sábado, 14 de fevereiro de 2009

Mudanças no Cenário Regional do Contestado

Mudanças no Cenário Regional do Contestado
Transformações Sociais – As vilas – A produção – A transição



No Centro-Oeste Catarinense, aconteceram duas frentes distintas de “entradas” de imigrantes: a primeira, iniciada ainda no final do Século XIX, adentrou pelas terras do Setor Setentrional da região do Contestado, alcançando as escarpas das serras do Espigão e da Taquara Verde, constituída por imigrantes poloneses, ucranianos, alemães e italianos, no meio rural, mais sírios-libaneses nas áreas urbanas; a segunda, começou depois de 1917, chegando ao Vale do Rio do Peixe e ao Alto Uruguai, caracterizada pela vinda de famílias italianas, alemãs e polonesas das colônias velhas do Rio Grande do Sul que, rapidamente, vizinhando com os homens “nacionais”, sobreviventes da Guerra do Contestado e agora chamados de “intrusos” pelo Governo de Santa Catarina, ocuparam as terras rurais e desenvolveram os núcleos urbanos.

Aqui, resumiremos o processo imigratório da Região do Contestado, ocorrido dentro da política de colonização, eleita para o povoamento do território anexado por Santa Catarina, fenômeno que perdurou até a II Guerra Mundial, mostrando a vida difícil dos colonos-pobres que, adquirindo terras das empresas colonizadoras, araram a terra selvagem e a fizeram produzir alimentos, e dos colonos-ricos que, nos povoados, desenvolveram a indústria, o comércio e os serviços. Desta forma, destacaremos os primeiros empreendimentos econômicos instalados na região, no decorrer das décadas de 1920 e de 1930, além daqueles voltados à extração e beneficiamento da madeira.



10.1 O Contestado e suas contradições



Aqui expomos o que se investigou sobre a História do Contestado e sobre a formação/educação do homem da região. Também expomos o que consideramos o movimento do capital, desde a abertura das redes viárias, até o conflito bélico também e principalmente causado pela construção da via ferroviária e da conseqüência impactada na população local, ou seja, a intervenção do Estado oligárquico, aliado ao capital estrangeiro, realizou uma ruptura total no que se refere à economia e à cultura.

O território livre caracterizava-se por um estado em que os homens se acham naturalmente com a liberdade de ordenar a convivência, as posses e as leis comuns. Para uma tentativa de entendimento mínimo sobre o impacto que causou a presença do capital numa região em que praticamente predominava o “estado natural” da população, era preciso entender como foi possível a propriedade privada, o mercado e o capital, sob os auspícios do Estado intervencionista, acarretar uma transformação radical na região e na população.

Buscamos em Lênin um referencial teórico que explique a situação dos caboclos na transição do território livre para a instituição do Estado com sua força militar, suas leis e suas políticas desenvolvimentistas em parceria com os monopólios estrangeiros. Parece-nos que a teoria que faça entender essa transição é a dos referenciais de esquerda. Sem entrar em discussões e debates mais aprofundados, podemos apelar a Lênin, que recorreu à História realizada pelos homens e percebeu como surgiu o Estado e como se desenvolveu. Para este autor, o Estado nem sempre existiu. Foi uma construção histórica. Houve tempo em que “o vínculo geral, a própria sociedade, a disciplina e a organização do trabalho se mantinham pela força do costume, das tradições, pelo prestígio ou pelo respeito de que gozavam os anciãos” (LÊNIN, 1980, p. 179). A seguir, o autor fala – fala, pois trata-se de uma conferência – que “[...] a história mostra que o Estado, como aparelho especial de coação, dos homens, surgiu apenas onde e quando surgiu a divisão da sociedade em classes, isto é, a divisão em grupos de homens, dos quais uns podem constantemente apropriar-se do trabalho dos outros” (LÊNIN, 1980, p. 179).

