sábado, 14 de fevereiro de 2009

Disputas por Limites e Coronelismo no Contestado

Disputas por Limites e Coronelismo no Contestado
Questões de Limites – Coronelismo





7. 1 Questão de Limites Paraná-Santa Catarina



7.1.1 A Administração Pública nas Terras Contestadas

Enquadrando a História do Contestado na cronologia da História de Santa Catarina até romper o Século XX, precisamos considerar que, no hoje Planalto Catarinense, dentro do campo político-administrativo, este Estado somente abrangia os municípios de Lages, Curitibanos e Campos Novos que, assim, constituem o primeiro cenário da presente abordagem.

Foi depois da ocupação dos Campos de Lages e da abertura da Estrada Real, pelos paulistas, no Século XVIII, que Santa Catarina apresentou oficialmente ao Gabinete Imperial suas reivindicações sobre o domínio administrativo do Planalto, a partir da Vila de Lages, a primeira datada de 1776 e a segunda de 1787, ainda enquanto vinculada à Ouvidoria do Rio Grande do Sul. Nos primeiros anos do Século XIX, a Província de São Paulo, cujas terras ao Sul eram administrativamente subordinadas a sua “5ª Comarca de Corityba”, ainda relutava junto ao Vice-Rei entregar Lages para os catarinenses pela sua localização estratégica na Estrada das Tropas, via de comunicação terrestre com a Colônia do Sacramento, no Extremo-Sul.

A incorporação da Freguesia de Lages a Santa Catarina, pelo Alvará do Gabinete Imperial de 9 de setembro de 1820 – dois anos antes da Independência do Brasil – somente aconteceu após a Província de São Paulo ter descoberto um novo caminho alternativo para os tropeiros, que desviava Lages, possibilitando a abertura da primeira Vereda das Missões, ligando Guarapuava à região missioneira gaúcha, com isso desinteressando-se pela Estrada Real e, conseqüentemente, por Lages.

A nova rota (pelo atual Oeste Catarinense) era melhor, em trajeto e em distância, do que a antiga Estrada Real; então, por este motivo econômico, que ficasse Lages para Santa Catarina. Aos paulistas-curitibanos, São Paulo garantia que os limites da agora catarinense Lages continuariam sendo os mesmos: pelos Campos da Estiva, pelo Rio Marombas, das suas nascentes à foz no Canoas e, por este abaixo até sua confluência com o Rio Pelotas e, daí para o Sudoeste, até o Rio Uruguai.

Não contavam os paulistas e nem os curitibanos com o “apetite” dos catarinenses, que, depois de “conquistar” Lages, entendendo serem seus limites, não pela Estiva-Marombas-Canoas-Pelotas, mas sim, os tais “espanhóis confinantes”, logo após a descoberta dos Campos de Palmas, passaram a reclamar ao Império, com insistência, toda a imensidão do território compreendido de Lages a Oeste.

Passados 24 anos da incorporação de Lages a Santa Catarina, a 21 de setembro de 1844, os presidentes das províncias de São Paulo e de Santa Catarina concordaram em submeter o litígio sobre suas fronteiras ao Poder Legislativo, obrigando-se, moralmente, a respeitar o statu quo ou o uti possidetis até a decisão final ser alcançada, ou seja, limitando-se cada qual a administrar as áreas por eles ocupadas até aquele momento.

Enquanto o Legislativo não decidia, os paulistas continuaram-se expandindo no rumo Sul, através da Comarca de Curitiba. Assim, a Província de São Paulo, que em 1819 havia criado a Freguesia de Nossa Senhora do Belém de Guarapuava, trinta anos depois, pela Lei nº 14, de 21 de março de 1849, contrariando o acordo de 1844, elevou esta freguesia à condição de vila, nela incluindo a “Capella de Palmas”, tudo integrando a Comarca de Curitiba, mas o ato foi revogado pela Lei nº 21, de 22 de junho de 1850. Guarapuava foi restaurado como Município, ainda por São Paulo, pela Lei nº 12, de 17 de julho de 1852, com sede na Vila de Guarapuava. Ocorreu que, ao anexar a “Capella de Palmas” a Guarapuava, em 1849, a província de São Paulo não determinou seus limites; referia-se apenas aos “Campos de Palmas”, onde ali havia concedido sesmarias, promovendo a instalação, entre 1836 e 1840, de 37 fazendas, além de mais cinco, estas em Campo Erê, para ampliar seu uti possidetis no Território Contestado.

Em 1851, a Câmara Municipal de Lages decidiu-se pela criação de dois novos distritos, o de Campos Novos e o de Curitibanos, pois as áreas em que se localizavam eram consideradas integrantes do seu território e, assim, pertencentes a Santa Catarina. Foi desta forma que, respondendo aos paulistas, por iniciativa dos próprios lageanos, foi criado em 1852, no Município e na Freguesia de Lages, o Distrito de Curitibanos, dele fazendo parte os “quarteirões” de Curitibanos e de Campos Novos. Nesta oportunidade, Campos Novos não foi elevado à condição de distrito, pois ali era forte a postura contrária a Santa Catarina pelos fazendeiros, na grande maioria originária da Comarca de Curitiba e, por este motivo, Campos Novos foi considerado apenas um quarteirão, subordinado ao Distrito de Curitibanos. Também por causa disso, aumentaria a rivalidade entre os fazendeiros de Campos Novos e os de Curitibanos e Lages. O problema foi parcialmente sanado pela Resolução Provincial nº 377, de 16 de junho de 1854, quando, em seguida à emancipação do Paraná, o governo catarinense prestigiou a região de Campos Novos, elevando o quarteirão também à condição de Distrito de Lages e nele veio a criar a Freguesia de São João dos Campos Novos.

A Lei nº 704, de 29 de agosto de 1853, que criou a Província do Paraná a partir da Comarca de Curitiba, determinou que “A comarca de Curityba, na provincia de S. Paulo fica elevada á cathegoria de provincia com a denominação de Provincia do Paraná. A sua extensão e limites serão os mesmos da referida comarca”. Entretanto, tais limites, do Sul da Comarca de Curitiba, eram indefinidos e estavam sendo discutidos pelas províncias de São Paulo e de Santa Catarina, desde muito antes.

