sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Introdução à disciplina "História do Contestado"

Introdução à disciplina “História do Contestado”
Fundamentos - A importância da História – Identidade Regional – Plano de Ensino




1. 1 Apresentação



Pergunta-se: Por que a denominação Universidade do Contestado? Por que o Curso de História na UnC? Por que a disciplina História do Contestado? Por que estudar o Homem do Contestado? Para que conhecer o Contestado?

Ora, já está mais do que na hora de a sociedade catarinense assumir com honra e orgulho, concretamente, a História do Contestado, integrando-a em seus estudos e a valorizando no contexto historiográfico como o nosso passado merece. Para isto, primeiro, nossa gente precisa perder a vergonha que ainda demonstra ter pela Guerra do Contestado e, só a perderá se conhecer melhor os fatos e puder refletir profundamente sobre eles.

O Resgate da Memória do Contestado, teve início como projeto em 1974, dentro da Universidade do Contestado, quando esta ainda era uma faculdade de uma pequena fundação educacional de Caçador – a FEARPE – e, dela, nunca se desvinculou.

Quando da elaboração da Carta Consulta ao Conselho Federal de Educação - CFE, visando à autorização de funcionamento de uma universidade no Centro-Oeste de Santa Catarina, a partir da união dos centros de ensino superior das cinco fundações educacionais que se associaram para este empreendimento foi aceita a proposição de ela vir a ser denominada "Universidade do Contestado". Mas a inserção do vocábulo “Contestado” no mundo acadêmico regional não ficou apenas nisto. Em seguida, objetivando atender ao requisito do número mínimo de cursos da área fundamental do conhecimento humano na Instituição projetada, surgiu a necessidade de incluir, no seu planejamento para o decênio 1991-2000, a proposta para a imediata criação do Curso de História, com ênfase para o regional. Acolhido o documento pelo CFE, de então até 1992, quando da elaboração do Projeto de Autorização de Funcionamento da Universidade do Contestado, também apareceu a necessidade de incluir a História do Contestado como disciplina básica, comum nas grades curriculares de todos os cursos oferecidos em todos os campi da UnC. No início de 1992, a Instituição recebeu autorização do MEC, com o nome de Universidade do Contestado, abrindo o Curso de História - Bacharelado e Licenciatura Plena - e incluindo a disciplina História do Contestado em todos os seus cursos superiores.

Acreditou a UnC que, assim, a sociedade regional teria mais fácil acesso à gama de informações e ao conhecimento que aqui se vinha acumulando ano após ano e iria valorizar sobremaneira o seu próprio passado, até então praticamente desconhecido pelos novos habitantes do Centro-Oeste, encontrando (ou reencontrando) sua identidade. A idéia compreendia provocar questionamentos sobre o passado, induzindo as novas gerações à reflexão radical e crítica, pois, só a partir da apreensão do acervo histórico e da busca de respostas para as problemáticas levantadas, a sociedade poderia entender melhor as situações presentes, vindo a assumir seu papel de agente continuador de uma História em permanente construção.

Produzindo História, e incentivando-a nos fóruns universitário e popular, acredita-se estar contribuindo para o reconhecimento público de que a Guerra do Contestado foi o fato mais genuíno e marcante da história regional, o mais sangrento do Sul do Brasil e o mais importante movimento messiânico do País pela sua complexidade. Foi um marco para Santa Catarina, fixado no centro da história da região. Com relação ao período 1913-1916, interpretamos as formas distintas do pré-Contestado e do pós-Contestado para clarear, apenas didaticamente, as ligações existentes entre causas e efeitos, ou seja, os acontecimentos de antes e depois deste marco caracterizador.

Caracterizamos a História do Contestado, em sentido mais amplo, e a História da Guerra do Contestado, mais restrita, esta, entendida como a insurreição do catarinense [...]. Como evento complexo, este conflito eclodiu coincidentemente em tempo e espaço, na junção de motivações sociais, econômicas, políticas, religiosas e culturais, não podendo mais ser analisado e discutido sob um único prisma ou tomado isoladamente por apenas um destes fatores (THOMÉ, 2004, p. 43).