O Estado, conforme Lênin, fazia as leis, as executava e punia o não cumpridor. As leis, historicamente, eram escravistas, feudais e capitalistas. Obrigava os escravos a permanecer na escravidão; os servos na servidão; os trabalhadores subordinados aos capitalistas. Em termos simples: quando um grupo de homens sentiu-se forte e submeteu outros homens a seu serviço, havia necessidade absoluta de manter essa situação de subordinados; havia necessidade de leis e punições para que se reproduzisse o trabalho subordinado. Então, surgiu o Estado.

Retornando à nossa problemática de pesquisa, a primeira parte do estudo aborda a questão da educação escolar, que não traz maiores problemas para uma explicação da história da educação burguesa. Aborda, também, a vida, cultura e o pensar dos caboclos isolados no sertão, sob a questão de formação de homem. A explicação se dá por meio de uma vida levada em estado de quase natureza. Neste estado, existia um Estado superdesenvolvido, em fase monopolista, mas, sua ação não se fazia ainda sentir na vida dos campos e das matas. Ali, a população tinha seu próprio código de honra, de convivência e de trabalho. Ali, também, o capital e o mercado não faziam sentir sua força e dominação nas consciências e na vida do caboclo isolado.

Adiante, nosso trabalho remete a uma primeira questão: por que o grupo monopolista, após a construção da ferrovia e da instalação de potentes serrarias na região, não realizou uma plantation em suas propriedades: por que vendeu as terras para colonizadoras realizarem grandes projetos imobiliários?

A resposta de que a companhia não se deu bem ao trazer colonos estrangeiros não é argumento, porque o conflito armado interferiu profundamente neste projeto. Se abordarmos a questão da fronteira agrícola do Rio Grande do Sul encontrava-se já fechada e havia necessidade de abrir novas frentes, foi uma questão real. Mas, ainda não explica por que o grupo Farquhar desistiu de grande parte de suas propriedades. Por causa de sua iminente bancarrota? Pode ser. Mas, há outro aspecto a ser considerado e que se resume em poucas palavras.

O Sindicato Farquhar buscou recursos financeiros na Europa e na América do Norte, a fim de construir a ferrovia e instalar serrarias. Teria que buscar um segundo aporte de capital para fazer produzir uma plantation. Os acionistas, provavelmente, queriam o retorno e não investir mais capital. A forma encontrada foi a de vender as terras às colonizadoras, acumular um capital com a venda e reforçar o grupo e os acionistas com novo capital. De outro lado, o Estado tinha interesse na colonização. Esta foi a forma mais barata e mais rápida para fazer produzir as terras em mata.

Após esta explicação teórica, vamos a uma questão datada de 1850, a Lei de Terras. E como foi um ponto estratégico para a transformação da terra em mercadoria e, posteriormente, na incorporação do trabalho ao domínio da produção. A promulgação da Lei de Terras e a conseqüente transformação da terra em mercadoria, em 1850, foram uma reordenação jurídico-administrativa que deu suporte à incorporação de extensas matas à rápida produção de excedentes, via pequena propriedade de colonos.

Todo o movimento histórico do Contestado, especificamente as guerras no Contestado, tinham como pressuposto a incorporação da terra ao capital. O capital – uma vez hegemônico na região – tendo incorporado a terra (a propriedade da terra) ao movimento da sociedade capitalista, incorporou, pouco a pouco, também o trabalho assalariado. Dessa forma, cumpriu-se o movimento do capital: transformar a terra em feição de mercadoria e o trabalhador em mercadoria, em função de seu valor de troca. É o que José de Souza Martins denomina dois momentos históricos que ocorreram – os processos de expropriação e de exploração: “O quadro clássico do capitalismo nos mostra o capital se expandindo à custa da expropriação e da proletarização dos trabalhadores do campo, uma coisa produzindo necessariamente a outra” (MARTINS, 1980, p. 17).

Esse movimento de incorporação tem a ver com o Estado oligárquico brasileiro. Na Primeira República começaram a alterar “as funções e a própria estrutura do Estado Brasileiro” (IANNI, 1986, p. 25). O Estado oligárquico foi um Estado burguês, mas atuava com uma modalidade singular de organização do poder político-econômico “em termos de estruturas de dominação-subordinação” (IANNI, 1986, p. 25). Como tal, o movimento da sociedade capitalista em inícios do Século XX revela “a acentuação dos conteúdos burgueses”. Criando condições para o pleno desenvolvimento do Estado burguês, um sistema que “engloba instituições políticas e econômicas, bem como poderes e valores sociais e culturais de tipo propriamente burguês” (IANNI, 1986, p. 25).

