sábado, 14 de fevereiro de 2009

O complexo cultural do homem do Contestado

O complexo cultural do homem do Contestado
Educação Escolar – Habitação – Culinária – Remédios – Lazer – Linguagem


No alvorecer do Século XX, a Região do Contestado já estava semi-ocupada. Havia uma população conhecida, esparsamente distribuída entre pequenos quadros urbanos e extensas áreas rurais, nas vilas de Lages, Campos Novos, Curitibanos, Rio Negro, Porto União da Vitória, Palmas e Clevelândia, nos pequenos povoados de Canoinhas e Vila Nova do Timbó, nas grandes fazendas de criação de gado, nos ervais e em núcleos coloniais de imigrantes, todos estes vivendo em sesmarias legalizadas, posses legitimadas e lotes demarcados.

Entretanto, a par dos “residentes”, havia ainda muitas outras pessoas que sequer apareciam nos registros oficiais e, por isso, não contavam para os censos demográficos e nem nas listas eleitorais. Estes, na maioria, eram ex-tropeiros, ex-peões, ex-agregados, ex-escravos negros, ex-colonos que, misturados aos índios e a elementos desconhecidos, fossem simples aventureiros, exploradores, refugiados de guerras ou foragidos da justiça, haviam adentrado pelo interior a fundo. Era aquela gente simples que habitava os campos e as matas, pelos outros tidos como “terras incultas e selvagens”, “sertões desconhecidos” ou “campos inexplorados”, que, pensava-se estarem desertos, mas que nem tanto estavam.

Todo este conjunto humano constituiu o “homem do Contestado primitivo”, ou seja, a população nativa e imigrante, autóctone e alienígena, que abriu os primeiros caminhos e por eles tropeou, nos antigos pousos instalou as fazendas pioneiras e construiu as primeiras casas urbanas, que assistiu a abertura das primeiras estradas carroçáveis, que sentiu a força do capital internacional, sem entender o que era imperialismo ou capitalismo, quando da chegada da estrada de ferro, da instalação das serrarias da Lumber Company, que ergueu engenhos e moinhos coloniais, que se posicionou (ou não) pró Santa Catarina ou pró Paraná na questão de limites, e que se envolveu - direta ou indiretamente - na Guerra do Contestado.




3. 1 O Caboclo pardo do Contestado antigo



Temos clara a distinção de dois sub-tipos de “caboclo”, como habitantes do Território Contestado, geograficamente dividido pelas serras do Espigão e da Taquara Verde. O primeiro, mais antigo, localizado no Centro e na parte Meridional da Região do Contestado, é o caboclo-camponês, criador e lavrador, praticamente igual a qualquer outro caboclo mais conhecido. O outro é o caboclo-sertanejo, mateiro e meio-colono, localizado no Planalto da Bacia do Iguaçu, na parte Setentrional da Região do Contestado; é de formação mais recente e um pouco diferente do anterior, pois teve menor incorporação da corrente migratória sulino-gaúcha e, já em meados do século passado recebeu mais uma influência, que o primeiro não teve, a do imigrante europeu instalado no Sul do Paraná, nos vales dos rios Negro e Iguaçu, em seguida a 1830.

O antigo “agregado” das grandes propriedades, elemento que forma um dos nossos caboclos pardos, tinha uma característica: ele era o que consideramos o “pobre” economicamente. Seus parcos bens resumiam-se àqueles que ele precisava para sobreviver - quando tinha - e sustentar sua família - quando podia - sem nenhum adicional de conforto. Mesmo sendo ocupante efetivo deste chão dezenas de anos antes da chegada das levas de imigrantes do Século XX, curiosa e inexplicavelmente, pelas suas condições sócio-econômicas, o caboclo-pobre foi marginalizado pelo caboclo-rico e considerado como “intruso” em Santa Catarina pelo próprio Governo Catarinense. Enfatizamos o tipo de caboclo – pardo e pobre – o mais original de todos, pois sabemos que, independentemente da conformação racial, ficou conhecido como sendo o “excluído”, ele que sempre foi considerado como membro de uma camada intermediária na estratificação social dos primórdios da nossa História. Este caboclo, apesar de independente, livre de amarras, era um homem marginalizado.

Vivendo em liberdade no isolado sertão de pinhais , o caboclo pardo aqui encontrou seu habitat, vindo a tirar da mata as oportunidades de subsistência, desde a madeira para suas construções, os animais selvagens para a alimentação, as frutas e mel nativo, o pinhão e a erva-mate, servindo-se dos rios para a pesca e, nas clareiras plantou suas roças, enquanto que, na imensidão dos campos, encontrou a natureza aberta para praticar o pastoreio.

Ao longo do Caminho do Sul e nas veredas das Missões, gradativamente foram se instalando muitas famílias mamelucas, com os homens trabalhando tanto nas tropas como nas fazendas, na condição de peões ou agregados. Sem fácil acesso a títulos de propriedade de terras, logo passaram a ocupar terras devolutas e inexploradas na condição de “posseiros” e, em poucos anos, dividindo o espaço com os “bugres” e com aqueles imigrantes saídos dos seus núcleos coloniais, e com eles realizando mútuo processo de aculturação, esta geração cabocla aprendeu a conviver com a natureza proporcionada pela região.

Como derrubador de lenha para vender ou de madeira para alguma serraria, já o caboclo despende um grande esforço físico: embrenha-se no mato, de machado às costas, com um saco em que leva o alimento e os apetrechos de sua cozinha rudimentar, com mais alguns companheiros e ahi fica os dias necessários até completar a tarefa. Constróe com uns páus e um pouco de palha um efemero rancho para dormir as noites (LUZ, 1952, p. 50).