Em 1854, o sr. Joaquim Augusto do Livramento, representante da Província de Santa Catarina, apresentou um projeto na Câmara Temporária do Império, para que este desse por declaradas as divisas entre as duas províncias, conforme os rios Saí-Guaçu, Negro e Iguaçu: “As divisas entre a provincia de Santa Catharina e a do Paraná são os rios Sahy-Grande, o Rio Negro, e aquelle em que elle desagua”. Esta linha incluiria definitivamente dentro do território catarinense os Campos de Palmas, de Curitibanos e Campos Novos. Em resposta, o então Presidente da Província do Paraná, Zacarias de Goes e Vasconcellos, incluiu o assunto Limites com Santa Catarina em sua mensagem de abertura dos trabalhos da Assembléia Legislativa do Paraná, em 1854, impugnando a idéia de o povoado paranaense de Rio Negro ser dividido pelo meio e, de ser o curso deste rio, mais o prolongamento pelo Rio Iguaçu, a linha divisória com os catarinenses.

Foi visando a ampliação dos seus domínios, pela Resolução nº 16, de 16 de junho de 1854, que a Província de Santa Catarina criou, ainda dentro do Distrito de Curitibanos, no Município de Lages, a Freguesia de São João dos Campos Novos. Por seu turno, como nova província, pela Lei nº 2, de 26 de julho de 1854, o Paraná criou as freguesias de São José dos Pinhais e de Bathlem de Guarapuava, sem designar seus limites, assim deixando a questão em aberto, mas, a 4 e 5 de setembro de 1854, Vasconcellos sancionou as leis nºs 13 e 16, reconhecendo as transformações destas freguesias em vilas (municípios), organizando as posturas e, por não fixar seus limites, por esta indefinição insinuou a possibilidade de, nelas, inserir 1.600 léguas quadradas ao Sul dos rios Negro e Iguaçu, em Território Contestado. Tanto isso era verdade que, ratificando seus propósitos de assegurar os Campos de Palmas, pela Lei nº 22, já a 28 de fevereiro de 1855, criou a Freguesia de Palmas.

A 1º de março de 1857, o então presidente da Província de Santa Catarina, João José Coutinho, abriu a sessão da Assembléia Legislativa Catarinense, com um discurso em que abordou a discussão dos Limites da Provincia com a do Paraná, criticando asperamente os relatórios apresentados pela administração provincial paranaense em 1854 e 1855, e também, o Barão de Suruhy, o Barão de Antonina e o Vice-Presidente do Paraná, Baurepaire Rohan, todos com postura intransigente na Capital do Império sobre os limites interprovinciais, o que irritou profundamente as lideranças políticas paranaenses.

Com a abertura das Veredas das Missões, em 1864, a Província do Paraná criou uma Estação Fiscal na estrada de tropas que ligava Guarapuava e os Campos de Palmas com a região das Missões, no Rio Grande do Sul, instalando-a na passagem do Rio Chapecó, ao que Santa Catarina respondeu criando uma Estação Fiscal na mesma estrada, na passagem do Rio Uruguai. O Paraná denunciou que “não são de hoje os desejos manifestados por Santa Catharina, de absorver uma porção de território nosso, que orçará por 1.600 léguas quadradas” (Apud MAFRA, 1900, p. 509). As atitudes geraram protestos de ambas as partes, mas mantiveram-se ambos os postos provinciais de cobrança de impostos sobre animais até fevereiro de 1865.

A 22 de março de 1864, dez anos depois da criação da Freguesia de Campos Novos, pela Lei Provincial nº 535, Santa Catarina criou também a Freguesia de Nossa Senhora da Conceição dos Curitibanos, no Distrito de Curitibanos, Município de Lages. Com esta medida, os catarinenses mostravam aos paranaenses que não abriam mão da ampla jurisdição sobre Campos Novos e Curitibanos.

À vista das iniciativas de ambas as províncias sobre um mesmo território, em 16 de janeiro de 1865, sob orientação do Ministro da Agricultura, que era o deputado paranaense Jesuino Marcondes de Oliveira e Sá, o Gabinete do Império editou o Decreto nº 3.378, nele constando que os limites entre as duas províncias “são provisoriamente fixados pelo Rio Sai-Guaçu, Serra do Mar, e Rio Marombas, desde sua vertente até o das Canoas e por êste até o Uruguai”, assim determinando que os Campos de Palmas, e parte de Curitibanos pertenceriam à Província do Paraná. A outra parte de Curitibanos, mais Campos Novos, ficaria com Santa Catarina. O ato foi imediatamente contestado por Santa Catarina que, em maio de 1865, apresentou novo projeto, mais uma vez fixando os limites pelo Rio Saí-Guaçu e, da Serra Geral para o interior, “pelo Rio Negro e o Iguaçu, ou Grande Curitiba, até a foz do Rio Santo Antonio”.

Com a decisão do Governo Imperial, de abrir a Estrada Dona Francisca, ligando São Francisco do Sul e a Colônia Dona Francisca (Joinville) à Vila de Rio Negro, para comunicar o litoral com os sertões do Oeste, no interesse dos planos nacionais de colonização, tomando a iniciativa, em 1868 o Paraná transferiu sua Estação Fiscal do Distrito dos Ambrósios, para o lugar Encruzilhada, distante 26 km ao Sul da margem esquerda do Rio Negro, fato que os catarinenses consideraram ato de invasão de território e de pretensão de conquista, exigindo seu recuo ao ponto original, pois ali já estava em curso o plano catarinense de extensão da Colônia Dona Francisca (Joinville), para a instalação de imigrantes alemães na Colônia São Bento.

Pela Lei nº 626, de 11 de junho de 1869, Santa Catarina transformou Curitibanos em Município, este instalado em 1873, envolvendo as freguesias de Nossa Senhora da Conceição de Curitibanos, São João dos Campos Novos e Nossa Senhora do Amparo do Campo de Palmas (nesta, insinuando seu domínio sobre os Campos de Palmas, nunca instalada), desligando-as de Lages, fixando a sede na Vila de Curitibanos, sob os protestos do Paraná.

Em 1870, a Província do Paraná elevou a Freguesia de Rio Negro à condição de Município, com sede na vila do mesmo nome, instalada em ambas as margens deste rio. Logo após a criação da Colônia São Bento (hoje São Bento do Sul), por Santa Catarina, em área que o Paraná dizia pertencer a Rio Negro, em 1874, os deputados de Santa Catarina na Câmara Federal apresentaram novo pedido de discussão do projeto original de 1865, sobre os limites, proposta que foi logo impugnada pelos deputados paranaenses. “Este adiamento ainda mais incitou o Paraná a pretender constituir posses á margem esquerda do Rio Negro; e a tal ponto que houve conflitos armados, seguindo-se porfiada discussão de limites entre os Presidentes das duas provincias...” (STF, Ação Originária nº 6, p. 73). Dali, o Paraná avançou rumo Sul, instalando colônias de imigrantes, chegando aos povoados dos atuais municípios de Papanduva, Itaiópolis, Monte Castelo e Santa Cecília, em área que, segundo Santa Catarina, pertencia a Curitibanos. E, no Oeste, em 1877, pela Lei Provincial nº 484, de 13 de abril, o Paraná elevou a Freguesia de Palmas à categoria de Município.