É preciso ver que no Estado oligárquico, no Brasil, as burguesias, a agrária e a comercial, ligadas ao setor externo (exportação e importação), tinham controle exclusivo do poder político. A partir de 1930, perderam completamente o domínio do poder político federal e estadual (IANNI, 1984, p. 117). Isso significa que, a partir de 1930, ocorre o predomínio do setor industrial sobre o setor agrário. A reprodução do capitalismo passou a ser governada pela reprodução do capital industrial (IANNI, 1984, p. 117).

O estado oligárquico, vigente durante a Primeira República, em 1889-1930, é todo ele marcado pelo arbítrio dos governantes contra setores populares que se organizavam para reduzir a exploração; ou lutavam para avançar em conquistas democráticas. Muitos padeciam a violência oligárquica, sob a forma estatal e privada: os seguidores de Antônio Conselheiro, em Canudos; os seguidores de João Maria, no Contestado; colonos nas fazendas de café, quando realizavam greves protestando contra as condições de trabalho e remuneração; operários nas fábricas e oficinas, por ocasião de assembléias e greves; seringueiros na Amazônia, quando tentavam escapar das malhas da escravização organizada no sistema de aviamento; populares do Rio de Janeiro, em 1904, quando protestavam contra a vacinação obrigatória (IANNI, 1984, p. 14).

Na política iniciada por Campos Salles (1898-1902), seguindo à abolição da escravatura e à queda da Monarquia, organiza-se um novo bloco agrário, representado no Estado oligárquico que predominou durante a Primeira República: “Tratava-se de entregar cada Estado federado, como fazenda particular, à oligarquia regional que o dominasse, de forma a que esta, satisfeita em suas solicitações, ficasse com a tarefa de solucionar os problemas desses Estados, inclusive pela dominação, com a força, de quaisquer manifestações de resistência” (SODRÉ, 1962, p. 306).

É no final do século XIX e começo do século XX, na presidência de Campos Sales, que se inaugura a política dos governadores, mediante a qual a sustentação da presidência da República e, reciprocamente, dos governadores, se dava com base num sistema de trocas de favores políticos. Os governadores, por sua vez, operavam dentro do mesmo esquema através de um sistema de trocas com os chefes políticos do interior, os coronéis (MARTINS, 1981, p. 46).

Geralmente, entre o presidente ou o chefe estadual e a massa votante se interpunham os coronéis e então tinha ele de se entregar a um trabalho muito habilidoso com o fim de harmonizar e coordenar as diferentes correntes e influências de modo a se manter no poder. Este resultado era conseguido por meio de um pacto tácito: o governo não se metia no município onde o coronel tinha carta branca para fazer o que quisesse, e em troco recebia o apoio do coronel (QUEIROZ, 1986, p. 118).

A “política dos governadores”, que se impôs a Campos Sales, se acomodava na realidade existente, a do grupo municipal, que tinha por fulcro o coronel.

Era, em escala federal, a mesma combinação existente no plano estadual, entre os presidentes de estado e os coronéis: dá-me teu apoio e terás carta branca. Mas era também a única combinação capaz de manter a estabilidade de uma República, construída sobre a base precária e instável dos interesses particulares e das lutas municipais (QUEIROZ, 1986, p. 122-123).



10.2 Aspectos da imigração e colonização



A seguir, abordaremos alguns aspectos, dentre aqueles mais marcantes, dos primeiros momentos da imigração e da fase inicial do povoamento do Contestado pelas famílias egressas do Rio Grande do Sul.


