sábado, 14 de fevereiro de 2009

Mudanças no Cenário Regional do Contestado

Mudanças no Cenário Regional do Contestado
Transformações Sociais – As vilas – A produção – A transição



No Centro-Oeste Catarinense, aconteceram duas frentes distintas de “entradas” de imigrantes: a primeira, iniciada ainda no final do Século XIX, adentrou pelas terras do Setor Setentrional da região do Contestado, alcançando as escarpas das serras do Espigão e da Taquara Verde, constituída por imigrantes poloneses, ucranianos, alemães e italianos, no meio rural, mais sírios-libaneses nas áreas urbanas; a segunda, começou depois de 1917, chegando ao Vale do Rio do Peixe e ao Alto Uruguai, caracterizada pela vinda de famílias italianas, alemãs e polonesas das colônias velhas do Rio Grande do Sul que, rapidamente, vizinhando com os homens “nacionais”, sobreviventes da Guerra do Contestado e agora chamados de “intrusos” pelo Governo de Santa Catarina, ocuparam as terras rurais e desenvolveram os núcleos urbanos.

Aqui, resumiremos o processo imigratório da Região do Contestado, ocorrido dentro da política de colonização, eleita para o povoamento do território anexado por Santa Catarina, fenômeno que perdurou até a II Guerra Mundial, mostrando a vida difícil dos colonos-pobres que, adquirindo terras das empresas colonizadoras, araram a terra selvagem e a fizeram produzir alimentos, e dos colonos-ricos que, nos povoados, desenvolveram a indústria, o comércio e os serviços. Desta forma, destacaremos os primeiros empreendimentos econômicos instalados na região, no decorrer das décadas de 1920 e de 1930, além daqueles voltados à extração e beneficiamento da madeira.



10.1 O Contestado e suas contradições



Aqui expomos o que se investigou sobre a História do Contestado e sobre a formação/educação do homem da região. Também expomos o que consideramos o movimento do capital, desde a abertura das redes viárias, até o conflito bélico também e principalmente causado pela construção da via ferroviária e da conseqüência impactada na população local, ou seja, a intervenção do Estado oligárquico, aliado ao capital estrangeiro, realizou uma ruptura total no que se refere à economia e à cultura.

O território livre caracterizava-se por um estado em que os homens se acham naturalmente com a liberdade de ordenar a convivência, as posses e as leis comuns. Para uma tentativa de entendimento mínimo sobre o impacto que causou a presença do capital numa região em que praticamente predominava o “estado natural” da população, era preciso entender como foi possível a propriedade privada, o mercado e o capital, sob os auspícios do Estado intervencionista, acarretar uma transformação radical na região e na população.

Buscamos em Lênin um referencial teórico que explique a situação dos caboclos na transição do território livre para a instituição do Estado com sua força militar, suas leis e suas políticas desenvolvimentistas em parceria com os monopólios estrangeiros. Parece-nos que a teoria que faça entender essa transição é a dos referenciais de esquerda. Sem entrar em discussões e debates mais aprofundados, podemos apelar a Lênin, que recorreu à História realizada pelos homens e percebeu como surgiu o Estado e como se desenvolveu. Para este autor, o Estado nem sempre existiu. Foi uma construção histórica. Houve tempo em que “o vínculo geral, a própria sociedade, a disciplina e a organização do trabalho se mantinham pela força do costume, das tradições, pelo prestígio ou pelo respeito de que gozavam os anciãos” (LÊNIN, 1980, p. 179). A seguir, o autor fala – fala, pois trata-se de uma conferência – que “[...] a história mostra que o Estado, como aparelho especial de coação, dos homens, surgiu apenas onde e quando surgiu a divisão da sociedade em classes, isto é, a divisão em grupos de homens, dos quais uns podem constantemente apropriar-se do trabalho dos outros” (LÊNIN, 1980, p. 179).

O Estado, conforme Lênin, fazia as leis, as executava e punia o não cumpridor. As leis, historicamente, eram escravistas, feudais e capitalistas. Obrigava os escravos a permanecer na escravidão; os servos na servidão; os trabalhadores subordinados aos capitalistas. Em termos simples: quando um grupo de homens sentiu-se forte e submeteu outros homens a seu serviço, havia necessidade absoluta de manter essa situação de subordinados; havia necessidade de leis e punições para que se reproduzisse o trabalho subordinado. Então, surgiu o Estado.

Retornando à nossa problemática de pesquisa, a primeira parte do estudo aborda a questão da educação escolar, que não traz maiores problemas para uma explicação da história da educação burguesa. Aborda, também, a vida, cultura e o pensar dos caboclos isolados no sertão, sob a questão de formação de homem. A explicação se dá por meio de uma vida levada em estado de quase natureza. Neste estado, existia um Estado superdesenvolvido, em fase monopolista, mas, sua ação não se fazia ainda sentir na vida dos campos e das matas. Ali, a população tinha seu próprio código de honra, de convivência e de trabalho. Ali, também, o capital e o mercado não faziam sentir sua força e dominação nas consciências e na vida do caboclo isolado.

Adiante, nosso trabalho remete a uma primeira questão: por que o grupo monopolista, após a construção da ferrovia e da instalação de potentes serrarias na região, não realizou uma plantation em suas propriedades: por que vendeu as terras para colonizadoras realizarem grandes projetos imobiliários?

A resposta de que a companhia não se deu bem ao trazer colonos estrangeiros não é argumento, porque o conflito armado interferiu profundamente neste projeto. Se abordarmos a questão da fronteira agrícola do Rio Grande do Sul encontrava-se já fechada e havia necessidade de abrir novas frentes, foi uma questão real. Mas, ainda não explica por que o grupo Farquhar desistiu de grande parte de suas propriedades. Por causa de sua iminente bancarrota? Pode ser. Mas, há outro aspecto a ser considerado e que se resume em poucas palavras.

O Sindicato Farquhar buscou recursos financeiros na Europa e na América do Norte, a fim de construir a ferrovia e instalar serrarias. Teria que buscar um segundo aporte de capital para fazer produzir uma plantation. Os acionistas, provavelmente, queriam o retorno e não investir mais capital. A forma encontrada foi a de vender as terras às colonizadoras, acumular um capital com a venda e reforçar o grupo e os acionistas com novo capital. De outro lado, o Estado tinha interesse na colonização. Esta foi a forma mais barata e mais rápida para fazer produzir as terras em mata.

Após esta explicação teórica, vamos a uma questão datada de 1850, a Lei de Terras. E como foi um ponto estratégico para a transformação da terra em mercadoria e, posteriormente, na incorporação do trabalho ao domínio da produção. A promulgação da Lei de Terras e a conseqüente transformação da terra em mercadoria, em 1850, foram uma reordenação jurídico-administrativa que deu suporte à incorporação de extensas matas à rápida produção de excedentes, via pequena propriedade de colonos.