A 22 de novembro de 1878, por novo Aviso Imperial, foi restabelecido o Decreto nº 3.378 e, em seguida, a 14 de janeiro de 1879, o Gabinete do Império editou mais um Aviso, este endereçado ao Presidente de Santa Catarina, alterando parte deste decreto, ao trocar a divisa provisória, do Rio Marombas para o Rio do Peixe, expressando que:

[...] pondera a conveniencia de que, antes de dar-se principio ás medições na zona litigiosa entre essa e a Provincia do Paraná, se declare que a linha divisória, para os effeitos d’aquelle Aviso, é, não o rio ‘Marombas’, como resolvera o Decreto n. 3378 de 16 de janeiro de 1865, a que fez allusão aquelle acto do Governo, mas os rios ‘Peixe’ e ‘Goyo-En’, cujo territorio nunca foi contestado [...] (AVISO IMPERIAL).

Por este documento entendia-se, ainda que provisoriamente, como sendo paranaense toda a região ocidental ao Rio do Peixe, incluindo os Campos de Palmas e, como catarinense, a margem esquerda do Rio do Peixe, incluindo Campos Novos e Curitibanos.

Com esta medida do Império, pela lei nº 789, a 16 de outubro de 1884 o Paraná ampliou seu domínio sobre os Campos de Palmas, elevando o povoado de Bela Vista de Palmas à categoria de Freguesia, em área que alcançava o Campo Erê. Logo após a Proclamação da República, pela Lei nº 28, de 28 de junho de 1892, o Estado do Paraná também promoveu esta freguesia à condição de Município, desmembrado de Palmas.

Os problemas mais graves entre os dois Estados, no final do Império, aconteceram na área da Colônia de São Bento (hoje nos municípios de Campo Alegre, São Bento do Sul e Rio Negrinho), implantada em 1873 no prolongamento da Colônia Dona Francisca, por Santa Catarina, para receber imigrantes alemães. O núcleo encostava no Rio Preto, que era o limite do Município paranaense de Rio Negro (depois Mafra e atualmente Rio Negrinho), onde São Paulo havia iniciado a colonização com alemães ainda em 1829. Entendia o governo paranaense que a região estava sob sua jurisdição e, assim, em 1890, ao mesmo tempo em que elevou a Freguesia de Nossa Senhora da Vitória à condição de Município de Porto União da Vitória, pela Lei nº 4.554, de 27 de março deste ano, no local Encruzilhada (em São Bento do Sul), voltou a instalar um posto fiscal, guarnecido por destacamento militar, que se revelou ostensivo demais diante dos pacatos imigrantes, que passaram a viver em sobressalto. Em seguida, o Paraná colocou outras barreiras fiscais ao longo da parte alta da Estrada Dona Francisca e da Encruzilhada para cima, com isto prejudicando os ervateiros – até mesmo os paranaenses – que transportavam a erva-mate para os engenhos de Joinville.

Os protestos dos produtores imediatamente fizeram-se ouvir na capital catarinense e, dali, foram parar no Rio de Janeiro, pois os produtores, além do imposto a recolher para Santa Catarina, tinham que fazê-lo duplamente, agora também para o Tesouro do Paraná. O problema ganhou tamanha importância que, para evitar o emprego da força policial, os chefes dos governos provinciais da época reuniram-se em Curitiba e acertaram a cobrança do imposto sobre a erva-mate destinada a Paranaguá ou a São Francisco uma única vez, dividindo-se a receita entre as duas províncias, mas, a taxa de exportação, que em Santa Catarina era de 2%, foi elevada para 4%, igual à do Paraná. Neste encontro, os governantes também acordaram em discutir a questão sobre os limites interestaduais no Congresso Nacional.

A partir de 1893, por causa da deflagração da Revolução Federalista no Sul do Brasil, o quadro político-administrativo permaneceu inalterado na Região do Contestado, sem mais nenhuma iniciativa de conquista por parte dos dois Estados até encerrar o Século XIX. Assim, quando do início do período republicano, encontramos Santa Catarina e Paraná com fronteiras provisórias respeitadas apenas no Rio do Peixe, das suas nascentes, na Serra do Espigão, até a foz, no Rio Uruguai. O seu curso dividia, então, os municípios catarinenses de Curitibanos e Campos Novos, do município paranaense de Palmas. A área acima das serras Geral e do Espigão, até os rios Negro e Iguaçu, era objeto de mútua contestação, mas enquanto o Paraná promovia sua ocupação, através de Rio Negro e de Porto União da Vitória, Santa Catarina apenas reclamava da “invasão”.


7.1.2 A Disputa de Limites no Judiciário


Em 1891, quando a indefinição sobre as fronteiras entre Paraná e Santa Catarina continuava preocupando as autoridades dos dois Estados, na sessão de 27 de julho do Congresso Nacional, o Governador e Deputado Federal, Lauro Müller, e toda a bancada catarinense, apresentaram o Projeto-de-Lei nº 63 ao Congresso Nacional, propondo a fixação dos limites entre Paraná e Santa Catarina pelos rios Negro e Iguaçu. Remetido o projeto à Comissão de Legislação e Justiça, esta manifestou-se favoravelmente, “por unanimidade”, emitindo seu Parecer a 19 de setembro. Mas, já nas sessões de 22 e 23 de setembro, deputados paranaenses contestaram a informação de que o parecer havia sido unânime. A Comissão havia citado “unanimidade”, com o que deveria conter nove votos, mas, Bellarmino de Mendonça – membro desta comissão – não o havia assinado, por discordar do posicionamento de que o Congresso Nacional seria o fórum legal para decidir sobre a questão e, voto vencido na comissão, havia decidido esperar a sessão plenária para apresentar sua discordância.

Então, nas sessões de 25 e 28 de setembro de 1891, quando se debateu a questão do poder do Congresso Nacional para resolver sobre os limites interestaduais, Bellarmino de Mendonça, deputado pelo Paraná, defendeu a tese de que o Congresso Nacional só poderia resolver definitivamente a questão, depois que houvesse um acordo prévio entre as partes. A discussão acirrada foi adiada a requerimento da Comissão de Diplomacia e Tratados, até que fosse resolvida a questão com a República Argentina.