10.1.1 Abertura de estradas

As empresas colonizadoras receberam do governo catarinense autorização para comercializarem as terras com o comprometimento da abertura de estradas rodoviárias que ligassem as sedes das colônias aos núcleos coloniais, tudo conforme o projeto de ocupação e povoamento de cada gleba contratada. Para cumprir a exigência, nas áreas mais afastadas, os colonizadores contratavam os primeiros compradores de terras, cedendo-lhes os próprios lotes em pagamento. “Não raro, os vendedores das terras prometiam abrir estradas que dessem acesso aos lotes rurais, porém, em geral, depois de receberem o pagamento, a promessa não se cumpria e os compradores se viam na contingência de construírem as próprias estradas. Alguns trabalhadores, em retribuição aos serviços prestados, recebiam terra dos proprietários em troca do pagamento” (ORO, p. 22).

As estradas eram abertas manualmente, à base da foice, machado, enxada, pá e picareta, atravessando as matas, geralmente com a largura de quatro metros no leito, ladeadas por desmatamentos de oito metros em cada lado, não podendo ter aclividade superior a 8%.

Isto era um trabalho muito pesado. Começava-se de manhã às seis horas e terminava-se à tarde depois das dezoito horas. Os trabalhadores faziam três refeições: pela manhã, antes de começar e à noite, depois de parar o trabalho. Ao meio-dia, fazia-se um pequeno intervalo para o almoço. A comida era sempre a mesma: feijão preto com charque e arroz acompanhado de café preto. Dormia-se em ranchos que eram erguidos precariamente à beira da estrada. Como não havia máquinas ainda, todos os trabalhos eram realizados com pás, enxadões e picaretas. Às vezes utilizava-se também machado e foice de roçar. Um bom trabalhador ganhava, por dia, 6$000 (seis mil réis), além da comida (SCHREINER, 1996, p. 60).

Foi desta forma que as terras do Contestado foram rasgadas por estradas rodoviárias. Afora aquelas que se tornaram importantes vias de ligação entre os povoados e foram transformadas em rodovias, as demais, existentes nas zonas rurais de todos os municípios da região, mantêm, praticamente, o traçado original.


As construções

Nas terras adquiridas, os recém-chegados, primeiro, construíam um pequeno galpão, com telhado tipo meia-água, provisoriamente coberto de palha e de folhas, para servir de paiol de milho. Enquanto esperavam a construção da moradia familiar, no galpão, faziam as camas, que consistiam em quatro estacas fincadas no chão e nas quais estavam fixadas as travessas. Em cima destas, eram deitadas várias varas de taquara e, por cima, uma grossa camada de folhagem de taquara seca que servia de colchão, ou então, dormiam em cima de grossos sacos de palhas de milho.

As casas, pequenas, eram retangulares, como os imigrantes já haviam adquirido experiência em fazer nas colônias rio-grandenses. Obtinha-se o retângulo reto, fazendo-se um triângulo com três pedaços de linhas, emendadas, sendo uma de três metros, a segunda de quatro e, a terceira, de cinco metros. Nos quatro pontos extremos marcados, cavava-se o chão e, nas covas, colocavam-se os cepos e, então, sobre eles, vinha toda a madeira, tanto da estrutura das paredes, como do assoalho e, depois, a cobertura, pois a casa era coberta com tabuinhas. “As construções, dada a grande quantidade de madeira, eram edificadas de pinho. A madeira, tanto as tábuas como as vigas, caibros e barrotes, eram serrados a mão com enorme sacrifício e desgaste físico” (ORO, p. 24). O tamanho era suficiente para abrigar cozinha, sala e quartos de dormir e, na maioria das casas, a varanda. Mais tarde, obtendo sucesso na nova vida, o imigrante construía outra casa, maior e adequada à sua cultura arquitetônica.

Pouco distante da casa, era cavado um buraco, que seria a fossa da instalação sanitária, conhecida como “latrina”, “patente” ou “casinha”, uma construção de madeira por cima da fossa, para uso individual. Também se fazia o forno de pão, construído com tijolos de barro amassado e seco, em formas de madeira e pacientemente assentados; o forno era queimado por dentro, com uma fogueira, durante várias horas e, por fora, secava ao sol. Mais longe, erguia-se um pequeno galinheiro, com tábuas lascadas de pinho. Os colonos com mais recursos construíam, ainda, a estrebaria e o chiqueiro. Possuindo animais, depois dos cercados para as criações, a próxima construção era a casinha de defumação de carnes. Ao mesmo tempo, um pedaço do terreno era preparado para receber as hortaliças.