Quando se aproximavam, eram camaradas, conforme a denominação que se dava ao seu trabalho. Posteiros, residiam nas terras das grandes fazendas, nos pontos mais distantes das sedes, como vigilantes em longínquas invernadas. Eram feitores, capatazes, capangas, compadres, assim formando uma rudimentar clientela dos fazendeiros-ricos. Com suas famílias, moravam em toscos ranchos de madeira com chão de terra batida, espalhados pelos campos; criavam porcos e galinhas, plantavam feijão, milho, abóbora, mandioca, amendoim, batata e alguns legumes. Mantinham relações de compadresco com seus patrões ou arrendadores, considerando-se seus compadres e, seus filhos como afilhados, quando isso lhes era conveniente.

Se considerarmos a grande extensão das terras nos primórdios tempos, e mesmo na fase inicial dos anos 1900, revelando a necessidade de trabalho para mantê-las, pode-se deduzir o quanto era numeroso o grupo de agregados espalhados pela região. Adentraram o sertão e, pensando valer-se do antigo sistema de “posses”, enraizavam-se em terras distantes dos núcleos da civilização. Não mais considerados como empregados, dependentes diretos de seus senhores, tinham a sua mão-de-obra valorizada e promovida. Muitos deles sonharam e tentaram - sem êxito - deixar de ser simples moradores de vida emprestada.

Sem mais compromissos, a não ser com o sustento familiar, nas matas, estes caboclos pardos dedicaram-se a explorar os ervais e a criar porcos selvagens, que só eles sabiam domesticar. Adquirindo algumas mulas, também viraram tropeiros e, quando não, repetiam as cenas do tempo da escravidão e carregavam seus fardos nas costas. Isolados e desprotegidos, desconfiavam de tudo e de todos. Escondiam suas filhas dos estranhos, mas não lhes negavam hospitalidade.

Nosso caboclo, antes um agregado e, depois, um desgarrado, tinha em si um pouco-de-cada-coisa: conhecia os labores do tropeirismo, as manhas da peonada, o artesanato rural, as técnicas da lida com o gado, os meios de sobrevivência na selva. Não era preguiçoso, como muitos teimam em creditar-lhe: trabalhava muito nas fainas diárias, do cantar-do-galo ao por-do-sol e, assim, pouco se divertia.

Gostava de música, mas não dançava além do vanerão ou do chote. Enaltecia tradições dos antepassados, mantinha usos e costumes dos pioneiros. Curvava a cabeça em sinal de respeito aos padres, quando estes o visitavam, ouvia a palavra de Deus pela Bíblia, mas em casa guardava a imagem do seu santo-protetor, São João Maria, sem esquecer suas profecias de um futuro inquieto.

Era um homem ativo: caçador, pescador, lenhador, lavrador, serrador, ervateiro. Seu mundo era a família e seu universo era a terra. Não se desapegava dos modismos dialetais, nem de certos hábitos arraigados, como o cigarro de palha, o trago de cachaça, o largo uso de apelidos, a faca sempre na cintura, o facão fácil à mão e a arma carregada. Homem cheio de orgulho, bom de prosa, simultaneamente capaz de grande amizades e de ódios mortais. Gostava de exibir-se, de mostrar valentia e até de contar mentiras de façanhas que talvez nunca saíram da sua imaginação. Era respeitoso e valente, não fugia de brigas e tirava a limpo qualquer desaforo recebido.

Ao lado do tropeiro, do peão, do colono e do ervateiro, este homem, outrora serviçal deles, não raras vezes fugitivo da polícia ou da justiça, acusado ou condenado por qualquer crime, este tipo era o mais genuíno caboclo pardo. Ele, que um dia, pensou ser possível se livrar das garras dos donos-da-terra, dos chefetes-de-aldeias, dos fazendeiros arrogantes ou dos coronéis-da-roça, que sonhou em obter uma sesmaria, conseguir uma posse ou garantir um pedaço de chão para viver, e ficou só no sonho.

Entre eles vinham despejados de posses anteriores, onde já entrara o elemento desbravador por excelência: uma simples picada, um precário caminho para acomodação de colonos estrangeiros, ou mesmo uma estrada; outros tangidos pela pobreza, outros ainda condenados pela justiça civil e militar, criminosos e desertores, afora os perseguidos políticos dos régulos de aldeia, que não eram poucos. De núcleos assim constituídos, perdidos no ermo, na confusão dos esquisitos, havia de irromper, em pandilhas ferozes, o bandido, o jagunço, o fanático (SOUZA, 1987, p. 138).

Quase que de repente, no alvorecer do Século XX, à mercê da “nova civilização”, o caboclo pardo viu-se diante dos enormes carroções-polacos e de um dragão de ferro, que vieram para substituir suas mulas. Os engenhos deixaram de comprar a erva-mate que tão bem cancheara. Foi impedido de catar pinhão e de plantar milho para engordar seus porcos. Confundiam-no com o bugre da mata. Pouca gente queria o seu charque, preterido às carnes defumadas e depois à carne dos frigoríficos. Não era proprietário de coisa alguma além de si mesmo, nem semesmeiro, nem posseiro, nem assentado. Passou a ser vítima de posseiros e grileiros de terras. Perdeu sua morada para os trustes. E quando tentou reagir, a seu modo, todos aqueles que não queriam saber dele, não hesitaram em alardear: bandido! bandoleiro! fanático! jagunço!