Em seqüência à questão internacional Brasil-Argentina, em 1895, ao invés de fazer voltar à discussão o projeto de 1891, a representação catarinense não lhe deu andamento. Lauro Müller havia sido defensor de que a questão deveria ser decidida pelo Congresso Nacional, mas, agora, os catarinenses, sob o governo de Hercílio Luz, davam indícios de que tinham mudado de idéia.


Diante do impasse, as bancadas do Paraná e de Santa Catarina no Congresso Nacional levantaram a possibilidade de se entregar a questão de limites estaduais a arbitramento, com a decisão sendo referendada pelo Supremo Tribunal Federal. Assim, depois de solucionada a Questão de Limites Brasil-Argentina, em 1895, já a 22 de maio de 1896, os representantes federais dos dois Estados acordaram bases para a solução da questão de limites por arbitramento, devendo, nessse sentido, ser a sentença arbitral homologada pelo Supremo Tribunal Federal. A idéia do arbitramento surgiu dos advogados dos dois Estados, o Conselheiro Mafra (por Santa Catarina) e Ubaldino do Amaral (pelo Paraná), depois de consultarem informalmente o Supremo Tribunal Federal.

A iniciativa da proposição de um arbitramento federal acabou sendo aceita pelos executivos estaduais e aprovada pelas respectivas Assembléias Legislativas. De comum acordo, para árbitro, foi escolhido o Vice-Presidente da República, Dr. Manoel Victorino Pereira. Entretanto, logo depois de ser consultado, o STF declarou-se incompetente para intervir no ato político, esclarecendo que só poderia agir se fosse acionado por questão judicial. Diante da declaração do Poder Judiciário de incompetência para intervir na questão política sem que para isso fosse acionado para julgamento, para evitar que a disputa passasse enfim ao Poder Legislativo, como os paranaenses demonstraram querer, Lauro Muller, Hercílio Luz e Felippe Schmidt (Governador 1898-1902), articularam a estratégia catarinense de impetrar uma ação ordinária no STF, assim acionando a Justiça, como ela havia antes indiretamente orientado.

Em 1900, o governo catarinense, que já havia contratado o Conselheiro Manoel da Silva Mafra para assessorá-lo nas discussões e para defender seus interesses junto ao possível árbitro, diante da informação do STF de que só se pronunciaria se fosse acionado, resolveu impetrar uma ação direta no Supremo Tribunal Federal, aproveitando o trabalho do advogado, este que, em 1899, estava concluindo o documento Exposição Histórico-Jurídica por parte do Estado de Santa Catarina sobre a questão de limites com o Estado do Paraná, submettida, por accordo de ambos os Estados, á decisão arbitral. Os catarinenses surpreenderam o Paraná, protocolando no STF a petição originária, reclamando os limites pelos rios Negro e Iguaçu. Acolhida a ação, foi designado relator o Ministro Herminio Francisco do Espírito Santo. Os paranaenses, que ainda insistiam em negociar, sentiram-se afrontados com a iniciativa de Santa Catarina e tiveram que se defender no Tribunal. A partir daí, o “problema” político-administrativo virou “questão”, tanto política e administrativa, como judicial, social, tributária e militar.

Os políticos catarinenses – Lauro Muller, Hercílio Luz, Vidal Ramos Júnior e Felippe Schmidt – assessorados por membros de seus gabinetes e outros familiares, que nos anos de virada-de-século já enraizavam as oligarquias catarinenses, haviam recorrido a um caminho perigoso. Mesmo arriscando-se a “comprar briga” com o Paraná (o que de fato veio a acontecer), tinham plena consciência de que, se a questão dos limites fosse levada ao Congresso Nacional, ali suas chances seriam mínimas, pois havia uma “brecha” na Constituição Federal de 1891 que favorecia as reivindicações paranaenses e, estes, tinham a seu favor, ainda, o mais importante: quem ocupava majoritariamente o Território Contestado, além dos rios Canoinhas e do Peixe, eram famílias com berço no Paraná (antes em São Paulo) e, quem administrava a maior parte da área era o Governo do Paraná.

À petição inicial, em janeiro de 1902, o Conselheiro Mafra adicionou sua Exposição Histórico-Jurídica. O Paraná defendeu-se, através de um manuscrito de 24 páginas, assinado pelo Conselheiro Joaquim da Costa Barradas, que, em abril deste mesmo ano, adicionou à resposta paranaense ao Supremo Tribunal Federal o Memorial por parte do Paraná - Acção Originaria de Reivindicação sobre Limites territoriaes entre os Estados do Paraná e Santa Catharina - 1902.

Contestando todas as alegações catarinenses, Barradas classificou a “Ação Ordinaria Originaria” como “Ação Originária Reivindicatória”, apelou para o princípio do uti possidetis paranaense no Território Contestado e insistiu na validade e plena vigência do Decreto nº 3.378, de 1865, assim concluindo:

Enquanto o Paraná apresenta estes e outros títulos, quaes são os que exhibe Santa Catharina para disputar-lhe a pósse do território em litígio? Em que se fundamenta este ultimo Estado para attribuir a usurpações o exercicio longo e pacifico da jurisdicção de S.Paulo e do Paraná sobre esse mesmo território? [...]. Qualquer que seja o ponto de vista porque se encare esta pretenção de Santa Catharina, ella se patenteia ao mesmo tempo injustificavel e cruel. O Estado do Paraná, pois, seguro na força do seu direito insophismavel e sempre reconhecido, e certo da rectidão dos mais eminentes Juizes da Republica, espera que lhe seja feita justiça, julgando-se improcedente a presente acção (BARRADAS, 1902).


A 6 de julho de 1904, por seis votos contra quatro, o Supremo Tribunal Federal deu ganho de causa ao Estado de Santa Catarina, na Ação Originaria Ordinaria nº 6, nos termos da petição inicial, decisão da qual expediu-se o “Accordão”:

Se o direito favorece as pretenções do Estado de Santa Catharina, que as baseia em titulos historicos e juridicos, tem ainda elle por si o DIREITO de possuir limites naturaes, como sejam, os rios Negro e Ygoassú ao norte, o Urugoay ao sul, ao oriente o oceano e ao ponte as fronteiras argentinas (STF, Acordão, 1904).

A 19 de agosto de 1904, o Paraná apôs embargos a esta decisão da Suprema Corte Nacional, ao que, a 2 de setembro, Santa Catarina imediatamente protestou e fez impugnação. Sendo relator o Ministro André Cavalcante, a 24 de dezembro de 1909, o Supremo Tribunal Federal rejeitou os embargos que haviam sido protocolados pelo Estado do Paraná, emitindo novo Acordão (o segundo favorável a Santa Catarina), pelo qual estabeleceu:

Assim, os limites de Santa Catharina do lado Norte ficaram sendo o Sahi-Guassú, o Rio Negro e o Iguassú. E como o territorio do Têrmo de Lages, para o lado do Oeste, abrangia todo o vasto sertão que fora parte da Comarca de Curytiba, e o dito sertão não tem ao Norte outros limites que não o Iguassú, força é reconhecer que o Iguassú desde a Foz do Rio Negro às extremas do territorio com a Republica Argentina, ficou sendo o limite de Santa Catharina com o Estado do Paraná (STF, Acordão, 1909).