Em História Sincera da República, Leoncio Basbaum inicia sua obra afirmando que “o objetivo da História não é apenas o de narrar e constatar fatos do passado, mas buscar as suas origens e as suas conseqüências” (1957, p. 3). Tratando da categoria da interpretação, para Basbaum, em História, não existe causa única para um fato. Entendendo que a História não é uma simples sucessão de causa e efeito, ele cita Zdanov para registrar que a análise histórica não é uma simples enumeração de alguns fatos expostos sem ligações uns com os outros e simplesmente justapostos.
Na verdade são em geral múltiplas as causas determinantes, agindo em conjunto e ao mesmo tempo umas sobre as obras. Por outro lado, não somente o passado determina o presente. Há na realidade um permanente fluxo entre as várias causas simultâneas, entre os efeitos e as causas, entre o passado e o presente (ZDANOV apud BASBAUM, 1957, p. 5).
José Honório Rodrigues escreveu em História e Historiadores do Brasil, que a História não é dos mortos, mas dos vivos, como uma realidade presente, obrigatória para a consciência. Tratando da historiografia universal, ao lembrar que a arte da História consiste em manter sempre viva a conexão entre os que contemplam o passado e os que contemplam o presente, afirmou que a História precisa olhar a floresta e não apenas as árvores, oferecendo uma interpretação generalizadora que ajude os vivos a compreender as raízes do presente (1965, p. 14). Qualquer povo só constitui uma sociedade humana se tem uma história para poder perpetuar a sua identidade, preservar seus traços culturais e cultivar suas tradições. A história de um lugar qualquer só é compreendida a partir da fixação nele de uma sociedade organizada que, por diversos feitos, modifica a realidade. A ação dos homens sobre a natureza, suas relações e as transformações provocadas, constituem o conjunto de fatos que marcam, no decurso do tempo, a História desta civilização.

A História, como ciência, viabiliza questionamentos e respostas aos anseios populares de melhor compreender o passado, a partir de abordagens a problemas, incluindo testemunhos e questionamentos, a provocar sentimentos de amor, carinho, apreço, respeito e consideração ao que foi construído, ou de desapontamento, raiva, rancor e até de ódio àqueles que construíram.

As futuras gerações somente valorizarão o patrimônio histórico-cultural do Contestado se lhes forem dadas, desde já, suficientes informações sobre o que aconteceu no passado, para originar o conhecimento daquilo que ora nos está disponível. Nada permanece igual e é através do tempo que se percebem as mudanças. O tempo é a dimensão de análise da História. Os tempos históricos não são necessariamente cronológicos, variando no espaço de um grupo social para outro. Somente se saberá o passado de um povo se observarmos o processo histórico das relações dos homens entre si e destes com a natureza transformada. Se desconhecer o que o destino lhe traça para o futuro é um problema, desconhecer o que se passou e quais foram as reações ante as transformações também é um problema. Não há como um cidadão atual problematizar uma realidade concreta, se não souber o que a gerou e como foi gerada.




1. 2 Considerações iniciais



A dualidade eleita como objeto de nossos estudos leva-nos a dividir o trabalho em três partes. Nas duas primeiras, a configuração da formação do território livre do Contestado e da formação do homem (caboclo) que veio habitar este espaço desde os tempos mais remotos, adentrando na Primeira República, com abordagem que transpassa a transmissão do século XIX para o XX. A terceira é dedicada ao momento da ruptura, forçada pelo imperialismo, que decide limpar o espaço pela extinção do homem do Contestado e mudar a forma de ocupação do território, adicionando a nova ordem, capitalista, pela introdução com força de novo elemento, o imigrante. Reservamos a análise da história do movimento do capital, desde a época do território livre até a colonização, para a conclusão, onde foi feita a investigação da totalidade deste movimento. Com a transição, a educação proporcionada pela escola passa a ser item importante, mas objetivando a alfabetização e os conhecimentos gerais, quase só dos filhos dos imigrantes, ou seja, sem finalidade de formação profissional.

