia mista" tornou-se denotativa da eficácia do processo de assimilação. Nesse caso, as novas áreas de colonização abertas no sul, principalmente no planalto catarinense e paranaense, deviam receber imigrantes de diferentes procedências, e também colonos nacionais, evitando a formação dos chamados "quistos étnicos" (SEYFERTH, 2005).

Agora, trataremos da imigração e do início do povoamento do Território Contestado, especificamente nos terrenos que compreendem o atual Grande Oeste Catarinense. Para efeito do nosso estudo, estas terras são as localizadas entre o Vale do Rio do Peixe (que corresponde ao Setor Ocidental da Região do Contestado) e a fronteira de Santa Catarina com a Argentina, tendo por limite natural, com o Estado do Rio Grande do Sul, o Rio Uruguai, atravessado em balsas, barcos e pontes por mais de cem mil imigrantes – na maioria italianos, alemães e poloneses – “de origem” ou seus descendentes que, das colônias gaúchas, emigraram em busca de novas terras mais ao Norte e de novas oportunidades de vida, em grande escala, de 1918 até meados da década de 1940. O fluxo que foi interrompido durante a II Guerra Mundial, sendo retomado logo após, porém, com menor intensidade, assim alcançando a 1960.

Até 1910, apenas algumas famílias, avulsas, haviam ousado adentrar o Contestado, acolhidas nos latifúndios dos fazendeiros, vindo a vizinhar com caboclos posseiros que se espalhavam pelos campos e pelas matas. O ingresso de cerca de cem mil pessoas ao Oeste Catarinense, número estimado para os chegados entre 1918 e 1940, originárias do Rio Grande do Sul, deveu-se à abertura dos núcleos coloniais, processo deslanchado em 1918, dentro da política de povoamento do Contestado do governo de Hercílio Luz e concretizado à medida em que iam sendo solucionados os problemas fundiários e organizadas as empresas colonizadoras.

Para conhecer um pouco esta “nova” população – que veio a constituir o homem do Contestado “contemporâneo” – recorremos às suas origens, ou seja, às colônias gaúchas, onde os imigrantes instalaram-se antes da mudança para Santa Catarina. Repetir-se-ia, aqui, o fenômeno ocorrido há muitos anos atrás, quando da formação do homem do Contestado “primitivo”, ou seja, mais uma vez o povoamento da região dar-se-ia por outros caminhos que não os da Serra-Abaixo Catarinense, região que mantinha uma vida própria, diferente do Planalto e que desenvolvia projetos de colonização com imigrantes mais concentrados nas planícies do litoral e nos vales dos rios que demandam ao Atlântico.

De modo geral, o processo de colonização, no Rio Grande do Sul, por povos da Europa Central, baseia-se em três correntes imigratórias: alemã, italiana e polonesa. A pioneira foi a alemã (a contar de 1824), seguida da italiana (em 1870) e da polonesa (de 1886 em diante), todas caracterizadas por terem sido feitas à base do trabalho livre e da pequena propriedade, e por terem enfrentado, no início, os mesmos problemas na instalação e de adaptação cultural. Também têm, em comum, o fato de contribuírem decisivamente para a formação da classe média urbana e rural, que veio a ser uma nova força entre a aristocracia oligárquica dominante, calcada no caudilhismo e no coronelismo, e os trabalhadores escravos e assalariados.

Os imigrantes constataram que somente poderiam enraizar-se neste “Novo Mundo” caso se mantivessem unidos e se solidificassem familiarmente. A mão-de-obra, ali inexistente e necessária para o desenvolvimento dos núcleos, teria que ser produzida no interior das próprias famílias. Daí, a geração de muitos filhos por casal. No passar dos anos, com a limitação geográfica das colônias impedindo a ampliação dos lotes, os filhos dos casais pioneiros, ao atingirem a idade adulta, tiveram que buscar novas terras, dividindo-as também com as novas levas de imigrantes que continuaram a chegar e já se dirigiam às colônias novas. Os períodos de redução da imigração externa, entre um plano e outro, vieram a favorecer as gerações que já estavam acostumadas às terras rio-grandenses.