Quando não havia água corrente nas proximidades, a água potável era buscada no sub-solo, preferencialmente junto às encostas de morros, identificando-se os veios com o emprego da “forquilha”, pelo qual se podia até saber sua profundidade. Cavavam-se profundos poços circulares até chegar às veias d’água que, no fundo, formavam reservatórios, sendo extraída em baldes içados por correntes ou cordas, com o emprego de manivela.


Preparo da Terra

Os imigrantes egressos das colônias velhas e novas gaúchas, que vieram ao antigo Território Contestado, valorizavam a terra e, por isso, aqueles que eram agricultores, muitas vezes, lançavam-se ao preparo das áreas destinadas aos plantios, antes mesmo de erguerem suas construções. Escolhida a área, o trabalho começava com a roçada dos arbustos maiores e seguia com o corte das árvores de maior porte. O fogo era a solução mais rápida para preparar o terreno a ser cultivado. Livre de ervas daninhas, em um dia de trabalho, com o terreno limpo, podia-se plantar uma quarta de semente de milho com plantadeira manual em roça de cerca de 7 mil metros quadrados, mas, no terreno de queimada, atulhado de troncos, a tarefa era mais fácil quando executada com bastão de madeira, com ponta de ferro, para fazer as covas.

Todo colono sabia da importância da rotatividade dos cultivos no uso do solo, pois, naquele tempo, não havia corretivos (calcáreo) e adubos químicos. Por isso, o solo recebia primeiro as sementes de trigo, cultura que exigia terra ‘forte’, instituindo- se a seguir a rotatividade com o milho e o feijão. Depois, introduziam-se o centeio, a cevada e a mandioca.



10.3 Bases do desenvolvimento econômico regional



As empresas colonizadoras, na maioria organizadas no Rio Grande do Sul durante o transcurso da década de 1920, tinham, como público-alvo dos seus propósitos, as milhares de famílias de colonos que eram despertadas para a possibilidade de adquirirem áreas de terras maiores do que aquelas que ocupavam em solo rio-grandense, por preços bem mais baixos e, sem dúvidas, aguçadas pelo espírito aventureiro da mudança que lhes viabilizaria fincar raízes numa outra terra, em desbravamento, onde tudo estava por se fazer, na promessa de novos tempos para seus filhos.

Com os traços europeus dos italianos, alemães, poloneses e ucranianos, outros agricultores, que vinham ocupando terras no Sul no Paraná e no Nordeste de Santa Catarina, ali instalados pelo Poder Público e por empresas particulares, igualmente atraídos pela propaganda das colonizadoras, também enxergavam o auspício de vida mais promissora nas colônias em implantação no Planalto Norte, no Vale do Rio do Peixe e no Alto Uruguai.

Enquanto que, na zona colonial do Rio Grande do Sul, caracteristicamente minifundiária e policultora, onde o valor de um colono era medido pelo volume da produção que ele tirava da terra e não pelo sobrenome ou pela dimensão da sua propriedade, no Contestado ainda reinava o consenso da ótica latifundiária e monocultora, pela qual se media a importância de uma pessoa pelo número de alqueires do seu imóvel ou pela patente na Guarda Nacional. Por isso, se num primeiro momento, um lote colonial, de 25 hectares (quase um alqueire), era considerado grande demais para apenas uma família agricultora, logo depois se mostraria pequeno diante do fenômeno da rápida multiplicação da prole, ao repetir-se, aqui, a acelerada expansão do grupo familiar, motivada pela necessidade de cada vez mais braços para a lavoura.