Na população do Centro-Oeste Catarinense, hoje encontramos o seu folclore, que revela o saber tradicional do Homem do Contestado Primitivo no final do Século XIX e no início do Século XX, envolvendo um conjunto de tradições orais da cultura imaterial (mitos, lendas, contos, fábulas, causos, trovas e cantos) e uma cultura popular de ordem material (utensílios, habitação, indumentária, instrumentos, remédios e culinária), bem como nos apresenta os antigos hábitos, costumes, linguajares, superstições, crenças e crendices.

Na área cultural situada no planalto serrano catarinense, na ecologia da mata de pinheiros, onde o homem, o cavalo e o boi, numa associação-tipo, identificam a área cultural gaúcha, as diferenciações transferem à observação preparada um painel regional peculiar à área fisiográfica: ali a habitação, os quefazeres do pastoreio, os hábitos, os costumes, a cozinha, as lendas, os casos, as orações, as devoções, as benzeduras, as adivinhações, o cancioneiro, as danças, as trovas, as estórias, o vocabulário, tudo e todos os ingredientes componentes do viver regional e percebidos quotidianamente, seja no lar, no trabalho ou no lazer, valem-se das invenções, problemas e soluções inerentes (SOARES, 1979, p. 11).

Os elementos folclóricos do homem do Contestado coincidem com os usos e costumes de outras populações brasileiras, o que revela a parte da cultura “adquirida” da nossa gente. Interessante é que alguns “folkways” ou “mores” de caboclos de outras regiões não se reproduziram no Contestado, talvez porque aqui faltou algum ingrediente que possibilitasse a manutenção de determinadas tradições. Em contra-partida, aqui se desenvolveram alguns usos e costumes e novos padrões culturais .

No folclore regional do Contestado (hoje) encontramos, com raízes mais profundas, a influência indígena (Guarani e Gê), as tradições de origem ibérica (lusas e espanholas), os traços comportamentais dos caipiras paulistas, dos paranaenses dos Campos Gerais e dos gaúchos rio-grandenses e a cultura advinda da Europa Central com os imigrantes pioneiros germânicos e eslavos. Aqui, limitados pelo espaço, apresentamos apenas alguns aspectos tradicionais da nossa primeira gente, na tentativa de visualizar, ao menos genericamente, como viviam os primeiros habitantes da Região do Contestado antes da Guerra do Contestado e da colonização




3. 2 A Educação Escolar no Contestado antigo



Na sua evolução, ainda antes de ser Província, Santa Catarina não passou por nenhum processo diferente daqueles vividos pelas então outras capitanias, ouvidorias, comarcas e províncias brasileiras do tempo antigo. Por esta razão, a par de outros fenômenos, a “educação escolar”, em Santa Catarina, esteve enquadrada nos padrões igualitários estabelecidos para todo o Brasil Colonial. O estudo sobre os primórdios da educação escolar brasileira, estereotipada em terras catarinenses até o final do Século XIX, mesmo enquanto ainda referenciadas como pertencentes à Província, revela-nos o sistema gerenciador da “instrução” como de fundamental importância para a manutenção de uma aristrocracia no poder político.

Como as bases políticas catarinenses distribuíam-se praticamente em duas áreas geográficas distintas – Litoral e Planalto – e ambas revelavam a estratificação social marcada pela dominação política por uma minoria, detentora do poder, assim com total poder também sobre a educação, atrelando-a aos seus interesses políticos, em Santa Catarina, o processo histórico não pode ser observado diferentemente do restante do país, onde, nas demais províncias, esta situação de dependência era idêntica, assentando-se mais no poder real dos donos da terra, nos interesses do latifúndio e numa minoria aristocrática agrária, para cujos interesses seria a organização do ensino. As gerações seguintes às primeiras aristocracias, que gradativamente foram trocando o campo pela cidade, conseqüentemente iniciaram o processo de transplante da sede do poder político para as aglomerações urbanas.

Nos anos seguintes à Independência, verificou-se a diversificação da demanda escolar, facilitada pela “provincialização” da educação. Já não era mais somente a classe oligárquico-rural que procurava a escola, mas também a nova e ainda pequena camada intermediária que havia percebido a escola como caminho para a ascensão social. Desprovida de terras, um dos principais símbolos do poder, esta camada buscava na escola a educação necessária para firmar-se como classe e assegurar o status que aspirava.

Adotado também aqui o uso do ensino para fins políticos, verificamos que os acontecimentos em nossa Província continuavam não diferindo da realidade brasileira daquela época, onde a forma como se organizava o poder político também se relacionava diretamente com a organização do ensino, em princípio porque o legislador “[...] é sempre o representante dos interesses políticos da camada ou facção responsável por sua eleição ou nomeação e atua, naquela organização, segundo interesses ou segundo valores da camada que ele representa” (ROMANELLI, 1989, p. 14). Em Santa Catarina, a força do coronelismo expressava-se através da Inspeção Escolar, uma instituição que “surgiu como uma ação de controle da eficácia das atividades docentes. Era de certa forma, um mecanismo de controle do governo sobre as ações pedagógicas e do próprio professor” (LUCIANO, 2001, p. 156). A Inspeção Escolar surgiu em 1836, inicialmente como competência das Câmaras Municipais e, depois de 1854, do Estado, para ser exercida por pessoas “de confiança” dos governantes (indicados pelos “coronéis”), para fiscalizar e controlar as escolas, os professores e as atividades pedagógicas.