Todo o movimento histórico do Contestado, especificamente as guerras no Contestado, tinham como pressuposto a incorporação da terra ao capital. O capital – uma vez hegemônico na região – tendo incorporado a terra (a propriedade da terra) ao movimento da sociedade capitalista, incorporou, pouco a pouco, também o trabalho assalariado. Dessa forma, cumpriu-se o movimento do capital: transformar a terra em feição de mercadoria e o trabalhador em mercadoria, em função de seu valor de troca. É o que José de Souza Martins denomina dois momentos históricos que ocorreram – os processos de expropriação e de exploração: “O quadro clássico do capitalismo nos mostra o capital se expandindo à custa da expropriação e da proletarização dos trabalhadores do campo, uma coisa produzindo necessariamente a outra” (MARTINS, 1980, p. 17).

Esse movimento de incorporação tem a ver com o Estado oligárquico brasileiro. Na Primeira República começaram a alterar “as funções e a própria estrutura do Estado Brasileiro” (IANNI, 1986, p. 25). O Estado oligárquico foi um Estado burguês, mas atuava com uma modalidade singular de organização do poder político-econômico “em termos de estruturas de dominação-subordinação” (IANNI, 1986, p. 25). Como tal, o movimento da sociedade capitalista em inícios do Século XX revela “a acentuação dos conteúdos burgueses”. Criando condições para o pleno desenvolvimento do Estado burguês, um sistema que “engloba instituições políticas e econômicas, bem como poderes e valores sociais e culturais de tipo propriamente burguês” (IANNI, 1986, p. 25).

É preciso ver que no Estado oligárquico, no Brasil, as burguesias, a agrária e a comercial, ligadas ao setor externo (exportação e importação), tinham controle exclusivo do poder político. A partir de 1930, perderam completamente o domínio do poder político federal e estadual (IANNI, 1984, p. 117). Isso significa que, a partir de 1930, ocorre o predomínio do setor industrial sobre o setor agrário. A reprodução do capitalismo passou a ser governada pela reprodução do capital industrial (IANNI, 1984, p. 117).

O estado oligárquico, vigente durante a Primeira República, em 1889-1930, é todo ele marcado pelo arbítrio dos governantes contra setores populares que se organizavam para reduzir a exploração; ou lutavam para avançar em conquistas democráticas. Muitos padeciam a violência oligárquica, sob a forma estatal e privada: os seguidores de Antônio Conselheiro, em Canudos; os seguidores de João Maria, no Contestado; colonos nas fazendas de café, quando realizavam greves protestando contra as condições de trabalho e remuneração; operários nas fábricas e oficinas, por ocasião de assembléias e greves; seringueiros na Amazônia, quando tentavam escapar das malhas da escravização organizada no sistema de aviamento; populares do Rio de Janeiro, em 1904, quando protestavam contra a vacinação obrigatória (IANNI, 1984, p. 14).

Na política iniciada por Campos Salles (1898-1902), seguindo à abolição da escravatura e à queda da Monarquia, organiza-se um novo bloco agrário, representado no Estado oligárquico que predominou durante a Primeira República: “Tratava-se de entregar cada Estado federado, como fazenda particular, à oligarquia regional que o dominasse, de forma a que esta, satisfeita em suas solicitações, ficasse com a tarefa de solucionar os problemas desses Estados, inclusive pela dominação, com a força, de quaisquer manifestações de resistência” (SODRÉ, 1962, p. 306).

É no final do século XIX e começo do século XX, na presidência de Campos Sales, que se inaugura a política dos governadores, mediante a qual a sustentação da presidência da República e, reciprocamente, dos governadores, se dava com base num sistema de trocas de favores políticos. Os governadores, por sua vez, operavam dentro do mesmo esquema através de um sistema de trocas com os chefes políticos do interior, os coronéis (MARTINS, 1981, p. 46).

Geralmente, entre o presidente ou o chefe estadual e a massa votante se interpunham os coronéis e então tinha ele de se entregar a um trabalho muito habilidoso com o fim de harmonizar e coordenar as diferentes correntes e influências de modo a se manter no poder. Este resultado era conseguido por meio de um pacto tácito: o governo não se metia no município onde o coronel tinha carta branca para fazer o que quisesse, e em troco recebia o apoio do coronel (QUEIROZ, 1986, p. 118).

A “política dos governadores”, que se impôs a Campos Sales, se acomodava na realidade existente, a do grupo municipal, que tinha por fulcro o coronel.

Era, em escala federal, a mesma combinação existente no plano estadual, entre os presidentes de estado e os coronéis: dá-me teu apoio e terás carta branca. Mas era também a única combinação capaz de manter a estabilidade de uma República, construída sobre a base precária e instável dos interesses particulares e das lutas municipais (QUEIROZ, 1986, p. 122-123).



10.2 Aspectos da imigração e colonização



A seguir, abordaremos alguns aspectos, dentre aqueles mais marcantes, dos primeiros momentos da imigração e da fase inicial do povoamento do Contestado pelas famílias egressas do Rio Grande do Sul.


10.1.1 Abertura de estradas

As empresas colonizadoras receberam do governo catarinense autorização para comercializarem as terras com o comprometimento da abertura de estradas rodoviárias que ligassem as sedes das colônias aos núcleos coloniais, tudo conforme o projeto de ocupação e povoamento de cada gleba contratada. Para cumprir a exigência, nas áreas mais afastadas, os colonizadores contratavam os primeiros compradores de terras, cedendo-lhes os próprios lotes em pagamento. “Não raro, os vendedores das terras prometiam abrir estradas que dessem acesso aos lotes rurais, porém, em geral, depois de receberem o pagamento, a promessa não se cumpria e os compradores se viam na contingência de construírem as próprias estradas. Alguns trabalhadores, em retribuição aos serviços prestados, recebiam terra dos proprietários em troca do pagamento” (ORO, p. 22).

As estradas eram abertas manualmente, à base da foice, machado, enxada, pá e picareta, atravessando as matas, geralmente com a largura de quatro metros no leito, ladeadas por desmatamentos de oito metros em cada lado, não podendo ter aclividade superior a 8%.