Articulamos as categorias de ocupação, colonização, imigração e povoamento. Os itens principais da nossa tese sobre o homem do Contestado não podem deixar de ser o espaço geográfico, a ocupação e o uso do espaço, a formação do território, as redes viárias, fluviais e ferroviárias, a cultura e formação comunitária e a educação. Estes, também, formam os objetivos específicos da dinâmica da investigação. C. Reffestin (1980, p. 81) considera que o termo território não é idêntico ao conceito de espaço. Este é anterior àquele. O território se forma a partir do espaço mediante a ação coordenada dos homens. O território do Contestado é resultado das redes de transporte; é resultado da colonização e da urbanização. Não se deve confundir os termos aqui usados de “território livre” ou de “espaço livre” com “vazio”, “desocupado” ou “desabitado”, estes que têm outro significado (Cfme.SANTOS, 1978, p. 80-83).

No começo, enfocaremos a formação do Território Contestado, a partir do espaço livre desta área. O período histórico não tem preocupações com o estabelecimento de limitações de início, pois que aborda os indígenas e os negros e remonta à introdução do sujeito tido simplesmente como “branco” na área. Vem pelo tempo da Colônia, passa pelo Império e adentra na República Velha, praticamente sem escolas, para chegar aos momentos primeiros da fase de “modernização”, que se opõe à sociedade tradicional agrária, preparando o território para a sociedade moderna, industrial e urbana.

Para a comunidade cabocla, as relações sociais constituíram-se dentro de um espaço livre ou num mundo livre – “livre”, de liberdade, não de vazio – ou ainda um espaço do qual o caboclo se apropriou, atuou e o fez à sua imagem e semelhança. Ao se apropriar do espaço geográfico, os homens começaram a territorializá-lo, incorporando, de outras regiões, formas de pensar, viver e produzir, além da maneira de alimentar-se, divertir-se e produzir a vida material e não material.

Neste espaço que se convertia em território, nascia, também, a relação do poder, das normas e leis próprias da convivência. O estudo sobre a formação do homem do Contestado leva em consideração esta transformação do espaço geográfico em território; logo, considera as relações históricas de poder, dominação e controle, mitigadas na fase do homem primitivo e exacerbadas na Guerra do Contestado. Neste ponto, tomamos Lênin, quando disserta sobre a atuação do Estado. Por isso, reafirmamos: a tese passa pelas categorias: ocupação do espaço, uso da terra, formação do território, poder, controle, cultura e educação e suas funções na formação do homem.

O acompanhamento do processo de incorporação da Região do Contestado ao mercado inicia com a idéia de que o território livre é assim denominado porque nele não se sentiam as leis, o controle e a opressão do Estado e nele não se sentia a mão pesada do fazendeiro. O território forma-se a partir do estabelecimento de redes viárias, ferroviárias e fluviais, que se tornam o elemento importante de acesso, circulação e normalização de usos, atitudes e comportamentos sobre este espaço. Temos que “cada homem vale pelo lugar onde ele está; o seu valor como produtor, consumidor, cidadão dependente de sua localização no território [...] Por isso, a possibilidade de ser mais ou menos cidadão depende, em larga proporção, do ponto do território onde se está” (SANTOS, 1978, p. 81).

Na fase anterior à Guerra do Contestado (1913-1916), o habitante vivia num território com redes viárias feitas pelo Estado, mas o caboclo não via o poder estatal como opressor e que intervinha na sua forma de pensar, ser, conviver e produzir. O poder e o controle do Estado estava visível nos fazendeiros do território, posto que estes viviam fora do “território livre” dos caboclos.

As diferenças entre a vida familiar do fazendeiro e do caboclo: presença/ausência do poder público (poder, controle, domínio); pensamento divergente de religiosidade institucional/popular; poder econômico e relações com o mercado/sobrevivência, formação comunitária/educação escolar; leis e punições de convivência e insegurança/leis estatais com relativa segurança. Essas diferenças econômicas, sociais e de cidadania, entretanto, não impediam uma relação mútua de interdependência entre as duas partes, às vezes harmoniosa, outras vezes opressora.