O Contestado, tal como se apresenta geograficamente hoje, só passou a dispor de informações para a composição de uma História da Educação Regional, em 1917, após a criação dos municípios de Mafra, Porto União e Cruzeiro. Para o período antecedente a este ano, dispomos de registros catarinenses apenas para os municípios de Lages, Curitibanos, Campos Novos e, mais recentemente, Canoinhas. São paranaenses, pois, os registros das atividades educacionais no Século XIX, em Rio Negro (que alcançava Mafra e Itaiópolis), em Porto União da Vitória (abrangendo Porto União) e em Palmas (compreendendo todos os municípios do setor Ocidental do Contestado, inclusive Cruzeiro).

Em Lages, existiam duas categorias, que acomodavam a população: as classes subalternas subjugadas ou classes populares produzidas passivas e submissas, que se contrapunham com o autoritarismo do Estado na esfera local, ou o exercício autoritário e discriminatório do poder público municipal pelas elites dominantes da sociedade (MUNARIM, 2000, p. 95). A falta de educação escolar para a grande maioria dos subalternos é refletida ainda hoje no índice de analfabetismo na região, que é um dos mais elevados em Santa Catarina. À exceção de momentos e locais institucionais específicos, registra-se uma grande ausência da escola pública ao longo da história e em outros, uma educação dualista. Já para os filhos das elites dominantes, o que quer dizer filhos de fazendeiros, havia escola especial, particular, desde meados do século anterior. Primeiro, o “professor de fazenda, que nela ficava por alguns meses [...] e vivia mudando-se de uma para outra, onde houvesse filho de fazendeiro para ensinar a ler e a fazer as quatro operações” (COSTA, 1982, p. 999). Depois, [...] do final do século passado até início deste, os fazendeiros mais abastados enviavam seus filhos a São Leopoldo (RS), onde recebiam educação no Colégio Jesuíta Nossa Senhora da Conceição (homens) e no Colégio Franciscano São José (as mulheres, em menor número) (MUNARIM, 2000, p. 102).

Do Paraná para a História do Contestado referenciada no Século XIX, precisamos atribuir integralmente todos os acontecimentos educacionais dos municípios de Itaiópolis, Três Barras e Timbó. De Rio Negro e União da Vitória, a captura de fatos históricos volta-se às sedes municipais, que foram cortadas ao meio pelos novos limites interestaduais e, principalmente, pertencem-nos os fatos havidos na parte Sul do território de Palmas (cuja sede ficou acima da linha de divisa). De modo geral, a educação era tratada de forma idêntica no Paraná e em Santa Catarina. Até o final do Século XIX, os Estados “empurravam” as obrigações educacionais para os respectivos municípios e “apoiavam” as iniciativas particulares, subvencionando as escolas do tipo “comunitárias”, principalmente nos núcleos coloniais. A inspeção escolar, através dos inspetores comissionados, distritais e locais, era utilizada como instrumento político-eleitoreiro. As reformas do ensino não se apoiavam em experiências anteriores.



3. 3 A Habitação no Contestado antigo


Contrastando com as propriedades dos fazendeiros, nos interiores da Região do Contestado ainda agora existem às centenas casas típicas caboclas, construídas e habitadas da mesma forma como há dezenas de anos atrás. As edificações da propriedade cabocla posicionam-se em terrenos altos e descampados, longe de árvores, principalmente de pinheiros e próximas a olhos d’água ou riachos. As dos pobres são constituídas por uma pequena casa de moradia, um galpão, um chiqueiro, um cercado para a horta (este, nem sempre), o forno de pão, o cocho e uma mangueira e uma estrebaria, quando cria gado. As instalações sanitárias, quando existem, são fora da casa: é a casinha da “patente”. Algumas árvores frutíferas exóticas (maçã, pêra, laranja, limão, ameixa) destoam do ambiente.

As habitações são pequenas casas de madeira de pinheiro, ao natural (sem pintura), sem mata-juntas, o que permite a existência de frestas entre uma tábua e outra, cobertas por tabuinhas também de pinho. Na cobertura, não tem forro e no piso não têm assoalho: o piso é de terra batida. As portas têm trancas ou taramelas (“tramelas”, diz o caboclo) e suas dobradiças são de couro pregado. As janelas são fechadas com tampas soltas de madeira. A cozinha é formada por uma mesa, bancos e algumas prateleiras; o fogão, de pedra, com uma chapa de ferro em cima do braseiro, fica a um canto.

Entre aqueles caboclos que se mesclaram com os imigrantes, ou mesmo, entre os imigrantes que se acaboclaram, encontramos propriedades melhor estruturadas e bem construídas. Ao que já citamos como componentes dos caboclos-pobres, adicione-se a casinha com o tanque-de-lavar roupa e o chuveiro, o galinheiro, o pequeno açude, talvez um parreiral. O cercado da horta existe com certeza e com variedade de hortaliças. Nas casas maiores e pintadas (algumas delas), as telhas são de barro, há forro e assoalho de madeira. Na parte da frente existe a “área” (varanda), na qual está a gamela, a tijela e o jarro para a lavação dos pés e das mãos. As janelas têm vidros e cortinas. Dependendo do desnível do terreno, tem porão, aberto ou fechado. As instalações sanitárias mantêm-se fora da casa e só em poucas as vemos dentro. Aí então completadas com a banheira para o banho em imersão. Nas cozinhas, encontramos o fogão-de-lenha, mesa e cadeiras, o caixão-de-lenha, a cristaleira, o paneleiro de tripé. Em cada quarto, há a cômoda, o guarda-roupa, a cama de madeira com estrado, colchão de crina vegetal ou palha de milho e travesseiro com penas de aves.