Isto era um trabalho muito pesado. Começava-se de manhã às seis horas e terminava-se à tarde depois das dezoito horas. Os trabalhadores faziam três refeições: pela manhã, antes de começar e à noite, depois de parar o trabalho. Ao meio-dia, fazia-se um pequeno intervalo para o almoço. A comida era sempre a mesma: feijão preto com charque e arroz acompanhado de café preto. Dormia-se em ranchos que eram erguidos precariamente à beira da estrada. Como não havia máquinas ainda, todos os trabalhos eram realizados com pás, enxadões e picaretas. Às vezes utilizava-se também machado e foice de roçar. Um bom trabalhador ganhava, por dia, 6$000 (seis mil réis), além da comida (SCHREINER, 1996, p. 60).

Foi desta forma que as terras do Contestado foram rasgadas por estradas rodoviárias. Afora aquelas que se tornaram importantes vias de ligação entre os povoados e foram transformadas em rodovias, as demais, existentes nas zonas rurais de todos os municípios da região, mantêm, praticamente, o traçado original.


As construções

Nas terras adquiridas, os recém-chegados, primeiro, construíam um pequeno galpão, com telhado tipo meia-água, provisoriamente coberto de palha e de folhas, para servir de paiol de milho. Enquanto esperavam a construção da moradia familiar, no galpão, faziam as camas, que consistiam em quatro estacas fincadas no chão e nas quais estavam fixadas as travessas. Em cima destas, eram deitadas várias varas de taquara e, por cima, uma grossa camada de folhagem de taquara seca que servia de colchão, ou então, dormiam em cima de grossos sacos de palhas de milho.

As casas, pequenas, eram retangulares, como os imigrantes já haviam adquirido experiência em fazer nas colônias rio-grandenses. Obtinha-se o retângulo reto, fazendo-se um triângulo com três pedaços de linhas, emendadas, sendo uma de três metros, a segunda de quatro e, a terceira, de cinco metros. Nos quatro pontos extremos marcados, cavava-se o chão e, nas covas, colocavam-se os cepos e, então, sobre eles, vinha toda a madeira, tanto da estrutura das paredes, como do assoalho e, depois, a cobertura, pois a casa era coberta com tabuinhas. “As construções, dada a grande quantidade de madeira, eram edificadas de pinho. A madeira, tanto as tábuas como as vigas, caibros e barrotes, eram serrados a mão com enorme sacrifício e desgaste físico” (ORO, p. 24). O tamanho era suficiente para abrigar cozinha, sala e quartos de dormir e, na maioria das casas, a varanda. Mais tarde, obtendo sucesso na nova vida, o imigrante construía outra casa, maior e adequada à sua cultura arquitetônica.

Pouco distante da casa, era cavado um buraco, que seria a fossa da instalação sanitária, conhecida como “latrina”, “patente” ou “casinha”, uma construção de madeira por cima da fossa, para uso individual. Também se fazia o forno de pão, construído com tijolos de barro amassado e seco, em formas de madeira e pacientemente assentados; o forno era queimado por dentro, com uma fogueira, durante várias horas e, por fora, secava ao sol. Mais longe, erguia-se um pequeno galinheiro, com tábuas lascadas de pinho. Os colonos com mais recursos construíam, ainda, a estrebaria e o chiqueiro. Possuindo animais, depois dos cercados para as criações, a próxima construção era a casinha de defumação de carnes. Ao mesmo tempo, um pedaço do terreno era preparado para receber as hortaliças.

Quando não havia água corrente nas proximidades, a água potável era buscada no sub-solo, preferencialmente junto às encostas de morros, identificando-se os veios com o emprego da “forquilha”, pelo qual se podia até saber sua profundidade. Cavavam-se profundos poços circulares até chegar às veias d’água que, no fundo, formavam reservatórios, sendo extraída em baldes içados por correntes ou cordas, com o emprego de manivela.


Preparo da Terra

Os imigrantes egressos das colônias velhas e novas gaúchas, que vieram ao antigo Território Contestado, valorizavam a terra e, por isso, aqueles que eram agricultores, muitas vezes, lançavam-se ao preparo das áreas destinadas aos plantios, antes mesmo de erguerem suas construções. Escolhida a área, o trabalho começava com a roçada dos arbustos maiores e seguia com o corte das árvores de maior porte. O fogo era a solução mais rápida para preparar o terreno a ser cultivado. Livre de ervas daninhas, em um dia de trabalho, com o terreno limpo, podia-se plantar uma quarta de semente de milho com plantadeira manual em roça de cerca de 7 mil metros quadrados, mas, no terreno de queimada, atulhado de troncos, a tarefa era mais fácil quando executada com bastão de madeira, com ponta de ferro, para fazer as covas.

Todo colono sabia da importância da rotatividade dos cultivos no uso do solo, pois, naquele tempo, não havia corretivos (calcáreo) e adubos químicos. Por isso, o solo recebia primeiro as sementes de trigo, cultura que exigia terra ‘forte’, instituindo- se a seguir a rotatividade com o milho e o feijão. Depois, introduziam-se o centeio, a cevada e a mandioca.



10.3 Bases do desenvolvimento econômico regional



As empresas colonizadoras, na maioria organizadas no Rio Grande do Sul durante o transcurso da década de 1920, tinham, como público-alvo dos seus propósitos, as milhares de famílias de colonos que eram despertadas para a possibilidade de adquirirem áreas de terras maiores do que aquelas que ocupavam em solo rio-grandense, por preços bem mais baixos e, sem dúvidas, aguçadas pelo espírito aventureiro da mudança que lhes viabilizaria fincar raízes numa outra terra, em desbravamento, onde tudo estava por se fazer, na promessa de novos tempos para seus filhos.

Com os traços europeus dos italianos, alemães, poloneses e ucranianos, outros agricultores, que vinham ocupando terras no Sul no Paraná e no Nordeste de Santa Catarina, ali instalados pelo Poder Público e por empresas particulares, igualmente atraídos pela propaganda das colonizadoras, também enxergavam o auspício de vida mais promissora nas colônias em implantação no Planalto Norte, no Vale do Rio do Peixe e no Alto Uruguai.

Enquanto que, na zona colonial do Rio Grande do Sul, caracteristicamente minifundiária e policultora, onde o valor de um colono era medido pelo volume da produção que ele tirava da terra e não pelo sobrenome ou pela dimensão da sua propriedade, no Contestado ainda reinava o consenso da ótica latifundiária e monocultora, pela qual se media a importância de uma pessoa pelo número de alqueires do seu imóvel ou pela patente na Guarda Nacional. Por isso, se num primeiro momento, um lote colonial, de 25 hectares (quase um alqueire), era considerado grande demais para apenas uma família agricultora, logo depois se mostraria pequeno diante do fenômeno da rápida multiplicação da prole, ao repetir-se, aqui, a acelerada expansão do grupo familiar, motivada pela necessidade de cada vez mais braços para a lavoura.