No Centro-Oeste Catarinense, as condições geo-morfológicas microrregionais diferenciam os tipos de terrenos e sua utilização para cultivos. Os do Planalto Norte, abrangendo os vales dos rios Negro e Iguaçu e os vales de seus principais afluentes, apresentam-se mais planos e férteis, proporcionando melhor rendimento do solo. A Sudoeste, mantendo relativas semelhanças, os rios tributários da Bacia do Uruguai salientam os relevos do Vale do Rio do Peixe e do Alto Uruguai, reduzindo sensivelmente o aproveitamento dos lotes. Neste último setor, os colonos se alojavam, em geral, em vales cujas encostas íngremes, aqui e acolá suavizadas por patamares, exigem imenso esforço para o tamanho da terra. As declividades acentuadas dificultam, inclusive, a manutenção de animais de tração nas propriedades, devido à exigüidade de superfícies adequadas ao apascentamento. Os vales do Planalto, a par da relativa uniformidade dos níveis das superfícies superiores, estão profundamente encravados. Apresentam mínimas extensões de “terraços e várzeas”, isto é, de superfícies mais planas de acumulação aluvionar, como as existentes em bacias do Leste Catarinense (LAGO, 1988, p. 289).

Neste ponto da História, recordamos que, imediatamente após a anexação do Contestado-Paranaense ao Estado de Santa Catarina, a partir de 1918, o Governo de Hercílio Luz tomou as primeiras providências para conceder a empreendimentos colonizadores particulares, a troco das abertura de estradas, o direito de lotear as terras que considerava devolutas, portanto, de propriedade do Estado, mesmo enquanto disputava com a Brazil Railway Company, na Justiça, os direitos sobre boa parte destas mesmas glebas, por ações que tramitaram até 1924. As questões fundiárias, que se arrastavam nos tribunais, inibiram o povoamento uniforme de todo o Contestado, uma vez que algumas áreas foram abertas à colonização antes de outras. Assim, já a partir de 1921, à medida em que as soluções jurídicas davam ganho de causa ao grupo norte-americano, este se mobilizava-se para dar início à colonização, sem esperar que o Estado legitimasse os títulos, com o que viabilizou o ingresso dos imigrantes já na primeira metade da década de 1920.

As vilas que se formavam junto às estações ferroviárias e os pequenos povoados abertos em clareiras na mata, nas proximidades dos escritórios avançados das companhias colonizadoras, atraíam o imigrante voltado para as atividades de natureza mais urbana, como da indústria, do comércio e dos serviços. Porém, os lotes, ditos “coloniais”, eram o endereço certo para a grande maioria, vocacionada para a agricultura e esperançosa em produzir rapidamente o necessário para seu sustento, bem como alguns excedentes que possibilitariam ao colono a aquisição de bens de capital e de consumo que ele não produzia.




10.4 Agricultura



A chegada dos agricultores imigrantes ao Alto Uruguai e ao Vale do Rio do Peixe, na maioria ítalo-brasileiros e teuto-brasileiros, assim descendentes de europeus egressos das colônias velhas rio-grandenses, mais os que vinham da Europa (alemães, italianos e poloneses) e os originários do Paraná e do Nordeste Catarinense, que se dirigiam ao Planalto Norte e Alto Rio do Peixe, nesta área incluindo-se os ucranianos e russos-alemães, adicionados aos primitivos caboclos que se prestavam para plantios, fizeram com que a Região do Contestado adentrasse a década de 1930 já como importante zona de produção agrícola.

Em toda a Região do Contestado, mesmo nas áreas destinadas à colonização, o maior impasse ao estabelecimento de colonos eram os densos pinhais que ocupavam o solo. Se isso foi fator de impedimento para os loteamentos minifundiários destinados à agricultura, por outro lado, os pinheiros chamaram a atenção dos proprietários das colonizadoras e de rio-grandenses e paranaenses mais abastados que, empreendedores por natureza, previram a expectativa da fortuna pela instalação da indústria madeireira.

No Planalto Norte, de colonização alemã, polonesa e ucraniana mais antiga, os principais produtos cultivados no início do Século XX, eram: aveia, centeio, cevada, fumo, alfafa, melancia, abóbora, milho, trigo, batata-doce, batata inglesa, mandioca, amendoim, arroz em casca, ervilha, feijão, lentilha, alho e cebola, além das hortaliças e das frutíferas, como laranja, limão e tangerina. Compondo a História do Paraná, em 1920, Manoel Francisco Correia anotou que “lavrador nacional planta milho, feijão, mandioca, arroz, batata doce e abóboras; o italiano, vinha, milho e hortaliças, principalmente; o polaco, centeio, fagópiro, linho, trigo e cevada; o alemão, centeio, batata inglesa, frutas e hortaliças, de preferência a outras culturas” (Apud RIOSENBERG, 1969, p. 108).