3. 4 A Culinária no Contestado antigo



Entre os pratos da cozinha antiga, na maioria mantidos até hoje, destacamos: quibebe de abóbora, combuquira, pamonha, tapioca, angú de fubá, arroz carreteiro e tropeiro, arroz de forno e puro cozido n’água, canja de galinha, sopa de osso-de-boi, cará frito, charque, guisado de charque, cuscus, farofa, feijão de tropeiro (não o preto, mas sim o pardinho), fritada de ovo, galinha ao molho, assada inteira à caipira ou à passarinho, farofa de tutano frito com farinha de mandioca e açúcar, geléia de tutano, mocotó, pamonha de milho verde, toucinho frito na banha, passoca de carne seca, rabada, pirão de mandioca, carnes de gado, porco e ovelha assadas, cozidas, ensopadas ou fritas, torresmo, língua-de-boi, barreado, pinhão na chapa, cozido em panela ou sapecado nas grimpas, entre muitos outros. “Há ainda alimentos antigos, já em desuso, como origones, queijo de origone, bolinho de coalhada, etc.” (LAYTANO, 1952, p. 48). Decididamente, o peixe não era prato predileto na cozinha dos caboclos da Região do Contestado; quando à mesa, o preferido era o cascudo.

O conhecido “arroz de carreteiro”, prato feito de guisado de charque com arroz, adicionado por alguns temperos, por demais badalado entre os carreteiros do Rio Grande do Sul, é o mesmo “arroz de tropeiro”, que ficou conhecido no tropeirismo. Ele lembra a alimentação básica nas tropas: “Para maior facilidade e economia de tempo, geralmente o tropeiro já levava o lanche de viagem pronto - a passoca - charque cozido e depois socado no pilão, ainda quente, ao que se misturava farinha de mandioca, formando uma substancial farofa, comida como mistura ao café. Os patrões às vezes preferiam a sua ‘passoca’ de galinha com farofa”, anotando no final: “O lanche do tropeiro, a passoca, é também conhecido como ‘revirado” (MATOS, 1979, p. 26-27).

A farinha de trigo é usada há longa data e, mais recentemente, a de centeio. A farinha de milho substitui, na maioria das vezes, a farinha de mandioca. Ambas são usadas nos virados e nos tutus e pirões de feijão, sempre acompanhados de couve refogadinha, torresmos e fritadas de ovos. [...] Os imigrantes italianos divulgaram o macarrão, a polenta, o risoto e as massas em geral, e os alemães, as salsichas, os salemes, os frios, as saladas, as conservas e a broa escura de centeio (RODERJAN, 1981, p. 54).

Apesar de se constituir, ao lado do milho, no alicerce alimentar indígena, a mandioca não era uma planta cultivada extensivamente na região. Havia a mandioca-braba e a mandioca-boa, esta última saboreada depois de cozida na água e frita na gordura. A farinha seca, branca ou torrada, aqui muito usada para o virado-de-feijão, bem como sua goma (polvilho), era geralmente trazida dos engenhos do Litoral. Do milho em abundância, fazia-se a farinha-de-milho, ou fubá, com o primitivo pilão indígena, este depois substituído pelo monjolo e, mais tarde, pelo moinho-de-pedra; também do milho e da mandioca, nos fornos, produzia-se o beiju, ou bijú.

A feijoada (iniciada no Brasil no tempo da escravidão negra), com o feijão em caldo grosso, não prescindia do pé-de-porco, da cabeça-de-porco, tiras de carne de segunda, cortes de lingüiças, tripas frescas e pedaços de costela salgada. O churrasco de gado bovino era a comida preferida dos peões, mas se apreciava muito, também, o churrasco de ovelha (costela, paleta e quarto). Assava-se na brasa o churrasco com couro (costilhares e de matambres) e os sem couro (principalmente de costela e de alcatra). A carne de caça (veados, pacas, tatús, capivaras, porcos-do-mato, etc.) era cobiçada quando cozida e ensopada na panela e bem temperada, para tirar o gosto “forte” da carne escura. A carne moqueada era o prato principal nas grandes festas. O charque de gado (ou carne-de-sol), quando bem seco, fazia-se cozido com farofa ou guisado com arroz, enquanto que, fresco (chamava-se “frescal”), era usado para assar ao forno, adicionando-lhe molho de cebola.

A “canjica” (extraída do milho maduro e pilado, branca ou amarela, misturada com água) também era um prato muito comum. Narrando um episódio familiar ocorrido em São José dos Pinhais, em 1855, Strobel conta a primeira experiência que seu pai e um amigo tiveram com este prato: “Aqui também se acostumaram à principal refeição brasileira: feijão preto, farinha de milho ou mandioca e charque De vez em quando também tinha canjica. Quando comeram canjica pela primeira vez, pensaram que a cozinheira tinha esquecido de salgar, e colocaram sal, piorando mais o gosto. Com o tempo foram se acostumando a comê-la. Nós também, crianças, aprendemos a apreciá-la, principalmente se preparado com leite e açúcar” (STROBEL, 1987, p. 41).

Tratando do toucinho e da introdução da gordura animal nos hábitos alimentares do caboclo, registramos que:

O toucinho existia em tôdas as despensas, convenientemente lanhado e salgado e suspenso, em largas mantas, soôbre a fumaça dos braseiros. Era usado geralmente em natureza, para os temperos e frituras, aproveitando-se-lhe o torresmo, que entrava na composição de mais de um prato.
A gordura foi contribuição lusitana à culinária nacional. Ela se infiltrou na magra cozinha indígena, representada pelas farinhas e pelas enxutas carnes de caça, através do azeite, das ôlhas suculentas, dos recheios compactos e, sobretudo, do leitão. E entrou ali como só poderia ter entrado naquela época de paladares incultos e apetites desbragados, em excesso, untando tudo, pingando, coalhando à superfície dos pratos (RIESEMBERG, 1969, p. 104).