No Centro-Oeste Catarinense, as condições geo-morfológicas microrregionais diferenciam os tipos de terrenos e sua utilização para cultivos. Os do Planalto Norte, abrangendo os vales dos rios Negro e Iguaçu e os vales de seus principais afluentes, apresentam-se mais planos e férteis, proporcionando melhor rendimento do solo. A Sudoeste, mantendo relativas semelhanças, os rios tributários da Bacia do Uruguai salientam os relevos do Vale do Rio do Peixe e do Alto Uruguai, reduzindo sensivelmente o aproveitamento dos lotes. Neste último setor, os colonos se alojavam, em geral, em vales cujas encostas íngremes, aqui e acolá suavizadas por patamares, exigem imenso esforço para o tamanho da terra. As declividades acentuadas dificultam, inclusive, a manutenção de animais de tração nas propriedades, devido à exigüidade de superfícies adequadas ao apascentamento. Os vales do Planalto, a par da relativa uniformidade dos níveis das superfícies superiores, estão profundamente encravados. Apresentam mínimas extensões de “terraços e várzeas”, isto é, de superfícies mais planas de acumulação aluvionar, como as existentes em bacias do Leste Catarinense (LAGO, 1988, p. 289).

Neste ponto da História, recordamos que, imediatamente após a anexação do Contestado-Paranaense ao Estado de Santa Catarina, a partir de 1918, o Governo de Hercílio Luz tomou as primeiras providências para conceder a empreendimentos colonizadores particulares, a troco das abertura de estradas, o direito de lotear as terras que considerava devolutas, portanto, de propriedade do Estado, mesmo enquanto disputava com a Brazil Railway Company, na Justiça, os direitos sobre boa parte destas mesmas glebas, por ações que tramitaram até 1924. As questões fundiárias, que se arrastavam nos tribunais, inibiram o povoamento uniforme de todo o Contestado, uma vez que algumas áreas foram abertas à colonização antes de outras. Assim, já a partir de 1921, à medida em que as soluções jurídicas davam ganho de causa ao grupo norte-americano, este se mobilizava-se para dar início à colonização, sem esperar que o Estado legitimasse os títulos, com o que viabilizou o ingresso dos imigrantes já na primeira metade da década de 1920.

As vilas que se formavam junto às estações ferroviárias e os pequenos povoados abertos em clareiras na mata, nas proximidades dos escritórios avançados das companhias colonizadoras, atraíam o imigrante voltado para as atividades de natureza mais urbana, como da indústria, do comércio e dos serviços. Porém, os lotes, ditos “coloniais”, eram o endereço certo para a grande maioria, vocacionada para a agricultura e esperançosa em produzir rapidamente o necessário para seu sustento, bem como alguns excedentes que possibilitariam ao colono a aquisição de bens de capital e de consumo que ele não produzia.




10.4 Agricultura



A chegada dos agricultores imigrantes ao Alto Uruguai e ao Vale do Rio do Peixe, na maioria ítalo-brasileiros e teuto-brasileiros, assim descendentes de europeus egressos das colônias velhas rio-grandenses, mais os que vinham da Europa (alemães, italianos e poloneses) e os originários do Paraná e do Nordeste Catarinense, que se dirigiam ao Planalto Norte e Alto Rio do Peixe, nesta área incluindo-se os ucranianos e russos-alemães, adicionados aos primitivos caboclos que se prestavam para plantios, fizeram com que a Região do Contestado adentrasse a década de 1930 já como importante zona de produção agrícola.

Em toda a Região do Contestado, mesmo nas áreas destinadas à colonização, o maior impasse ao estabelecimento de colonos eram os densos pinhais que ocupavam o solo. Se isso foi fator de impedimento para os loteamentos minifundiários destinados à agricultura, por outro lado, os pinheiros chamaram a atenção dos proprietários das colonizadoras e de rio-grandenses e paranaenses mais abastados que, empreendedores por natureza, previram a expectativa da fortuna pela instalação da indústria madeireira.

No Planalto Norte, de colonização alemã, polonesa e ucraniana mais antiga, os principais produtos cultivados no início do Século XX, eram: aveia, centeio, cevada, fumo, alfafa, melancia, abóbora, milho, trigo, batata-doce, batata inglesa, mandioca, amendoim, arroz em casca, ervilha, feijão, lentilha, alho e cebola, além das hortaliças e das frutíferas, como laranja, limão e tangerina. Compondo a História do Paraná, em 1920, Manoel Francisco Correia anotou que “lavrador nacional planta milho, feijão, mandioca, arroz, batata doce e abóboras; o italiano, vinha, milho e hortaliças, principalmente; o polaco, centeio, fagópiro, linho, trigo e cevada; o alemão, centeio, batata inglesa, frutas e hortaliças, de preferência a outras culturas” (Apud RIOSENBERG, 1969, p. 108).

Pouco mais de dez anos depois da abertura das frentes de povoamento, os colonos que se instalaram no Vale do Rio do Peixe despontaram pela produção de: arroz em casca, linho, aveia, centeio, cevada, fumo, alfafa, melancia, abóbora, milho, trigo, batata-doce, batata inglesa, mandioca, amendoim, ervilha, feijão, lentilha, alho e cebola, além das hortaliças e das frutíferas, como uva, figo, maçã, pêra, laranja, limão, caqui e tangerina.

No Alto Uruguai, a produção agrícola inicial foi marcada com os cultivos de: milho, feijão, trigo, arroz em casca, batata-doce, batata-inglesa, mandioca, laranja, lentilha, cana-de-açúcar, alfafa, amendoim, além das hortaliças e das frutíferas, como laranja, limão, tangerina, bergamota e banana.

Praticamente estes mesmos produtos eram cultivados em Campos Novos e em Curitibanos, só que em menor escala, considerando que boa parte de seus territórios era coberta por pastagens naturais (como eram os Campos de Lages) e, nestes municípios, em latifúndios, os fazendeiros dedicavam-se bastante à criação de gado bovino.




10.5 Da pecuárias à agro-indústria



A pecuária era a mais antiga atividade rural produtiva da Região do Contestado, iniciada ainda quando da instalação das primeiras fazendas de criação de gado, competindo em importância apenas com a erva-mate e com o tropeirismo. Dos nativos porcos-do-mato e dos introduzidos porcos “Macau”, tratados a pinhão e milho, o homem do Contestado Primitivo retirava apenas a carne e a banha necessárias para seu sustento.

Sobre a produção de derivados de carne bovina e da banha suína, em Nhá Marica, Minha Avó (1969), Alvir Riesemberg lembra que, no Planalto Norte, onde a presença da colonização alemã vinha desde 1829, foi sensível a influência germânica, fato que ocorreria também nas primeiras colônias alemãs do Rio Grande do Sul, que começaram a surgir na mesma época.