O Estado do Paraná mais uma vez interpôs embargos declaratórios à sentença do Supremo Tribunal Federal, que foram prontamente contestados por Santa Catarina, resultando na terceira sentença favorável aos catarinenses. O STF acolheu a decisão do relator André Cavalcanti, em sessão de 25 de julho de 1910, ratificando que os limites de Santa Catharina, do lado Norte, eram o Sahy Guassú, o Rio Negro e o Iguassú e que este, desde a foz do Rio Negro ás extremas do territorio brasileiro com a Republica Argentina, ficava sendo o limite de Santa Catharina com o Estado do Paraná; alem disso, por não se poder, em virtude de semelhante recurso, alterar o julgamento que foi proferido conforme o direito e as provas dos autos (STF, Acordão, 1910).

A decisão do Supremo Tribunal Federal de 1910, entretanto, permaneceu inócua, pois o Estado do Paraná resistiu e, sempre recorrendo ao Judiciário, ao mesmo tempo em que ameaçava ir às armas, não permitiu sua aplicação. De 1910 a 1913, pelas páginas dos jornais e tribunas dos parlamentos, aconteceriam enfrentamentos entre as duas partes, elevando a tensão social nos dois Estados, até que a questão chegou a um ponto crítico, também motivando a deflagração da Guerra do Contestado. Somente após a guerra haveria um “acordo” entre os dois Estados, que pôs fim ao litígio, como veremos adiante.










7. 2 A marca do coronelismo no Contestado



Ao proclamar a Independência do Brasil, D. Pedro I ficou à mercê de um corpo de Exército Brasileiro, cuja oficialidade era constituída na maioria por portugueses e estrangeiros. A manutenção da lei e da ordem interna era, na época, atribuição de milícias, guardas municipais e ordenanças. Com suas atribuições e responsabilidades determinadas pela Constituição Imperial de 1824, nem sempre o Exército demonstrava a desejada unidade, vivendo constantes momentos de crises internas, com insubordinações nas guarnições, devido, principalmente, à numerosa infiltração estrangeira nos quartéis da capital do Império e nas capitais das províncias.

Na vigência da Regência Permanente do Império, o Ministro da Justiça, padre Diogo Antonio Feijó, em julho de 1831, ainda tentava acalmar os ânimos dos militares, divididos entre as três correntes políticas da época: a exaltada, que desejava a República; a restauradora, que queria a volta de Dom Pedro I; e a moderada, que apoiava a Regência. Diante de uma situação considerada grave, faziam-se necessárias medidas urgentes para a restauração da unidade no Exército.

A 18 de agosto de 1831, o então Regente, Diogo Feijó, assinou a lei de criação da Guarda Nacional do Império, ao mesmo tempo em que extinguiu as milícias, ordenanças e guardas municipais: "A Guarda Nacional é instituída para defender a Constituição, a liberdade, a independência e integridade do Império; para manter a obediência às leis; conservar ou restabelecer a ordem e a tranqüilidade pública; e para auxiliar o Exército de Linha na defesa das praças, fronteiras e costas".

É de lembrar as origens liberais da instituição, evidentemente imitada aos franceses. Sonhava-se que os cidadãos em pessoa fossem responsáveis pela ordem pública interna e auxiliares da defesa externa, sem caráter profissional.

Em 1831, logo depois da abdicação de dom Pedro I, o prestígio do exército regular se achava abalado, seja porque muitos de seus oficiais eram portugueses, seja porque haviam sido afeiçoados ao monarca deposto. Recrutando seus homens em agrupamentos sociais modestos, inclusive entre negros livres, e escolhendo seus comandantes por eleição, a Guarda Nacional teve, em seus primeiros anos de vida, um caráter acentuadamente popular (FRANCO, in: Correio do Povo, 18 ago. 1981).

A corporação, que passou a ser organizada em todo o território nacional, era composta por Batalhões, cada qual formado por seis a oito Companhias e, estas, constituídas por 100 a 500 homens. Seus oficiais tinham as mesmas patentes dos oficiais do Exército, exceto a de general. Para os escalões dos batalhões eram nomeados pelo governo imperial: o tenente-coronel comandante (chamado simplesmente de "coronel"), um major, tenentes, alferes e sargentos; para as companhias: um capitão comandante, tenente, alferes, sargentos e cabos. Esta corporação civil era uma milícia paramilitar, à paisana, à qual poderiam se inscrever como "guardas nacionais" todos os homens válidos e maiores de idade do Brasil.

Como para o coronelato eram nomeados os grandes senhores de engenho (no Leste e Nordeste do Brasil) e os fazendeiros mais poderosos (caso do Sudeste e do Sul), os oficiais eram os próprios capatazes das suas fazendas e pessoas de importância ou aliados políticos e, os soldados, eram escolhidos entre os agregados, peões e capangas dos fazendeiros, mais pessoas simples que moravam em vilas e pequenas fazendas, de confiança dos coronéis e capitães (fazendeiros de menor importância, comandantes de companhias e de esquadrões). A todos, era proporcionado acesso a armas e munições, e treinamento militar.

Em agosto de 1831, quando o Padre Diogo Antônio Feijó extinguiu os Corpos de Milícias e criou a Guarda Nacional, não imaginava que a nova corporação logo se tornaria uma grande predileção da classe rural de fazendeiros, os quais muitas vezes se envolviam em amargas rivalidades na disputa por títulos e posições, tendo em vista os privilégios e imunidades a eles inerentes. Em Coronelismo, Enxada e Voto, Victor Nunes Leal explica que

[...] durante quase um século, em cada um dos nossos municípios existia um regimento da Guarda Nacional. O posto de “coronel” era geralmente concedido ao chefe político da comuna. Ele e os outros oficiais, uma vez inteirados das respectivas nomeações, tratavam logo de obter as patentes, pagando-lhes os emolumentos e averbações para que pudessem elas produzir logo os seus efeitos legais. Um destes era da mais alta importância, pois os oficiais da Guarda Nacional não podiam, quando presos e sujeitos a processo criminal, ou quando condenados, ser recolhidos aos cárceres comuns, ficando apenas sob custódia na chamada “sala livre” da cadeia pública da localidade a que pertenciam. Todo oficial possuía o uniforme com as insígnias do posto para que fora designado. Com esse traje militar, marchavam eles para as ações bélicas, assim também tomando parte nas solenidades religiosas e profanas da sua terra natal. Eram, de ordinário, os mais opulentos fazendeiros ou os comerciantes e industriais mais abastados, os que exerciam, em cada município, o comando-em-chefe da Guarda nacional, ao mesmo tempo em que a direção política, quase ditatorial senão patriarcal, que lhes confiava o governo provincial (LEAL, 1948, p. 9-10).