Desde cedo, nosso caboclo aprendeu a saborear o leite e seus derivados (queijo, coalhada, requeijão e manteiga), principalmente o “camargo”, que é o leite fresco, quente e espumoso, melhor com um pouquinho de café, tomado ao clarear do dia ainda na estrebaria ou na mangueira, durante a ordenha.

Os doces mais comuns eram: amor-em-pedaço, ambrosia, beijo-de-moça, biscoito de amendoim, melado, rapadura, bolo de aipim, bolo de fubá, bolo de polvilho, bom-bocado, broinha de milho, casadinho, doce de abóbora, doce de leite, fios de ovos, moganga-de-leite, goiabada, não-me-toque, ovos nevados, pão-de-ló, pé-de-moleque, marmelada, abóbora em calda, fatia-do-céu, pudim de pão, quindim, sonho-de-valsa, pão-de-ló e arroz doce. Na culinária antiga, o úmido e escuro açúcar mascavo era mais usado do que o acúçar cristal. Muito comum era o bolinho-na-graxa, feito com fubá, leite, ovos e fermento, fritado até dourar num panelão de banha e depois revestido com açúcar cristalizado.

O melhor mel era aquele obtido nas colméias da abelha “mirim”, existente nas partes ôcas das árvores, não encontrado em favos, mas em saquinhos, que os índios ensinaram como extrair, “cada um dos quais pode conter de uma colher de chá a uma colher de mesa do líquido puro. O sabor é bastante precioso e ligeiramente ácido o mais das vezes. O mel tem sempre o gosto fresco, mesmo com o tempo mais abafadiço” (BIGG-WITHER, 1974, p. 165).

Entre as bebidas do passado, eram comuns: aguardente pura (cachaça, branquinha, caninha, etc.) , cachaça com losna ou com mentruz, chá de mate (torrado), mate-doce (com leite quente e açúcar ao invés de água), chimarrão (xucro, amargo, com água quente), café de tropeiro ou café de coador (este, sempre super-açucarado), licores feitos a partir da adição à cachaça de frutas regionais, e vinhos (obtidos pela fermentação natural de frutinhas silvestres, como a guabiroba, a pitanga, o araçá, a jaboticaba e a cereja).

O “café de tropeiro”, pelo largo uso diário, compreendia o uso do pó-de-café, torrado e moído, sem o pano coador. Era feito quando “uma vasilha com água é colocada diretamente nas brasas do fogo de chão para ferver, adicionando-se em seguida o café. Quando levanta a fervura e o pó vem todo para cima, um pequeno tição é introduzido dentro da vasilha. Assim o pó se assenta e não precisa coador. E está pronto o melhor e mais saboroso café do mundo” (MATOS, 1979, p. 26).

Tratando da contribuição dos imigrantes pioneiros à culinária regional no final do Século XIX, lembramos as hortaliças, inicialmente produzidas nas chácaras coloniais alemãs, cultura que, em seguida, foi ampliada pelos poloneses e italianos, num sortimento para saladas que ia desde a cenoura, o pepino, a beterraba, a batata paraguaia, o xuxú, o tomate, até as folhas do repolho, da couve, do radite e da alface, mas, que não eram hábito do caboclo.



3. 5 Os Remédios Caseiros no Contestado antigo


No Contestado não existia médicos, que eram substituídos por curandeiros, aquelas pessoas mais experientes na lida com as plantas e as ervas consideradas medicinais, ou curativas (hoje, chama-se “fitoterapia”), nem remédios químicos. Mesmo assim, o caboclo sobrevivia a muitas doenças, graças a uma série de conhecimentos, adquiridos dos índios, dos negros e dos desbravadores, que passaram de geração para geração, com “fórmulas” sempre acrescidas de novas descobertas.

Chás de “cipó de milone” e de “hortelã” eram aplicados para a cura de vermes, bichas, ou para a limpeza do sangue. Para quem estava gripado, bons expectorantes eram “sebo de ovelha” aplicado no peito como emplastro, ou gotas de querosene tomadas via oral. Para tosse forte e bronquite, tomava-se xarope de “agrião” natural, fervido com açúcar queimado, enquanto que, para a coqueluche (dizia-se tosse-comprida) tomava-se leite de égua e chá de “jasmim-de-cachorro” (nada mais do que fezes secas de cães). Para se livrar de furúnculos ou licenços, aplicava-se um emplastro de farinha de mandioca cozida e colocada quente por cima, ou cortava-se uma frutinha de “juá”, colocando-se a metade cortada por cima. As mulheres combatiam o corrimento vaginal com chá de “sana-flor” ou de “erva-tostão”.

O remédio para crianças que urinavam na cama era chá de “broto de samambaia”. Para reumatismo, tomava-se chá feito de raiz da árvore “primavera” ou da raiz de “urtigão brabo” misturada à cachaça, ou esfregando no local “folha de tuna”. As queimaduras da pele eram curadas com “água de pepino maduro”, com nata fresca, ou se utilizando uma ou mais clara de ovo batidas. Em feridas abertas na pele, aplicava-se a “folha de badana” ou de “língua de vaca”, esquentadas e usadas nos curativos. Para estancar sangue em feridas recentes, utilizava-se pó de café, açúcar branco, cinza de chapéus de pano e, ainda, uma mistura de tudo isso com teia de aranha. Quando a pessoa pegava piolho, sarna ou outras doenças que provocavam coceira, o combate era feito com “sabão de cinza de madeira de pinho”, fervida e coada, e com enxofre misturado na banha, aplicados em todo o corpo.