Um setor da nossa alimentação que sofreu sensivelmente a influência alemã foi o das carnes, não só no modo de prepará-las, mas ainda quanto à sua conservação. A salsicharia quase tôda desenvolveu-se sob o influxo do imigrante alemão, a que se viria juntar mais tarde o do colono italiano. As salsichas do tipo de Viena e de Frankfurt, os chouriços de fígado e de sangue, as pastas de carne, a que os alemães davam, respectivamente, os nomes wienerwurst, loeberwurst, blutwurst, schmierwurst, assim como as linguiças e vários tipos de salames, tão comuns no Paraná, foram formas novas de preparar e conservar a carne curitibana, permitindo aumentar o rendimento das rêses. Temos a impressão de que a própria conservação da banha foi contribuição alemã aos usos do planalto. Ao menos no interior do estado, até tempo bem próximo, a gordura do porco era conservada sob a forma de toucinho, sobre fumeiros, sendo derretida no momento em que devia ser empregada. Era o costume português (RIESEMBERG, 1969, p. 109).

Nos primeiros anos do Século XX, além dos bovinos indispensáveis para a tração e para a ordenha, foram introduzidas novas espécies de suínos, muares, eqüinos, ovinos, caprinos e aves que, devagar, formaram os grandes rebanhos regionais, ainda utilizados conforme as necessidades dos criadores. Entretanto, na leitura dos relatórios dos censos do IBGE e em publicações avulsas, constatamos que, em volume e em renda, a pecuária bovina começou a perder força no cômputo regional, na medida em que as criações de suínos e outras atividades ocupavam a população e, já em 1940, dividia espaço com a agricultura e a indústria da madeira, praticamente em igualdade de condições.

Criar porcos, soltos, naquele tempo, era uma atividade alternativa que dava sustentação, não só aos fazendeiros e aos caboclos primitivos, como também aos primeiros colonos que chegavam à região e precisavam ocupar-se de outros afazeres além da lida com os suínos. Sobre a criação de porcos “baguás”, soltos nas matas, ouvindo antigos criadores do Sudoeste do Paraná, Ruy Wachowicz explica o processo, o mesmo que era utilizado no Meio-Oeste Catarinense:

Inicialmente, a quantidade de pinheiros no sudoeste era tão grande que quando chegava o inverno, as pinhas se soltavam e forravam o chão de pinhão, ficava até avermelhado em baixo das matas. Não era portanto de se admirar que no inverno o pinhão tornava-se o principal alimento dos porcos. Nesse sistema de criação, que os caboclos chamavam de porco alçado ou de porco plantado, o único trato que os animais recebiam era o sal. Os caboclos que tinham um pouco mais de capricho, construíam um mangueirão. À tardinha, jogavam um pouco de milho no mangueirão, o que atraía os porcos. Passavam a noite no local. De manhã, no dia seguinte, jogavam um pouco de milho fora do mangueirão fazendo com que os animais saíssem e ali no mato passavam o dia. [...]. Outros ainda, quando à tardinha jogavam milho para chamar os porcos para o pernoite, tocavam uma buzina, desenvolvendo nos animais um sistema de reflexos. Todos então corriam para o mangueirão (WACHOWICZ, 1985, p. 90).

Outro sistema de “engorda” dos porcos, largamente utilizada no Contestado, era o da “safra” anual. Os caboclos queimavam uma porção de mato, onde plantavam milho e, no ano seguinte, depois do “tempo do pinhão”, reuniam e conduziam os animais para o interior da roça, para engordarem e comer sal. Os porcos gordos maiores, depois de recolhidos pelos “safristas”, eram conduzidos até os compradores, instalados, geralmente, junto às vilas e cidades da região.

Num primeiro momento da História, as “tropeadas” de porcos xucros, criados soltos nas matas, eram feitas “a pé” pelos tropeiros, desde as origens até os mercadores ou os abatedouros do Rio Grande do Sul, do Paraná, de Santa Catarina e, até de São Paulo. A partir de 1911, abertas as estações ferroviárias, as conduções das criações passaram a utilizar os vagões da estrada-de-ferro, até que, com o advento das estradas rodoviárias, o caminhão transformou-se no principal meio de transporte.

A época era auspiciosa para o chamado “porco-tipo-banha” e, conseqüentemente, para as variedades rústicas existentes no Brasil, introduzidas pelos portugueses, em geral oriundas do continente africano. O porco “Macau” era uma delas, largamente utilizado nas colônias. Os óleos vegetais, à exceção do azeite de oliva, importado, eram praticamente inexistentes na cozinha dos brasileiros. Usavam-se, em geral, produtos diversos de plantas e semente oleaginosas em locais restritos, como o azeite de dendê no litoral do Nordeste, onde concentravam-se grandes estoques de descendência africana. A banha, enfim, era um produto de valor, inclusive para conservar alimentos nas áreas rurais e nas periferias urbanas (LAGO, 1988, p. 289).

As lavouras de milho plantadas pelos primeiros colonos na Região do Contestado viabilizaram o desenvolvimento sustentado da agro-pecuária a partir da suinocultura, agora tratada com o cereal, esta que, por sua vez, viabilizou a configuração do eixo agro-industrial no Centro-Oeste Catarinense, pela instalação das primeiras unidades frigoríficas de carnes suínas. Abastecendo-se nas pequenas propriedades rurais, as agro-indústrias desenvolver-se-iam paralelamente ao crescimento da agricultura e da suinocultura. “O binômio milho/porco era, pois, o caminho, embora estreito, para a viabilização da empresa colonizadora dos vales do Planalto, uma saída para evitar, em relação aos pequenos proprietários fundiários, a amarga perspectiva da prisão caboclizadora, legado da economia de subsistência”, expõe Lago (1988, p. 289).

A instalação de recém-chegados do Rio Grande do Sul ao Alto Uruguai e ao Vale do Rio do Peixe, a partir da década de 1920, nos povoados das colônias, nas vilas distritais e nas cidades-sedes de municípios, provocou, gradativamente, a abertura de estabelecimentos voltados à industrialização da riqueza animal, mais do que no Planalto Norte e no Planalto de Campos. As primeiras propriedades rurais minifundiárias da região caracterizavam-se por conter, simultaneamente, as lavouras, o potreiro e a estrebaria, o chiqueiro e o galinheiro.