Surgiu assim no país o "coronelismo", ampliando o já então existente poder político dos fazendeiros, senhores de latifúndios, que passaram a exercer também o poder paramilitar e militar nas províncias brasileiras.

Por ser realista. essa política do Imperador tomou pé e raízes na realidade brasileira. Os coronéis, contudo, mergulhados em sua política regional e no torvelinho das paixões humanas que fatalmente todo poder local traz, mais de uma vez desviaram a Guarda Nacional de seus objetivos nacionais assim como dos interesses da Pátria e do povo brasileiro, para os objetivos do Coronelismo... (Tobias, 1987, p. 145).

Logo após a criação da Guarda Nacional, em 1831, a Regência confiou ao então Major Luís Alves de Lima e Silva - futuro Barão, Conde e Duque de Caxias - a tarefa de organizar um forte “Batalhão de Oficiais”entre os soldados imperiais permanentes, que fossem cegamente leais à Regência, o que fez com sucesso, pois nos anos seguintes veio a reprimir as principais revoltas provinciais, lideradas por forças extremistas em diversas partes do Império, tendo, inclusive, combatido unidades da Guarda Nacional, quando estas se rebelaram ou aderiram a rebeldes, contra o poder central.

Quando de uma destas revoltas, a “Balaiada” (1838-1841) no Maranhão, Caxias veio a ser o primeiro soldado-estadista do Brasil, pois pela primeira vez, ali, viu-se um militar assumindo o alto cargo político de Presidente Provincial. Em 1841, ele foi promovido a Brigadeiro do Exército Imperial e, pouco depois, assumia a Província do Rio Grande do Sul, onde seu nome foi sufragado como Senador vitalício, rendendo-lhe ainda o titulo de Conde e o posto de Marechal-de-Campo.

A necessidade de se criar esquadrões da Guarda Nacional para servir ao Governo Imperial, na então ainda despovoada Região do Contestado, surgiu já em 1838, quando as forças da Revolução Farroupilha, deflagrada em 1835 no Rio Grande do Sul, chegaram a Lages, invadindo Santa Catarina para instaurar a República Catarinense.

O Imperador D. Pedro II, pela Lei nº 602, de 19 de setembro de 1850, deu nova organização à Guarda Nacional, possibilitando sua expansão através dos presidentes das províncias e - isso muito nos interessa - nas províncias limítrofes com estados estrangeiros, como as do Sul do Brasil. Assim, nos anos seguintes, criaram-se mais batalhões no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, com companhias e esquadrões de Cavalaria e Infantaria.

A "Tríplice Aliança", firmada por Brasil, Argentina e Uruguai, exigiu a incorporação das guardas nacionais provinciais aos corpos de "Voluntários da Pátria" - para atuarem na Guerra do Paraguai - a partir de 1865. Fazendeiros catarinenses e paranaenses, ao lado de caudilhos e estancieiros gaúchos, conduziram milhares de homens ao campo de batalha, proporcionando-lhes não mais somente o treinamento para a guerra, mas a participação sangrenta em ferozes combates corpo-a-corpo. Entre os alistados, também estavam centenas de camponeses e sertanejos recrutados "na marra" nas vilas e fazendas da Região do Contestado.

Na Guerra do Paraguai, principalmente no início, quando o Império somente dispunha de 12.000 homens, inexorável a constatação de que a Guarda Nacional foi muito significativa para a composição das forças militares acionadas pelo Brasil, contra a geopolítica armada do Paraguai. Não só em número mas em qualidade também. Dos batalhões da Guarda Nacional muito de heroísmo e muito de sangue na convulsão continental daquela guerra (MARTORANO, in: O Estado, sd).

Encerrado o genocídio praticado pelos brasileiros no Paraguai, os "voluntários" sobreviventes das guardas nacionais regressaram às suas casas, retomando as atividades cotidianas nas fazendas do Contestado. Daí até a Guerra do Contestado (1913-1916), os esquadrões do Paraná e de Santa Catarina eram esporadicamente chamados a intervir em entreveros locais atinentes à "Questão de Limites Paraná-Santa Catarina". Neste período, o Coronelismo acentuou-se na Região do Contestado, onde inúmeras já eram as fazendas, tanto as maiores, oriundas das antigas sesmarias, como as menores, que surgiram após a Lei das Terras, de 1850. Para Sérgio da Costa Franco, a Guarda Nacional

[...] desfigurou-se mais tarde, aristocratizou-se. Passou a servir aos interesses eleitorais das facções dominantes, prestando-se a medidas de compressão contra oposicionistas. Não tardou que recebesse a hostilidade dos políticos liberais. E, ainda do Império, depois da reforma de 1873, tornou-se quase puramente honorífica - um vistoso corpo de oficiais sem soldados. Conservou-se apenas como um fator de prestígio político, ser oficial da Guarda Nacional. Mas, limitadas a uma revista anual, as unidades da G.N. haviam perdido até mesmo a função eleitoreira. A República, finalmente, completou o estiolamento da organização, mantendo apenas os coronelatos de mentira que glorificavam alguns chefes municipais (FRANCO, in: Correio do Povo, 18 ago. 1981).

Com a Proclamação da República, em 1889, a Guarda Nacional foi mantida e melhor organizada, passando para os Estados as indicações de nomes para o oficialato, nomeações que se davam através de "cartas-patentes" da presidência. Durante a litigiosa questão de limites, os governos estaduais do Paraná e de Santa Catarina procuravam nomear e promover fazendeiros que se manifestassem mais simpáticos e favoráveis, respectivamente, às suas causas, cada qual, assim, atraindo para si o apoio e a adesão das pessoas mais influentes do Território Contestado. A Guarda Nacional era forte instrumento político, a par de força militar.

Todo o poder era concentrado nos poderosos fazendeiros-coronéis, que administravam suas terras e influenciavam a política administrativa e até decidiam eleições nas vilas próximas. O sistema ditatorial resultou do próprio ambiente e das condições daquele tempo: falta de autoridade legal, isolamento dos centros urbanos civilizados e ausência de policiamento. O dono-da-fazenda, automaticamente, era juiz, delegado, chefe e legislador, recebendo respeito de todos os subordinados.