Quando uma criança apresentava sintomas de “estar bichada”, isto é, com vermes intestinais, para acalmar as bichas, que se alvoroçavam na lua cheia, bastava um chá de hortelã. Esperava-se a lua minguante para dar-lhe um “lombrigueiro” (coquetel de sementes torradas de abóbora, mel de abelha mirim, chá de laranja e de losna, alho, suco da erva “santa-maria” e óleo de rícino) e derrubá-las. Quando alguém apresentava sarna na pele, aplicava-se uma espécie de pomada, com banha de porco, enxofre e pólvora.

Para doenças do fígado e mesmo do estômago, tomava-se o chá de “marsela”, de “gervão”, de “losna”, de “erva de boldo” e outras. Crianças raquíticas e molengas, sem apetite, tomavam “alfavaca” em cachaça. Quando veio o alho, seu chá era muito usado para amenizar dor de dente ou outras dores no corpo, enquanto que para cicatrizar a gengiva após a queda ou extração de dentes, tomava-se chá de “arrueira”. Para dores de rins, tomava-se chá de “carqueja” (só as plantas com folhas de três quinas). Para dores na bexiga, remédio era chá de raiz de “salsa”. Para extrair bernes, esquentava-se o orifício aparente na pele com a brasa do fumo do palheiro ou cobria-se a abertura com toucinho morno. O mel silvestre substituía o açúcar na maioria das composições caseiras para curas.

Destacavam-se ainda, a aplicação de chá de casca do “ipê” para dor de estômago, o chá de “palha roxa” ou de “cabelo de milho” para os diabéticos, o chá de “ponte-alívio” para dor de cabeça, o chá de “artimígio” para cólicas de menstruação, a “erva-de-bicho” para hemorróidas, o “marmelo seco”, a “casca de jaboticaba” e a “cachaça canforada” para cortar disenterias. A “flor do sabugueiro” tinha utilidades, sob a forma de chá, para quem tinha sarampo recolhido, observando-se três dias de resguardo. O chá ou o banho com água da raiz de “São João” (frutinha de árvore) era excelente para o amarelão. Uma das formas de baixar a febre era desmanchando fermento de pão, engrossado com trigo e aplicado na planta dos pés. Ingerindo-se “flor de enxofre” com a comida, limpava-se a pele. Quando a criança estava com míngua, davam-lhe uma colher de chá de “erva-doce”, azeite e três gotas de vinagre.




3. 6 Nas horas de folga, tempo de lazer



O caboclo não tinha muitas oportunidades de diversão. Sua jornada de trabalho mínima era de 12 horas, geralmente de segunda-feira a sábado. Ele seguia o nascer e o pôr-do-sol, aguardando o “sétimo dia”. Como era hábito nacional o respeito ao “domingo-de-guarda”, a véspera – o sábado à noite – era o maior momento do lazer íntimo, do descanso, do encontro para a prosa com os amigos, para a promoção de bailes em bodegas ou botecos de beiras de estradas, em galpões ou em alguma casa, como os “arrasta-pés” e os “fandangos”. O domingo era dia de festa quando um rezador ou um padre chegava na casa de um fazendeiro mais “abonado” e chamava os vizinhos para os batizados, crismas e casamentos, muitos dos quais coletivos, o que acontecia pela manhã e, à tarde, era hora de alegria, de jogos, de brincadeiras, de muito divertimento (ou ainda, de brigas). Quando um fazendeiro-rico “casava a filha”, a “festança” durava de três dias a uma semana, varando dias e noites.

Uma vez por mês era costume o caboclo ir “pra vila” com sua família, para comprar os gêneros alimentícios, roupas ou utensílios de que necessitava, isso quando tinha dinheiro; aquele que produzia artesanato em madeira e couro, tinha a oportunidade de compras por escambo com o “dono da venda”; as “trocas” eram sérias: isso por aquilo. Se a “chegadinha” ao povoado era solitária, não deixava por menos: a “escapadinha” à “zona” para o “instante” com a mulher-da-vida, a “china” ou “chinoca”, era certa. “Nada como uma boa trepada”, dizia ele.

Nas grandes festas religiosas (Santa Cruz, Bom Jesus, do Divino Espírito Santo, entre outras), dos santos padroeiros das capelas (São Sebastião, São João, São Gonçalo, etc.), que eram erguidas aqui e acolá, ou nas datas de efemérides cívicas - quando respeitadas - é que se realizavam as cavalhadas, os rodeios e as manifestações grupais (hoje tidas como folclóricas), que honravam e preservavam as tradições étnico-culturais.

Na origem das danças no Extremo-Sul Brasileiro, em especial daquelas que, ouvindo nossos caboclos, foram trazidas para o Contestado pelos gaúchos rio-grandenses, como o tango, milonga, guarânia, polquita corrientina, bailado, chula, molambo e samba, destacamos a observação sobre a internacionalização dos ritmos musicais na Argentina, no Uruguai, no Paraguai e no Sul do Brasil:

Na progressão do caldeamento cultural e regional e na mistura, sempre mais rica do amálgama cultural conessulista, hoje já não se pode separar alguns ritmos musicais em função da sua natividade. Muitos deles vieram de fora, mas foram adaptados e modificados aqui. Outros nasceram aqui e ganharam notoriedade internacional. Entre eles estão o chamamé argentino, o bugio sulbrasileiro, a guarânia e a polca paraguaias, a vaneira ou chamarrita, que na Argentina se chama Rasguido Dobre e que nasceu na Centro-América, com os negros de Cuba e Haiti para depois penetrar na Espanha e Portugal, de onde veio para o Cone Sul da América (FRANCO, 1993, p. 211-212).