Complementando a produção das lavouras e das criações, também já era substancial a produção, nas pequenas propriedades rurais, de leite in natura, ovos, mel e cera de abelhas silvestres, carnes de aves (galinhas) e de ovelhas, e sabões à base de gorduras. Entretanto, esta produção destinava-se mais para o consumo interno, com vendas a terceiros apenas dos excedentes. Junto às estações ferroviárias, estabeleceram-se mercadores que adquiriam os produtos dos colonos e os remetiam, através do trem, para os mercados consumidores.

As atividades da pecuária foram as propulsoras da formação da indústria de alimentos à base da produção animal na Região do Contestado já a partir da década de 1930, quando os municípios começaram a se destacar pela industrialização de carnes de bovinos e de suínos, principalmente, mesmo em caráter artesanal. Os principais produtos fabricados antes da entrada em operação de frigoríficos voltados às carnes refrigeradas e congeladas, eram: banha de porco, lingüiças e salsichas não enlatadas, presuntos, toucinhos salgados, salames, charque, queijos e manteiga.

Não podemos esquecer que a agro-indústria, calcada na riqueza animal, instalada na “Zona Colonial do Rio do Peixe” ou “do Meio-Oeste” (como o IBGE classificava o Alto Uruguai e o Vale do Rio do Peixe juntos), não surgiu aqui por acaso. Nas colônias velhas rio-grandenses, tanto alemãs, como italianas, na época inicial da colonização do Contestado, já proliferavam os frigoríficos instalados em cidades, vilas e povoados, dedicados à industrialização dos excedentes das propriedades rurais e concorrendo em importância com as vinícolas, os moinhos e os curtumes. Eram conhecidos, nos anos da década de 1920, o “salami”, a “mortadelle”, o “lombi” o “prosciutti”, o “ossocolli”, o “strutto”, a “carne affumicatta”.

Com a multiplicação de rebanhos suínos, alguns empreendedores lançaram-se à criação de estabelecimentos destinados à industrialização dos produtos agro-pecuários aqui mesmo, no então sonho de abrir mercados para a produção regional de produtos acabados. Várias foram as “fábricas” dessa natureza, algumas que sucumbiram por motivos variados, e outras que, não apenas sobreviveram, como progrediram.

Se o milho não faltava, muito menos os alimentos suplementares, também ricos em carboidratos, como a mandioca, a batatinha, a abóbora, que não encontravam mercados compradores. A idéia de converter o máximo de produtos agrícolas em carne suína formigava na cabeça de muitos empresários e colonos.

O passo seguinte a ser dado: criar indústrias de alimentos concentrando, pois, em espaços urbanos, tecnologias que eram, em parte, dominadas pelas famílias de colonos italianos e alemães, tradicionalmente apreciadores da carne de porco e de uma constelação de produtos e derivados. A rede de suprimento de matéria-prima industrial estava disponível e a qualidade da mão-de-obra industrial era indiscutível e abundante (LAGO, op. cit., p. 291).

Surgiram no Oeste e no Vale do Rio do Peixe os primeiros frigoríficos, os quais foram antecipados pelos moinhos e serrarias madeireiras. A indústria alimentar catarinense nos anos futuros terá nos estabelecimentos processadores da banha e carnes suínas um dos principais componentes da agroindústria e mesmo do setor industrial em geral (CUNHA, 1982, p. 158).




10.6 Indústria



Em 1940, a Região do Contestado apresentava-se representada pelos municípios de Mafra, Itaiópolis, Canoinhas e Porto União (no Planalto Norte), Curitibanos e Campos Novos (no Planalto Serrano Central), Caçador e Cruzeiro (no Vale do Rio do Peixe) e Concórdia (no Alto Uruguai). O processo de colonização, iniciado há cerca de vinte anos antes, estava em adiantado estágio e estes municípios, além de abrigarem as respectivas sedes municipais, contemplavam a existência de dezenas de distritos, formados a partir dos núcleos coloniais pioneiros.

Se o grande número de imigrados, que povoavam as zonas do Alto Uruguai e do Vale do Rio do Peixe, eram oriundos do Rio Grande do Sul, no Planalto Norte a imigração registrava muitas pessoas vindas das colônias do Paraná e do Nordeste de Santa Catarina. Já a região de campos, estruturada em latifúndios, voltados à criação de gado bovino, quase não recebia imigrantes, com exceção da zona ocidental de Campos Novos, margeada pelo Rio do Peixe.

Ao contrário da primeira impressão que se tem, quando se fala de “colonização”, uma boa parcela dos imigrantes não eram “colonos”, ou seja, agricultores, e sim, profissionais liberais, como médicos, advogados, farmacêuticos e engenheiros, mais praticantes de diversos “ofícios” (ou profissões da área dos serviços), comerciantes lojistas, hoteleiros e pequenos industriais. Os povoados, as vilas e as cidades cresciam na medida em que a nova população se instalava e seus estabelecimentos econômicos prosperavam, geralmente dispondo de produtivas “linhas coloniais”.

No início, para suprir suas necessidades, além do aproveitamento da primitiva produção, destinada para consumo próprio, o Alto Uruguai e o Vale do Rio do Peixe abasteciam-se de produtos que vinham de trem, de São Paulo, do Paraná e do Rio Grande do Sul, ou, via rodoviária, das cidades do Norte e Noroeste do Rio Grande do Sul, atravessando o leito do Rio Uruguai. Com o passar dos anos, imigrantes italianos, alemães e poloneses (que constituíam a maioria), ao lado de alguns caboclos, mais evoluídos, começaram a montar estabelecimentos voltados à indústria de transformação e de serviços acessórios à indústria.

Foi na década de 1930, que começaram a surgir os primeiros estabelecimentos da ainda incipiente indústria de transformação, ou “indústria fabril”, como era chamada, praticamente a partir da produção colonial regional. Estes revelavam-se geralmente como moinhos coloniais (de cereais), torrefações de café, fábricas de vinhos, cervejas, gasosas e licores, charqueadas, frigoríficos e fábricas de banha e lingüiças, olarias para a fabricação de telhas e tijolos de barro, curtumes, fábricas de queijos e manteigas, fábricas de carroças, de correias, de cola, de ladrilhos e panificadoras. Imigrantes mais abastados desenvolviam também, de forma associada e complementar, atividades de comércio, varejista e atacadista, assim sugerindo aglomerados que, mais tarde, avançariam em movimento e se transformariam em notáveis empreendimentos.