O meio do nosso estudo é dedicado à ruptura – o momento em que ocorre a Guerra do Contestado. Coincide com a I Guerra Mundial. Uma nova roupagem do capitalismo – monopolista e imperialista – adentra com força no Contestado. A ruptura é social e cultural. No sentido em que, ao olhar do opressor, uma determinada população (a cabocla, luso-brasileira, que não presta), é fadada ao desaparecimento, para viabilizar sua substituição por outra (de imigrantes, colonos, trabalhadores), dos primeiros restando alguns sobreviventes. A limpeza da área foi radical. Foi uma guerra de extermínio.

O rompimento das relações antigas de um espaço geográfico amplo e de um território livre deu-se quando os caboclos tiveram que conviver com a modernização do território, mediante a ação firme e resoluta do Estado intervencionista (brasileiro, paranaense e catarinense) e de investimentos de capitais estrangeiros (presença do Imperialismo no coração do território livre).

O caboclo cinde-se como ser humano. A divisão se manifesta através da intervenção do poder monopolista, amparado pelo Estado, pelo poderio econômico e pelos fazendeiros. A construção da ferrovia, as madeireiras e a colonização estrangeira modificam as relações sociais da comunidade cabocla com os invasores de seu território livre. O rompimento do mundo livre (a terra, a vida e a irmandade) para um mundo de opressão, que começa com a pilhagem de suas terras e de seu território e termina com a intervenção sanguinária do braço armado de civis e militares, passando pelo controle do poder político, do deslocamento dos direitos individuais para a opressão do Estado, do deslocamento de idéias e vida próprias ao território livre para idéias e forças que vinham de fora e se instalaram como forças armadas no espaço dos caboclos, espaço reconhecido pela Lei de terras de 1850.

A partir da conquista armada e da modernização feitas pelo poder estatal e monopolista, o caboclo foi afastado do desenvolvimento, passando os benefícios do progresso para os fazendeiros e, posteriormente, para os colonizadores. No fundo, o poder político controlava o progresso e o povo – como já o realizara antes nas diversas revoluções abafadas – com a idéia positivista de que somente os homens que superaram o estágio religioso e metafísico e atuam no estágio positivo, conseguem realizar o desenvolvimento e o progresso, nem que isso exigisse a guerra e a limpeza da área. Em outros termos, somente os homens do Estado, os do capital estrangeiro, os fazendeiros e os agricultores experientes da colonização conseguem o progresso. É um pensamento próprio à Velha República.

Assim, o pensamento religioso, popular e fanático do caboclo – fundamental para seu equilíbrio social – devia desaparecer com o extermínio dele próprio. A religiosidade institucional será vitoriosa quando se modifica o território, colocando ali os colonizadores do progresso. A formação arcaica da comunidade cabocla devia ser superada pela educação escolar dos filhos dos colonos, uma educação adaptada á sociedade burguesa.

A fase imperialista do capitalismo levou a sério, na Europa, Austrália, América do Norte e em alguns países da América do Sul, um sistema de ensino e de educação escolar para todas as populações. O capital estrangeiro, investido para que se desse a expansão do capitalismo na produção de excedentes nas matas convertidas em lavouras, não levou apenas a infra-estrutura de redes, madeireiras e colonizadores para o território, mas também, trouxe a idéia de uma educação escolar, importante para o grande projeto imobiliário de loteamento das terras outrora livres.

O homem do Contestado, primitivo, foi cindido pela guerra e substituído pelo homem colonizador, o homem-colono de um novo ambiente rural, produtor, que a seguir será o moderno, o industrialista, o urbano. Neste processo de expansão do capitalismo, a educação escolar vai se desenvolver timidamente em todo o Planalto Catarinense – agora “antigo” Território Contestado – que passamos a enfocar sub-dividido em quatro regiões homogêneas internamente: Planalto Norte, Zona de Campos, Zona do Rio do Peixe e Zona do Alto Uruguai.