A Guarda Nacional sobreviveu ao advento da República. Patentes de oficial obtidas pelos pretendentes a postos na quase simbólica hierarquia da tropa armada. No fastígio do coronelismo os detentores do poder político, latifundiários quase sempre ou grandes comerciantes, na emulação procuravam ostentar seus postos - desde tenentes até coronéis. Cabia-lhes, individualmente, aliciar, instruir, manter e comandar suas próprias forças. Era a réplica ao caudilhismo. Canalização legal da convergência da vontade de dominação para os propósitos do próprio governo.

Poderosos Senhores, valendo-se da submissão de numerosos familiares, quando não de muitos sobre quem exerciam proteção, ligados a suas fazendas. Mas uma coisa os distinguia. A total disciplina e imediata resposta a qualquer apelo dos Governos. Força sempre legalista. Anteparo aos “bochinchos” dos caudilhos, que de quando em quando insurrectos, nas estrepolias de seus cavaleiros, testavam a estabilidade dos Governos republicanos. Mas muito pouco se fazia além do papel. Mais títulos para os oficiais do que ideal para seus soldados. [...] Dizem uns que ao temor da ressurreição de pruridos monarquistas se deve sua extinção (MARTORANO, in: O Estado, sd).

No Contestado, todo o poder era concentrado nos poderosos fazendeiros-coronéis que administravam suas terras e influenciavam a política administrativa e até decidiam eleições nas vilas próximas. A par do Coronelismo, via-se aqui também o “compadresco”, forte ligação afetiva que ligava o pessoal dependente com os donos das fazendas e com os chefes políticos. Quantos mais afilhados e compadres, que caíam nas boas graças e se viam promovidos socialmente, maior era o poder do Coronel. O beija-mão e o pedido de bênção ao padrinho eram ensinados desde cedo às crianças, para saber respeitar a classe dominante. O poder político na Região do Contestado, amarrado às oligarquias estaduais, era disputado entre os coronéis, que se dividiam, pelas raízes históricas, entre farroupilhas e legalistas, entre pica-paus e maragatos, entre defensores do Império e da República, entre catarinenses e paranaenses e, pela natureza política, entre os partidos políticos que disputavam o poder e distribuíam as benesses, antes entre liberais e conservadores, em seguida entre os federalistas e republicanos, e entre republicanos e liberais. A permanente competição entre os chefes alcançava seus subordinados que, algumas vezes, entravam em luta corporal e armada entre si, durante festas religiosas e rodeios.

O fenômeno coronelista não é novo. Novo será sua coloração estadualista e sua emnacipação no agrarismo republicano, mais liberto das peias e das dependências econômicas do patrimonialismo central do Império. O coronel recebe seu nome da Guarda Nacional, cujo chefe, do regimento municipal, investia-se daquele posto, devendo a nomeação recair sobre pessoa socialmente qualificada, em regra detentora de riqueza, à medida em que se acentua o teor de classe na sociedade. Ao lado do coronel legalmente sagrado prosperou o “coronel tradicional”, também chefe político e também senhor dos meios capazes de sustentar o estilo de vida de sua posição (Faoro, 1976, p. 621).

Em Catarinensismos, Theobaldo Costa Jamundá não perdoa os coronéis da nossa região, chamando-os de "coronéis-da-roça":

Reduto onde o coronelismo-da-roça proporcionou para o noticiário nacional aspectos bárbaros na fertilidade da miséria. Ali o mandonismo dos coronéis-da-roça com a ação paralela dos bandidos - estes nunca faltam onde existe Terra de Ninguém - instituíram a desordem como ordem. Assim sem censura de qualquer espécie, deu as condições defertilidade para a instalação e domínio da afirmação na violência: aqui, quem manda sou eu. Por certo, o artigo único do: aqui mando e posso; a lei sou seu (JAMUNDÁ, 1974, p. 120-121).

Entramos no século XX com a Guarda Nacional organizada nos municípios paranaenses de Rio Negro, União da Vitória, Palmas e Guarapuava e, nos catarinenses, em Lages, Curitibanos, Campos Novos e Canoinhas (os únicos municípios então existentes no Território Contestado). Seus batalhões, companhias e esquadrões eram confiados a diversos coronéis (da roça?) e capitães, sendo que entre os fazendeiros mais citados nos episódios da Guerra do Contestado, encontramos: Manoel Fabrício Vieira, Miguel Fabrício das Neves, Nicolao Bley Neto, Arthur de Paula e Souza, Amazonas Marcondes, Juca Pimpão, Pedro de Sá Ribas e Domingos Soares (pelo Paraná), mais Henrique de Almeida, Francisco Ferreira Albuquerque, Maximino de Moraes, Marcos Gonçalves de Farias, Vidal Ramos e Henrique Rupp (por Santa Catarina).

Em pouco tempo, o tratamento de "coronel" começou a ser dado a qualquer chefe político ou a qualquer fazendeiro rico, fossem ou não vinculados às guardas nacionais, como diz Victor Nunes Leal: "O aspecto que logo salta aos olhos é o da liderança, com a figura do 'coronel' ocupando o lugar de maior destaque. Os chefes políticos municipais nem sempre são autênticos coronéis" (LEAL, 1975:, p. 21). Aqui, os latifundiários fazendeiros-coronéis e chefes políticos locais exerceram o "mandonismo" por imposição natural do próprio sistema social e cultural:

O coronel-da-roça sempre foi um coronel-da-roça, nem mau nem bom; nem justo nem injusto; visceralmente, político pela própria identificação com as origens. Não foi um dominador do meio e sim um acomodado no complexo do habitat. Surgiu com a autoridade fruto-da-terra, a ela permaneceu moldado como uma luva a uma mão para exercitar, perfeitamente, o coronelato (JAMUNDÁ, 1974, p. 122).

Não raras vezes os esquadrões da Guarda Nacional no Contestado eram formados exclusivamente pelos capatazes, camaradas, peões e agregados das propriedades dos respectivos comandantes. Piquetes civis eram mantidos em permanente forma, prontos para intervir. Assim, a faca, a pistola, a espada, a lança, o facão, a espingarda ou o mosquetão, estavam sempre à mão, mesmo quando o pessoal se dedicava às tarefas peculiares e cotidianas nas fazendas.