Rapidamente, a produção agrícola regional começou a ser beneficiada. Da Produção animal, faziam-se: banha de porco, cera de abelha, couros secos e salgados de bovinos, charque, lã, leite, manteiga, mel de abelha, ovos, peles de caprinos, requeijões, sebo, solas, toucinhos, chouriços, lingüiças e salames e, ainda, eram aproveitadas as crinas, penas e plumas. Da produção agrícola, além de bebidas, vinagres, faziam-se: fumos em cordas e rolos, polvilhos, farinhas de centeio, de mandioca, de milho e de trigo. Lembramos a erva-mate, que se constituía num dos principais produtos regionais, tanto para consumo local como para exportação, que era preparada em engenhos caseiros e semi-industriais.




10.6.1 Indústria madeireira



O “ofício de serrar árvores” de ontem – a “indústria da madeira” de hoje – já estava presente na Região do Contestado no final do Século XIX, representado por alguns engenhos-de-serra, rudimentares aparelhos movidos a água que, instalados em fazendas, produziam melhores peças do que as vigas, tábuas, ripas e tabuinhas até então obtidas manualmente por simples clivagem. O processamento de madeiras em larga escala iniciou-se, aqui, com a introdução da Southern Brazil Lumber and Colonization Company, em Calmon (1908) e, imediatamente a seguir, em Três Barras (1912), com o acionamento das serras movidas a vapor.

Com os planos de colonização da Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, a contar de 1917, começaram a chegar à região cada vez mais levas de imigrantes e, com eles, os primeiros empresários da indústria, apostando no lucro com a extração e serra das exuberantes árvores que formavam o complexo da cobertura vegetal da Floresta da Araucária. Como a atividade só era viável onde houvesse meios de transporte para o pronto escoamento da produção de madeiras, na década de 1920, as primeiras serrarias localizaram-se no interior dos pinhais e o mais próximo possível das estações ferroviárias.

No decorrer dos anos de 1930-1950, a indústria madeireira expandiu-se vertiginosamente, constituindo a principal atividade econômica do Alto Vale do Rio do Peixe e do Planalto Norte Catarinense. Foi o tempo em que Caçador ficou conhecida como “Capital da Madeira” e em que a Rede de Viação Paraná-Santa Catarina - RVSPSC, autarquia federal resultante da encampação e transformação da antiga EFSPRG, obtinha desta atividade mais de 80% das suas receitas com o transporte de cargas na região, onde as estações de Caçador, Canoinhas e Três Barras destacavam-se nos volumes de embarques de madeira serrada.

Na medida em que mais e mais imigrantes chegavam ao Contestado, a par da produção agrícola e pecuária, outras atividades industriais também despontaram nos núcleos coloniais, nas vilas e nas cidades, principalmente no Médio e Baixo Vale do Rio do Peixe, no Alto Uruguai e no Vale do Iguaçu, como os gêneros industriais de alimentos e de bebidas. Entretanto, a industrialização da madeira bruta manteve a primazia em importância econômica na região, adicionada pela indústria do beneficiamento, até entrar em declínio, a partir dos anos de 1960 em algumas áreas e, de 1970 em outras.

Ainda alguns anos antes de iniciar o declínio da produção nos eixos tradicionais, pelo esgotamento das reservas naturais de pinheiros, houve incremento na produção madeireira nos Campos de Curitibanos, área de extração e serra de pinheiros favorecida pela introdução dos caminhões e pelos melhoramentos nas vias rodoviárias que a ligavam aos portos marítimos e aos principais centros consumidores do País.

A desenfreada corrida às milhões de araucárias, às imbuias, aos cedros e às canelas, desde 1920, sem as mínimas intenções de reposição arbórea, fez com que, entre 1980 e 1990, praticamente se encerrasse o ciclo produtivo de madeiras à base do pinho brasileiro em toda a Região do Contestado, onde somente sobreviveram os empreendimentos que, diante da escassez de matéria-prima, em tempo hábil, providenciaram reflorestamentos, utilizando espécies exóticas, bem como aqueles que partiram para a agregação de valores, abrindo o leque produtivo para a fabricação de pasta mecânica, celulose, papel, papelão, móveis, esquadrias, assoalhos, forros, palitos, cabos, caixas e outros derivados.



10.7 Comércio e Serviços



As atividades econômicas genericamente enquadradas como “comerciais”, no final da década dos anos de 1930, dividiam-se em: casas de secos e molhados, casas de gêneros alimentícios, casas de fazendas e armarinhos, relojoarias e joalherias, farmácias, bar e bilhares, botequins, sorveterias, papelarias e livrarias, açougues, agências de automóveis, bicicletas e motocicletas e ateliers fotográficos.

No setor lojista, havia o destaque para os mercadores e mascates, muito representados pelos “turcos”, como eram chamados os imigrantes sírio-libaneses que, adentrando pelos trens da estrada-de-ferro, traziam mercadorias de São Paulo, Ponta Grossa e Curitiba, principalmente, para vender nas comunidades. Ainda no final da década dos anos de 1920, alguns destes descendentes de árabes instalaram-se com lojas (que vendiam de tudo um pouco) próprias nas cidades da região, como em Mafra, Canoinhas, Porto União e Caçador, constituindo-se nos seus principais comerciantes. A conhecida “colônia árabe” também atraiu “patrícios” que, a partir da década de 1930, investiram em estabelecimentos industriais e de serviços.

Dentro da área dos “serviços”, enquadravam-se: transporte rodoviário de cargas e de passageiros, caixeiros despachantes, hotéis, dormitórios, pensões, selarias, restaurantes, agências e correspondentes bancários, oficinas mecânicas, sapatarias, funilarias, ferrarias, alfaiatarias, barbearias, tinturarias e lavanderias.



10.8 População


Cada município evoluiu, no decorrer do tempo, de acordo com seus próprios fatores sociais, culturais, políticos e econômicos, que marcaram o desenvolvimento interno.

No período de 30 anos, compreendido entre 1920 e 1950, enquanto o Estado de Santa Catarina apresentou um crescimento populacional de 135%, passando de 668.791 para 1.562.862 habitantes, na Região do Contestado o aumento populacional foi de 320%, ou seja, quase 2,5 vezes superior, saltando de 93.328 (em sete municípios) para 390.373 habitantes, distribuídos em 15 municípios. Este fenômeno temporal explica-se pela coincidência entre a redução da imigração européia nas colônias da Serra-Abaixo e o período do auge da colonização por rio-grandenses em alguns dos municípios na Região do Contestado.

Na década de 1940, a região apresentava-se dividida em quatro zonas fisiográficas: a denominada de “Campos de Curitibanos”, reunia Curitibanos e Campos Novos, com 15,97% da população; a do “Rio do Peixe” compreendia Caçador, Videira, Tangará, Joaçaba, Herval d’Oeste, Capinzal e Piratuba, reunindo 40,67% dos habitantes da região; a do “Alto Uruguai” compreendia apenas Concórdia, com 12,30%; e a do “Planalto Norte” reunia Mafra, Itaiópolis, Papanduva, Canoinhas e Porto União, com 31,06% da população.