1. 3 Objetivos


Objetivo Geral:

Proporcionar ao estudante mais fácil acesso à gama de informações e ao conhecimento histórico regional que vem se acumulando ano após ano, para valorizar o seu próprio passado, praticamente desconhecido pelos novos habitantes do Centro-Oeste, encontrando (ou reencontrando) sua identidade, através da provocação de questionamentos sobre o passado, induzindo as novas gerações à reflexão radical e crítica, pois, só a partir da apreensão do acervo histórico e da busca de respostas para as problemáticas levantadas, a sociedade poderá entender melhor as situações presentes, vindo a assumir seu papel de agente continuador de uma História em permanente construção.

Todos nós somos conscientes da importância do estudo da História vivenciada em nossa região, portanto a Universidade oferta para todos os cursos esta disciplina a distância, com os seguintes objetivos:

- Compreender de forma ampla a complexidade dos fatos que compõe até o presente a vida social da população do Meio-Oeste Catarinense;
- Conhecer os elementos do legado cultural do homem do contestado;
- Desenvolver atitudes científicas em relação à apropriação do conhecimento temporal e espacial da região do contestado;
- Identificar a identidade do homem do meio-oeste catarinense, a partir do processo de aculturação.
Objetivos Específicos:

- Proporcionar mais fácil acesso ao conhecimento de episódios marcantes da História do Contestado;
- Instrumentalizar a Educação pela divulgação de eventos caracterizadores da história regional;
- Viabilizar a transmissão do conhecimento sobre registros do passado do Contestado às atuais e futuras gerações;
- Valorizar os bens relacionados ao patrimônio histórico-cultural do Território Contestado e do Homem do Contestado;
- Ampliar a inserção do Contestado na historiografia catarinense e brasileira que trata das mentalidades, das idéias e das populações;
- Dinamizar a renovação de estudos sobre realidades ainda não suficientemente enfocadas, possibilitando novas interpretações;
- Promover novas discussões sobre a leitura e a releitura dos fatos históricos, a partir de revelações de acontecimentos até agora desconhecidos.



1. 4 Resumo da História Regional



Nossos trabalhos de pesquisa e de difusão da História do Contestado, desde 1970, nos quais esclarecemos qual o entendimento que temos do passado, seguem esta linha-do-tempo e linha-de-espaço:

a) - No Meio-Oeste, Planalto Central e Norte de Santa Catarina, entre os vales dos rios Canoinhas (a Leste) e do Peixe (a Oeste), com os rios Negro e Iguaçu ao Norte e o Rio Canoas e Campos Novos ao Sul, localiza-se a área que entre 1913 e 1916 foi cenário da Guerra do Contestado – a ruptura sócio-cultural e econômica – e, por isso, historicamente é identificada como Região do Contestado. Faz parte de área maior, o espaço que antigamente se estendia ao Extremo-Oeste, na fronteira com a Argentina (atuais Oeste Catarinense e Sudoeste Paranaense), que constituía o Território Livre do Contestado, assim conhecido até 1917, quando da solução da questão de limites entre Paraná e Santa Catarina.

b) - A linha (curso) da foz do Rio Canoinhas (no Rio Negro) às suas nascentes e destas às nascentes do Rio do Peixe até a sua foz (no Rio Uruguai) passou a ser considerada como “fronteira provisória” entre os estados litigantes em 1879. No final do século XIX e início do século XX, o Paraná administrou e promoveu a ocupação das terras do Planalto Norte e da margem direita do Rio do Peixe, pelos municípios de Rio Negro, Porto União da Vitória, Itaiópolis e Palmas, e Santa Catarina as terras da margem esquerda, pelos municípios de Lages, Curitibanos e Campos Novos, depois também por Canoinhas.

c) - Dentro da Floresta da Araucária, a região era praticamente desabitada, com suas vilas, povoados e fazendas ligados entre si por estreitos e sinuosos caminhos, abertos pelos tropeiros. Entendida como “geração cabocla”, parte da população havia chegado na primeira metade do século XIX, num processo de ocupação de terras livres, e outra parte chegou após 1850, quando a Lei de Terras viabilizou sua instalação em pequenas e médias propriedades, contrastando com o modelo anterior de sesmarias, que havia permitido o surgimento de grandes fazendas.