Pelos mesmos fatores que provocaram a migração interna de italianos, alemães e poloneses das suas colônias velhas em direção ao Setor Setentrional Rio-grandense, as terras despovoadas ou sub-povoadas aquém do Rio Uruguai atraíram os desbravadores do Norte, Noroeste e Nordeste do Rio Grande do Sul. Alemães, italianos, poloneses, teuto-brasileiros e ítalo-brasileiros, com suas numerosas famílias (não raras delas com mais de dez filhos), atraídos pela farta publicidade das novas colônias no Oeste Catarinense, começaram a adquirir os lotes coloniais nas diversas “linhas” (travessões) no outro lado do Rio Uruguai.

As empresas colonizadoras copiaram, no Contestado, o modelo que havia sido utilizado muitos anos antes para povoar o Rio Grande do Sul. Nem poderia ser diferente, pois o sistema era um paradigma rio-grandense para a abertura de núcleos coloniais e a grande maioria dos colonizadores descendia dos imigrantes pioneiros do vizinho Estado.



9.8 A entrada dos “gaúchos” no Contestado



As empresas colonizadoras, responsáveis pela dinâmica da imigração e do povoamento de todo o antigo Contestado-Paranaense e de parte do Contestado-Catarinense, compreendendo o “Grande Oeste Catarinense”, promoveram o acesso à pequena propriedade para milhares de colonos rio-grandenses. Paulo Fernando Lago estimou em 300 mil o número de “gaúchos” que, em busca de novas moradas, saíram do Rio Grande do Sul na primeira metade do Século XX. Uma parte deles fixou-se aqui, entre 1920 e 1950, constituindo famílias e gerando descendentes “catarinenses”, enquanto que outra parte seguiu direto para o Oeste e o Sudoeste do Paraná. Também houve aqueles que, depois de fustrações na tentativa de se fixarem no Contestado, optaram por “levantar acampamento” e se aventuraram nas novas fronteiras agrícolas paranaenses.

A maior parte dos colonos proveio da zona antiga que não havia se desenvolvido nas atividades secundárias e terciárias, num grau passível de assegurar a colocação de numerosa população rural existente nas áreas pecuaristas e das próprias colônias. Descendentes de estrangeiros, estrangeiros e gaúchos compuseram a dominante parcela dos ocupantes do Meio Oeste e do Oeste Catarinense. Dêsse modo, do Rio Grande do Sul partiu a ação promotora da ocupação e contribuiu, êsse Estado, com o elemento humano, considerado como excedente. Entretanto, o têrmo excedente não implica numa saturação demográfica das áreas riograndenses de irradiação. Nem tãopouco a corrida de colonos e gaúchos significava a busca de terras próprias. Muitos vendiam suas terras no Rio Grande e compravam as de Santa Catarina, que se apontava como detentora de novos “el-dorados”. E, como decorrência habitual dessa frenética busca, a decepção foi resposta para muitos.

No dizer de Idaulo José Cunha, em Evolução econômico-industrial de Santa Catarina (1982), juntamente com o Oeste Catarinense, o Centro-Oeste vivenciou o fenômeno da migração interna sul-brasileira, destacando-se a do Rio Grande do Sul para Santa Catarina, imediatamente seguida pela do próprio Estado sulino e mais a de Santa Catarina em direção ao Sudoeste e Oeste do Paraná. Segundo ele, no período de 1920 a 1940, o processo “imigração menos emigração”, direcionado de um meio rural para outro meio rural, resultou no acréscimo populacional de quase 90 mil pessoas nesta região.

A expansão demográfica ocorreu, predominantemente, do crescimento vegetativo da população e da imigração interna, esta representada por rio-grandenses de origem italiana e germânica que transpuseram a divisa Sudoeste de Santa Catarina e ocuparam as terras do Vale do Rio do Peixe e do Oeste do Estado. A imigração interna líquida de brasileiros natos, entre 1920-1940, foi de 88.807 pessoas, das quais. 76.394 habitantes haviam nascido no Rio Grande do Sul.