O maior índice de crescimento populacional entre 1920 e 1950 foi, portanto, nos municípios criados ao longo das margens do Rio do Peixe, que saíram praticamente de zero na Guerra do Contestado, registrando 13.335 habitantes em 1920 e 158.786 em 1950.

Panorama da População dos Municípios da Região do Contestado
com base nos dados do Recenseamento Geral de 1920 e 1950

Município População População
da Região em 1920 em 1950

Curitibanos 12.673 32.597
Campos Novos 16.938 29.731
Canoinhas 20.801 36.594
Mafra 10.845 25.472
Porto União 12.068 24.601
Itaiópolis 6.668 18.616
Joaçaba 13.335 48.299
Concórdia - 48.014
Caçador - 23.723
Videira - 23.625
Capinzal - 13.935
Tangará - 13.359
Piratuba - 12.620
Papanduva - 15.962
Herval d’Oeste - 7.263
TOTAL 93.328 390.373
TOTAL SC 668.791 1.562.862

Fontes: IBGE, Recenseamento Geral de 1920 e de 1950, apud IBGE, 1960
PIAZZA, 1983:602-603.

Com relação à população dos municípios da Região do Contestado, em 1955, já em número de 15 (com a criação de Papanduva e Herval d’Oeste), dispomos igualmente dos números do Recenseamento Geral do IBGE de 1950. Da população total de cada um, destacamos o número de habitantes nas sedes distritais e municipais (população urbana e suburbana) e na zona rural. Já a densidade demográfica mostra que os municípios com maiores áreas de criação de gado, Curitibanos, Campos Novos e Porto União (este incluindo os Campos de São João), eram os mais despovoados, enquanto que o índice era muitas vezes maior nos municípios em que houve a colonização com imigrantes.

Somando 30,80% da área geográfica estadual, a região possuía apenas 24,97% da população. A distribuição dos habitantes, aqui, era de 16,87% nas sedes de vilas e cidades (no Estado era 23,36%) e de 83,13% no meio rural (no Estado a média era 76,64%). Mafra e Caçador eram os únicos com mais de 30% da população residente em quadros urbanos. Pelo quadro acima, também temos que a densidade demográfica na Região da Contestado (13,5 habitantes por km²) estava abaixo da média do Estado (16,6 km²/hab.).


Panorama dos Municípios da Região do Contestado em 1955,
com base nos dados do Recenseamento Geral de 1950


Município Área Densidade População População População
da Região Km² Hab./Km² Total Urbana Rural

Curitibanos 5.250 6,208 32.597 3.181 29.416
Campos Novos 3.080 9,553 29.731 3.326 26.405
Canoinhas 3.018 17,414 36.594 9.034 27.560
Mafra 1.594 15,980 25.472 9.242 16.230
Porto União 2.588 9,506 24.601 7.180 17.421
Itaiópolis 2.077 8,963 18.616 1.121 17.495
Joaçaba 4.238 11,397 48.299 9.211 39.088
Concórdia 1.456 32,977 48.014 3.742 44.272
Caçador 1.484 15,986 23.723 8.032 15.691
Videira 938 25,186 23.625 4.569 19.056
Capinzal 694 20,079 13.935 1.868 12.067
Tangará 631 21,171 13.359 1.966 11.393
Piratuba 386 32,694 12.620 1.790 10.830
Papanduva 1.203 13,268 15.962 936 15.026
Herval d’Oeste 273 26,604 7.263 667 6.596
TOTAL 28.910 13,50 390.373 65.865 324.508

TOTAL SC 93.849 16,65 1.562.862 365.077 1.197.785

Fonte: IBGE, Recenseamento Geral de 1950, apud IBGE, 1960





10.9 Ruptura e Transição



Dessa forma, o movimento histórico do capital na Região do Contestado revela uma política econômico-social coerente com o Estado intervencionista associado aos grupos monopólicos estrangeiros; revela a ruptura nos costumes e na forma de viver e trabalhar da população; revela, ainda, a transição de uma época de poucas escolas e de formação de homem para uma política educacional de atendimento à população, já na época da colonização em marcha.

Em meio à crise causada pelo impacto do estado, do capital e dos problemas econômicos, o homem do Contestado provocou comportamentos de reação. Uma análise histórica revela que a reação dos caboclos espoliados baseou-se num saudosismo transfigurador, uma utopia retroativa. Tratou-se de uma valorização do passado, em que não havia exploração e expropriação: a época monárquica, idealizada pelos caboclos como uma época em que não havia mortes e violências; correlata vai a idéia de que a República trouxe o Estado opressor. Uma segunda reação fundou-se na experiência de luta, tirada do passado, como por exemplo, a formação dos Doze Pares de França e São Sebastião guerreiro. A terceira reação assentou-se numa cimentação religiosa: os monges e sua religiosidade popular. No entanto, as causas da reação foram a exploração e a espoliação do espaço caboclo pelo grupo monopólico associado ao Estado.

Escapou ao homem do Contestado a obtenção dos alimentos – coleta, caça e pesca; agora, tudo virou mercadoria. Passou-se de uma economia quase auto-suficiente do caboclo e, também, do fazendeiro para o âmbito da economia capitalista. Nesta nova situação, o homem do Contestado, sem poder persistir na sua economia de níveis mínimos, tem que comprar todos os seus víveres, alterando substancialmente sua dieta. Tem que comprar, igualmente, a sua educação escolar. Em conclusão, ele consegue persistir, em alguns aspectos de seu equipamento cultural – incluídas a educação (para os fazendeiros) e a formação (para os caboclos) – e das formas sociais, oriundas de período anterior. O outro fato é que vive formações novas, oriundas do impacto do mercado que abateu todas as estruturas velhas. O mercado realizou a incorporação progressiva da população na esfera moderna, dominada pela propriedade, pelas leis do estado, presentes por toda a região, pela introdução do trabalho assalariado e pela maior dependência em relação aos centros urbanos.

A revolução de 30 assinala a transição para uma época na qual se dinamizam processos econômicos, políticos, culturais, demográficos e outros tais, como os seguintes: industrialização, urbanização, sindicalismo estatal, intervencionismo governamental crescente na economia, fortalecimento do aparato estatal, principalmente do executivo. Devido à “nova” configuração das classes sociais urbanas e às suas relações de força, o Estado começa a expressar um novo arranjo de classes: burguesia cafeereira, comercial, industrial e imperialista, em associação com setores da classe média e operários (IANNI, 1984, p. 16).

Nenhum comentário:

Postar um comentário