d) - Os criadores e lavradores luso-brasileiros vindos tanto de São Paulo e do Paraná, como do Rio Grande do Sul, mesclaram-se com os nativos índios Kaigang e Xokleng e com aqueles que haviam chegado antes, os negros escravos, os mamelucos (da mesclagem do branco com o índio), os cafusos (do cruzamento do negro com o índio) e os mulatos (mestiços do branco e do negro). Nesta época, chegaram também os primeiros eslavos, como resultado dos planos paulistas (até 1853) e paranaenses de imigração, principalmente alemães, holandeses, poloneses e ucranianos.

e) - Distante das suas duas “capitais” - Florianópolis de um lado e Curitiba de outro - a região teve vagaroso ritmo de desenvolvimento. Tanto no Contestado-catarinense como no Contestado-parananense o povo vivia em solidão, longe dos recursos que a modernidade proporcionava às pessoas dos centros maiores. As estradas não passavam de trilhas abertas a facão nas matas. A população não dispunha de pronto atendimento médico, odontológico, farmacêutico ou hospitalar. As escolas primárias eram raras. A autoridade era exercida por superintendentes municipais, juízes-de-paz, delegados de polícia e pelos fazendeiros-coronéis.

f) - A Igreja mantinha paróquias nas únicas cidades catarinenses existentes no início do século – Lages, Curitibanos, Campos Novos e Canoinhas – e nas paranaenses de Palmas, Rio Negro e Porto União da Vitória, com poucos padres atendendo os fiéis em demoradas viagens pelos sertões, sendo que, neste quadro, despontaram na região pessoas “diferentes”, peregrinas e eremitas, algumas consideradas “monges” pela população regional, algumas delas por se exercitarem como pregadoras e curandeiras, outras por se apresentarem como profetas, visionárias, charlatães ou fanáticas, enraizando nos caboclos uma forma de religião popular.

g) - As principais atividades econômicas no território livre resumiam-se em: extração da erva-mate, tropeirismo, lavouras de subsistência, criação de gado bovino e de suínos. Não existiam indústrias. O comércio restringia-se a pequenas “bodegas” nas margens de algumas estradas. Neste território livre, a partir do caboclo luso-brasileiro, formou-se o homem do Contestado. Este quadro não começou a se reverter a partir da abertura da EFSPRG, em 1910, como alguns podem pensar, mas, sim, após 1917, quando terminou a Guerra do Contestado e foi homologado o Acordo de Limites PR-SC, quando então a Cia. Estrada de Ferro iniciou as tentativas de implantação dos planos de colonização nas terras marginais aos trilhos e quando a Lumber Company entrou em plena operação.

h) – Depois da guerra de extermínio ao caboclo, o Estado de Santa Catarina encontrou muitas dificuldades para desencadear seu plano de povoamento nas terras que lhe foram anexadas por força do acordo, à vista da sobreposição de títulos sobre as glebas demarcadas e destinadas à colonização. Como grande parte dos imóveis havia tido a posse legitimada pelo Paraná, antes de 1916, tanto à Companhia EFSPRG como a fazendeiros e a especuladores paranaenses, as questões foram levadas aos tribunais. O Governo Catarinense perdeu todas as ações judiciais movidas contra a Cia. Estrada de Ferro São Paulo Rio-Grande, esta que, a partir de 1924, intensificou o plano de colonização.

i) - O Governo de Santa Catarina escolheu como seu sistema de ocupação e de colonização do Território Contestado a cessão de imensas glebas a particulares, preferencialmente àqueles que compartilhavam o poder político e se propunham à abertura de estradas, titulando-lhes, em parte, as mesmas terras que o Paraná havia concedido à EFSPRG. Neste momento do florescer do imperialismo, as ligações rodoviárias foram eleitas como de fundamental importância para a integração catarinense.

j) - Efetivamente, o desenvolvimento econômico na Região do Contestado, nos moldes capitalistas começou a expandir-se quando da chegada das primeiras levas de alemães, italianos, poloneses e ucranianos, e de descendentes de imigrantes, na maioria ítalo-brasileiros e teuto-brasileiros, que vieram tanto para explorar a floresta, em latifúndios, implantando a indústria da madeira, como para trabalhar na agricultura, em minifúndios. Entre outros resultados, pelo lado dos imigrantes, a partir da década de 20 sobressaíram-se a indústria madeireira e o modelo agrícola minifundiário e policultor, que gerou a agro-indústria. A par disso, o primitivo caboclo foi mantido marginalizado, quase que excluído da nova sociedade.