As primitivas danças rio-grandenses constituiam o repertório dos fandangos e as músicas tinham duas partes diferentes: as cantadas e as dançadas com sapateados. “O sapateado, a roda, as quadras declamadas, o bater palmas, os cumprimentos, o furtar-par e outros tempos de marcação tornavam estas danças muito animadas” (LAYTANO, 1952, p. 48).



3. 7 A Linguagem no Contestado antigo


A língua portuguesa sempre sofreu modificações na sua adaptação no Brasil. No tempo da Guerra do Contestado, até 1946, escrevia-se um palavreado que hoje chega a ser estranho, como, por exemplo: differente, offerecer, commercio, commum, annos, bello, collecção, attenção, catholico, theatro, pharmacia, ahi, physionomia, architecto, idéa, principaes, systema, exactidão, escriptos, etc.

O caboclo sempre aplicou muito a “lei do menor esforço”, numa cultura baseada mais no ouvir do que no ler, evitando os grupos consonantais que exigissem esforço nas pronúncias. No modo de falar ou nos escritos antigos, encontramos, genericamente, por exemplo: coroné (coronel), hôme (homem), táva (estava), in riba de (ao redor de), dotô (estudioso), devarde (debalde), inté (até), inguli (engolir), cumpade (compadre), orêia (orelhas), vortêmo (voltamos), trabáio (trabalho), mió (melhor), vancê (você), nóis (nós), tarvêis (talvez), truce (trouxe), entonce (então), prá (para), moiáda (molhada), muié (mulher), barúio (barulho), ficâmo (ficamos), sorto (solto), lúis (luz), das veis (às vezes), etc., sem contar: bebê, comê, andá, casá, cavalgá, assim tirando o “r” do final, da mesma forma como os índios desprezavam o “s” do final das palavras e aboliam o plural.

Para obter ou dar significados, o caboclo pardo criou ou adotou novas palavras, hoje integradas na sua cultura, destacando-se algumas expressões, como: voltiá (derrubar a rês), pitá (fumar palheiro), matrero (astuto), paleta (omoplata do animal), bombero (espião), metê o pau (criticar). Outros vocábulos foram adotados do vocabulário gaúcho, que por sua vez tinha muito de procedência árabe, como: açude (“ac-çude”, águas represadas por meio de taipas), alazão (“al-hasan”, vigoroso, forte, de pelo de cavalo), xaropear (“xarabe”, importunar, molestar), além de: charque, quintal, arroba, elixir, bairro, arrabalde, etc.

Lembramos as expressões e frases feitas no interior do Paraná, também aqui presentes: “Apagou o pito” (sossegou), “levou um sabão” (reprimenda), “ficar na moita” (à espera em silêncio), “soltar a língua” (não guardar segredo), “agarrar o mato” (ir embora), “num abrir e fechar dos olhos” (num instante), “metido a sebo” (intrometido), “metido a besta” (convencido), “teimoso pra burro” (muito teimoso), “fogo de palha” (inconstante), “arrumar sarna pra se coçar” (arranjar confusão), ao que acrescentamos: “agüentar o repuxo” (suportar a dor), “titica de galinha” (coisa sem importância), “barata tonta” (perdido, sem direção), “virar o fio” (brigar), “aborrido” (aborrecido), “em cima do muro” (neutro), “sujeito água morna” (fraco, indeciso), “isso vai dá bode” (vai dar confusão).

Do tropeirismo, o homem do Contestado herdou diversas expressões típicas, tais como: “Teimoso como uma mula”, “Deu com os burros n’água”, “Isso é uma burrice”, “Vou picar a mula”, “Você é uma besta quadrada”, “Isso é bom pra burro”, “Você disse uma besteira”, “Ele está emburrado” ou “Deixe de ser besta”. Herdou também algumas expressões curiosas, como: “Burro gosta de ouvir só o seu zurro”, “Burro com livro é doutor”, “Cada mula com a sua cangalha”, “Burro não se amansa, se conforma”, “Burro que muito zurra pede cabresto”, “Mula de orelha baixa é sinal de chuva”.

Do caipira paulista, o caboclo do Contestado adotou extenso vocabulário, que aqui tem idêntico significado, como observamos em Folclore Brasileiro – São Paulo (1980), de Hélio Damante: Banzé: confusão; cafundó: lugar distante, ermo, desértico; calombo: inchação, protuberância; catinga: mau cheiro, fedor intenso; chupim: aproveitador para si do que é dos outros; direito: sério, correto; estrupício ou estripulia: desordem, barulho; farofa: gabolice; faxina: limpeza; grana: dinheiro; levado: moleque, safadinho; moça: jovem, senhorita; mundana: mulher-da-vida; no mais: ademais, além disso; pamonha: lerdo, mole; pito: repreensão, advertência; puta: prostituta; quirera: coisa insignificante; rabeira: ficar para trás; sapeca: levado; supimpa: ótimo, excelente; tapera: casvelha, abandonada; trabuco: garrucha; e varar: atravessar.

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