Sob o ponto de vista demográfico, a construção da ferrovia São Paulo-Rio Grande do Sul, além de provocar o início do fluxo imigratório para Santa Catarina, favoreceu o processo de transferência e fixação dos imigrantes.

O papel dos verdadeiros “transplantes” de comunidade do Rio Grande do Sul foi extremamente positivo, pois se constituiu em imigração no sentido rural-rural e teve curto período de amadurecimento, em razão da: a) relativa proximidade entre os pontos de origem e destino; b) da semelhança das terras; c) da experiência agrícola dos colonos.

Os efeitos sobre a população economicamente ativa pode ser despreendido dos dados censitários de 1920 e 1940. Em 1940, a área dos estabelecimentos rurais do estado era de 4.312 mil ha. e os naturais, do Rio Grande do Sul, possuíam 521 mil ha., contribuindo, outrossim, com 16,1% do valor da produção agrícola e registrando excepcional produção média por estabelecimento. A rápida ascensão econômico-demográfica do Vale do Rio do Peixe e do Oeste reflete e corrobora a assertiva. [...].O movimento migratório intramacrorregional, que beneficiou, de início, Santa Catarina e, após, o Paraná, decorreu, sobretudo, da constituição de excedentes populacionais nas zonas de colonização alemã e italiana do Rio Grande do Sul (mesmo aquelas de ocupação recente) e da atração exercida pela abundância de terras nas regiões captadoras (CUNHA, 1982, p. 123).

O êxodo riograndense, entre 1920 e 1950, expressou-se por uma cifra em tôrno de 300.000 pessoas, oriundas de suas antigas colônias. Somente em Santa Catarina viviam, em 1950, 120.700 rio-grandenses, e uma considerável cifra de catarinenses das regiões do Meio Oeste e do Extremo Oeste, era representada por descendentes de rio-grandenses. Seguindo o vale do rio do Peixe e os demais situados ao ocidente, a ocupação foi aos poucos atingindo os limites com o Paraná e com a Argentina, diferindo da direção tradicional Leste-Oeste. Desta feita, o movimento de ocupação humana se realizava no sentido Sul-Norte

Até por volta de 1928, o maior encaminhamento de rio-grandenses foi para as terras do Vale do Rio do Peixe, porém a situação inverteu-se nas décadas seguintes. Superando o Centro-Oeste, a partir de Xanxerê, Chapecó, Xaxim, São Miguel d’Oeste e outros centros de atração, a região do Extremo-Oeste registrou aumento populacional relativo de 118,0% entre 1940 e 1950, e de 161,4% entre 1950 e 1960. Lá, num primeiro momento, foram colonizadas as terras mais próximas às barrancas do Rio Uruguai, para, em seguida, serem abertas as fronteiras mais ao Norte. Na medida em que os terrenos iam sendo ocupados, o êxodo rio-grandense atravessou a fronteira Setentrional, alcançando o Sudoeste e o Oeste do Paraná, momento em que as levas migratórias foram reforçadas por descendentes dos “gaúchos”, já nascidos em Santa Catarina.

Na Região do Contestado, diante da imigração rio-grandense, o incremento relativo da população, entre 1940 e 1950, foi maior na zona do Vale do Rio do Peixe, polarizada por Caçador, Videira, Joaçaba e Concórdia (59,1%), do que nos Campos de Lages, compreendendo também Curitibanos e Campos Novos (32,3%) e do que no Planalto de Canoinhas, abrangendo ainda Mafra e Porto União (19,6%). Por outro lado, com o deslocamento da atividade madeireira, entre 1950 e 1960, o incremento nos Campos de Lages foi maior (43,4%), do que no Vale do Rio do Peixe (21,8%) e do que no Planalto de Canoinhas (10,6%).

Um comentário:

  1. Parabéns amigo pela postagem.
    Esta história é riquísima, dígna de seriado na globo.
    Ótima fonte de pesquisa!!

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