k) - As propriedades destinadas à colonização por imigrantes foram divididas em colônias e, em pouco tempo, os núcleos coloniais transformaram-se em povoados. No Setor Ocidental da Região do Contestado, ao longo do Vale do Rio do Peixe, estes núcleos, mais os antigos arraiais, prosperaram, com o que surgiram novas vilas.

l) A linha de tempo-e-espaço da História Regional do Contestado continua, a partir daqui, enfocando que algumas das primeiras vilas foram logo elevadas à categoria de cidades, como Caçador, Videira, Tangará, Capinzal, Piratuba, num primeiro momento, e Rio das Antas, Pinheiro Preto, Ibicaré, Treze Tílias, Lacerdópolis, Ouro e Ipira, logo em seguida. Destes, mais tarde, nasceram Macieira, Salto Veloso, Arroio Trinta, Luzerna, Iomerê e Jaborá. No Alto Uruguai despontou Concórdia, do qual também originaram-se os municípios de Presidente Castelo Branco, Lindóia do Sul, Ipumirim, Arabutã e Alto Bela Vista. Em áreas pouco contempladas com projetos de colonização, nos antigos Campos de Palmas-de-Baixo prosperaram as cidades de Água Doce, Catanduvas, Irani e Ponte Serrada. Matos Costa surgiu nos antigos Campos de São João, e Calmon nos Campos de São Roque. Fraiburgo originar-se-ia na área do Campo da Dúvida, Taquaruçu e Butiá Verde, enquanto que Lebon Régis, Santa Cecília e Timbó Grande foram as primeiras cidades na Serra do Espigão. O Município de Campos Novos logo cedeu terrenos também para a formação dos municípios de Herval d’Oeste, Erval Velho e Monte Carlo. Em seguida, para Brunópolis, Vargem, Abdon Batista, Zortea e Ibiam. Por sua vez, Curitibanos manteve a integridade territorial por muitos anos, até que cedeu terras para Correia Pinto e Ponte Alta, depois para São Cristóvão do Sul, Ponte Alta da Norte e Frei Rogério. Completando o desenvolvimento municipal na Região do Contestado, temos que, no Planalto Norte, desmembrados de Porto União, Canoinhas e Mafra, surgiram os municípios de Três Barras, Irineópolis, Papanduva, Major Vieira, Monte Castelo e Bela Vista do Toldo.



1. 5 Leituras sugeridas na disciplina - Referências



Prioridades:

AURAS, Marli. A Guerra Sertaneja do Contestado: Organização da Irmandade Cabocla. 3 ed. Florianópolis: UFSC, 1997.
CABRAL, Oswaldo Rodrigues. A Campanha do Contestado. 2 ed. Florianópolis: Lunardelli, 1979.
EHLKE, Cyro. A Conquista do Planalto Catarinense. Rio: Laudes, 1973.
GALLO, Ivone Cecília D’Avila. O Contestado. O Sonho do Milênio Igualitário. Campinas: ED. Unicamp, 1999.
MACHADO, Paulo Pinheiro. Lideranças do Contestado. Campinas: Ed. Unicamp, 2004.
MONTEIRO, Duglas Teixeira. Os Errantes do Novo Século; um estudo sobre o surto milenarista do Contestado. Série Universidade 2. São Paulo: Duas Cidades, 1974.
PIAZZA, Walter Fernando. Santa Catarina: sua História. Florianópolis: UFSC/Lunardelli, 1983.
QUEIROZ, Maurício Vinhas de. Messianismo e Conflito Social. A Guerra Sertaneja do Contestado. Ensaios 23. 3. ed.. São Paulo: Ática, 1981.
SACHET, Celestino. SACHET, Sérgio. O Contestado. Florianópolis: Século Catarinense, 2001.
STULZER, Aurélio. A Guerra dos Fanáticos (1912-1916); A Contribuição dos Franciscanos. Vila Velha: (s. ed.), 1982.
TOKARSKI, Fernando. Cronografia do Contestado. Florianópolis: IOESC, 2002.
THOMÉ, Nilson. Os Iluminados. Personagens e Manifestações Místicas e Messiânicas do Contestado. Florianópolis: Insular, 1999.
______. Trem de Ferro – A Ferrovia no Contestado. 2 ed. Florianópolis: Lunardelli, 1983.
______. Sangue, Suor e Lágrimas no Chão Contestado. Caçador: UnC, 1992.
______. Civilizações Primitivas do Contestado. Caçador: Universal, 1981.
______. Primeira História da Educação Escolar na Região do Contestado. Caçador: UnC, 2002.
______. A Política no Contestado. Do Curral da Fazenda ao Pátio da Fábrica. Caçador: UnC, 2002.
______. Uma nova História para o Contestado. Caçador: UnC/Museu do Contestado, 2004.
______. Breve História da Guerra do Contestado. Caçador: UnC / Museu do Contestado, 2005.
______ Ciclo da Madeira. História da Devastação da Floresta da Araucária e do Desenvolvimento da Indústria da Madeira em Caçador e na Região do Contestado no Século XX. Caçador: Universal, 1995.

Leituras complementares

ALMEIDA, Vitor. Capinzal: jóias desta terra e desta gente. Joaçaba: Ed. Unoesc, 2204.
BREVES, Wenceslao de Souza. O Chapecó que eu Conheci. In: Boletim do IHGSC, n. 6, 1985. Florianópolis: IHGSC, 1985.
BLASI, Paulo. Campos Novos: um pouco de sua História. Florianópolis: Edeme,1994.
CARVALHO, Setembrino de. A Pacificação do Contestado. Relatório ao Clube Militar. Rio, Clube Militar, 1916.
COSTA, Licurgo. Um Cambalacho Político. A verdade sobre o “acordo” de Limites Paraná-Santa Catarina. Florianópolis: Lunardelli, 1987.
CARNEIRO, Delci Maria Klieman. ZANETE, Dilce Maria. ZONTA, Solange. Conhecendo Porto União. Porto União: Prefeitura, 1991.
COSTA, Licurgo. O Continente das Lages. v. I e II. Florianópolis: FCC, 1982.
FELIPPE, Euclides F. O Último Jagunço - Folclore na História da Guerra do Contestado. Passo Fundo/Curitibanos: Berthier/UnC, 1995.
FERREIRA, Antenor Geraldo Zanetti. Concórdia: O Rastro de sua História. Concórdia: Fundação Cultural, 1992.
HEINSFELD, Adelar. A Questão de Palmas entre Brasil e Argentina e o Início da Colonização Alemã no Baixo Vale do Rio do Peixe-SC. Joaçaba: Unoesc, 1996.
LAZIER, Hermógenes. Origem de Porto União da Vitória. Porto União: Uniporto, 1985.
LEMOS, Zélia de Andrade. Curitibanos na História do Contestado. Florianópolis: Governo do Estado, 1977.
LUZ, Aujor Ávila da. Os Fanáticos; crimes e aberrações da religiosidade dos nossos caboclos. Florianópolis: (s. ed.), 1952.
POLI, Jaci. Caboclo: Pioneirismo e Marginalização. In: Para uma História do Oeste Catarinense. Chapecó: UNOESC, 1995.
RADIN, José Carlos. Italianos e Ítalo-Brasileiros na Colonização do Oeste Catarinense. Joaçaba: Unoesc, 1997.
SCAPIN, Alzira. Videira nos Caminhos de Sua História. V. 1. Videira: Prefeitura, 1997.
SILVA, José Waldomiro. O Oeste Catarinense. Memórias de um Pioneiro. Florianópolis: ed. autor, 1987.
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WACHOWICZ, Ruy Christovam. Paraná, Sudoeste: Ocupação e Colonização. Estante Paranista 21. Curitiba: Lítero-Técnica, 1985.
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