A Guarda Nacional foi extinta pelo presidente da República Artur da Silva Bernardes, através do Decreto nº 15.492, de 22 de maio de 1922, mas nenhum decreto conseguiu extingüir de imediato a força do Coronelismo no Contestado. Em eventos bélicos seguintes no Sul, em 1923 (nova revolta rio-grandense), em 1924 (Coluna Prestes), em 1926 (Invasão de Leonel Rocha), em 1930 (Revolução Getulista) e em 1932 (Revolta Constitucionalista), quando a Força Pública de Santa Catarina precisou organizar-se, comissionou os civis, antigos comandantes de companhias e esquadrões da Guarda Nacional, para ocuparem os postos de oficiais. Hoje, muitas cidades da região têm - e mantêm - ruas, praças e avenidas, denominadas de "Coronel fulano de tal", em homenagem ao coronelismo regional, assim perpetuando na História a falida estrutura do poder oligárquico do Século XX.

Destacando que a oligarquia Ramos era originária de Lages, em sua dissertação de Mestrado em Direito à UFSC, intitulada Poder Político e Mudança Social, Silveira Lenzi confirma que “a política no município sempre foi comandada pela família Ramos, formando clãs de parentela que desde 1850 começou (sic) a influir na vida política do município, da região e mesmo do Estado”. (1977, p. 91). Em Lages, ainda segundo este autor,

[...] até perto da década de 1950, predominava a grande propriedade rural, as fazendas, que se constituíram na única forma de exploração econômica... Nos seus dominios, o senhor rural – o oligarca, o mandonista, o coronel, o chefe político – exercia poder absoluto sobre as manifestações dos agregados e peões... sua influência ultrapassava as taipas, porteiras e invernadas, cristalizando-se nas vilas, distritos, ou na cidade, dominando o mecanismo eleitoral e o administrativo... A grande família era o pólo deste tipo de poder local (LENZI, 1977, p. 31-32. Apud: CARREIRÃO, 1990, p. 37).

Tratando do “voto-de-cabresto” ou do “voto-mercadoria”, em Coronel, Coronéis, Marcos Vinicios Vilaça e Roberto Cavalcanti de Albuquerque, passam-nos o retrato brasileiro sobre a atuação dos coronéis nas eleições, que se reproduz na História do Contestado:

Divide o coronel êle mesmo, soberanamente, a votação. Divide-a entre os seus candidatos a vereador, deputado, entregando pessoalmente a “chapa” ao eleitor, que quase sempre só utiliza a que lhe foi entregue pelo coronel, e que conserva com cuidado. Premia, na divisão, aquêles candidatos filhos ou parentes, ou os de maior estima, com as maiores e mais “seguras” votações; marca, com vários artifícios – chapas duplas ou datilografadas, combinações mais improváveis de candidatos, etc. – o voto daquele eleitor de quem duvida, ou que hesita em contar como certo, quase sempre revelando ser o “seu voto de chapa marcada”. Para conseguir seus objetivos político-eleitorais, é capaz das maiores fraudes, muitas vêzes acolhidas ou acobertadas por juízes e promotores submissos. Fraudes na inscrição de eleitores analfabetos (na ânsia de alargar a base eleitoral, o coronel faz aqui coincidir os seus interêsses com os da democratização do voto, pelo menos no aspecto quantitativo). Fraudes de coação ao eleitorado, amedrontado por capangas, pelo uso da polícia que manipula como fôrça de coação e de coerção eleitoral. Mais tarde, quando vê formar-se oposição ao seu prestígio, empiqueta as estradas nos dias de eleição, dando passagem apenas a seus eleitores; constrói “currais eleitorais” de onde os votantes saem suficientemente “municiados” com chapas e são escoltados para votar; anula urnas cuja votação se lhe afigure contrária; toma e destrói documentos eleitorais. Utiliza-se, enfim, das mais tremendas formas de fraude, usando todos os meios que pode mobilizar em favor de seus objetivos e de sua paixão política (Vilaça & Albuquerque, 1978, p. 38-39).

A Região do Contestado, agora incluindo a parte sacada do Território Contestado, do Paraná, anexada a Santa Catarina, permaneceria ainda por muitos anos atrelada ao coronelismo, pois muito devagar foi a transformação da base econômica, de exclusivamente agro-pastoril, para agro-industrial. Nosso colega de Programa de Mestrado na UnC, João Rubens Sinderski, de Mafra, na sua dissertação Repercussão do Coronelismo na Educação, na Nova República (2000), muito bem entendeu que

[...] o coronelismo irá fundamentar sua força política através de uma representatividade adquirida de uma base eleitoral. É a base eleitoral que determina o domínio territorial, sendo extenso ou não, proporcionando ao coronel o controle de um determinado número de eleitores. Deste modo, o coronel passa a ser o protetor de um “feudo”, que seria um município ou até uma região maior, e também protetor dos eleitores presentes neste “feudo”. Quanto mais distante a região dos grandes centros e da capital, maior a dependência da proteção do coronel.
O coronel acaba se destacando como figura de maior relevância no espaço social do município ou da região. Acaba sendo respeitado pela sua liderança, pela capacidade de comando, qualidades que o habilitam à chefia. [...]. Para exercer o domínio, há necessidade de haver uma estrutura de controle, já que quanto maior o número de eleitores controlados, maior o poder político adquirido. Trata-se de uma estrutura informal intimamente ligada através de indivíduos subordinados ao controle personalista de um líder social carismático. [...].
Havendo controle do eleitorado, a autoridade concentrava-se nas mãos dos coronéis. Assim, para um “bom desempenho” do coronel junto ao eleitorado, é importante manter uma “política de favores”, que só é possível devido sua privilegiada riqueza. Sem a riqueza, o poder de barganha, a negociação, estão comprometidos; ela permite a aquisição de respeito político, mas para isso, antes, precisa manifestar-se em presentes, em patrocínio político. A fortuna torna-se necessária para ocorrer a “troca” envolvida numa relação clientelista, onde prestígio e lealdade são conferidos por parte de quem encontra-se numa situação de desigualdade, por achar-se em dívida para com o coronel (SINDERSKI, 2000, p. 12-13).

O coronelismo, enquanto vigente no interior do Estado, foi um dos sustentáculos das oligarquias catarinenses. Identificou-se permanentemente com a História do Contestado enquanto existiu alguém que fosse, respeitosamente, tratado como “Coronel”. Por vincular-se essencialmente ao meio rural, dentro do mesmo espírito de dominação, o poder político do “Coronel” (da fazenda) começou a ser dividido com o do “Capitão” (da indústria), quando do advento da urbanização e industrialização no Contestado. Em seguida, o coronelismo seria substituído por uma nova forma de expressão de poder político, que deu-lhe continuidade mesmo com a ausência da figura típica do “coronel”: o neocoronelismo, instituição que manteve, nas bases eleitorais, o suporte ao sistema oligárquico.

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