Pouco mais de dez anos depois da abertura das frentes de povoamento, os colonos que se instalaram no Vale do Rio do Peixe despontaram pela produção de: arroz em casca, linho, aveia, centeio, cevada, fumo, alfafa, melancia, abóbora, milho, trigo, batata-doce, batata inglesa, mandioca, amendoim, ervilha, feijão, lentilha, alho e cebola, além das hortaliças e das frutíferas, como uva, figo, maçã, pêra, laranja, limão, caqui e tangerina.

No Alto Uruguai, a produção agrícola inicial foi marcada com os cultivos de: milho, feijão, trigo, arroz em casca, batata-doce, batata-inglesa, mandioca, laranja, lentilha, cana-de-açúcar, alfafa, amendoim, além das hortaliças e das frutíferas, como laranja, limão, tangerina, bergamota e banana.

Praticamente estes mesmos produtos eram cultivados em Campos Novos e em Curitibanos, só que em menor escala, considerando que boa parte de seus territórios era coberta por pastagens naturais (como eram os Campos de Lages) e, nestes municípios, em latifúndios, os fazendeiros dedicavam-se bastante à criação de gado bovino.




10.5 Da pecuárias à agro-indústria



A pecuária era a mais antiga atividade rural produtiva da Região do Contestado, iniciada ainda quando da instalação das primeiras fazendas de criação de gado, competindo em importância apenas com a erva-mate e com o tropeirismo. Dos nativos porcos-do-mato e dos introduzidos porcos “Macau”, tratados a pinhão e milho, o homem do Contestado Primitivo retirava apenas a carne e a banha necessárias para seu sustento.

Sobre a produção de derivados de carne bovina e da banha suína, em Nhá Marica, Minha Avó (1969), Alvir Riesemberg lembra que, no Planalto Norte, onde a presença da colonização alemã vinha desde 1829, foi sensível a influência germânica, fato que ocorreria também nas primeiras colônias alemãs do Rio Grande do Sul, que começaram a surgir na mesma época.

Um setor da nossa alimentação que sofreu sensivelmente a influência alemã foi o das carnes, não só no modo de prepará-las, mas ainda quanto à sua conservação. A salsicharia quase tôda desenvolveu-se sob o influxo do imigrante alemão, a que se viria juntar mais tarde o do colono italiano. As salsichas do tipo de Viena e de Frankfurt, os chouriços de fígado e de sangue, as pastas de carne, a que os alemães davam, respectivamente, os nomes wienerwurst, loeberwurst, blutwurst, schmierwurst, assim como as linguiças e vários tipos de salames, tão comuns no Paraná, foram formas novas de preparar e conservar a carne curitibana, permitindo aumentar o rendimento das rêses. Temos a impressão de que a própria conservação da banha foi contribuição alemã aos usos do planalto. Ao menos no interior do estado, até tempo bem próximo, a gordura do porco era conservada sob a forma de toucinho, sobre fumeiros, sendo derretida no momento em que devia ser empregada. Era o costume português (RIESEMBERG, 1969, p. 109).

Nos primeiros anos do Século XX, além dos bovinos indispensáveis para a tração e para a ordenha, foram introduzidas novas espécies de suínos, muares, eqüinos, ovinos, caprinos e aves que, devagar, formaram os grandes rebanhos regionais, ainda utilizados conforme as necessidades dos criadores. Entretanto, na leitura dos relatórios dos censos do IBGE e em publicações avulsas, constatamos que, em volume e em renda, a pecuária bovina começou a perder força no cômputo regional, na medida em que as criações de suínos e outras atividades ocupavam a população e, já em 1940, dividia espaço com a agricultura e a indústria da madeira, praticamente em igualdade de condições.

Criar porcos, soltos, naquele tempo, era uma atividade alternativa que dava sustentação, não só aos fazendeiros e aos caboclos primitivos, como também aos primeiros colonos que chegavam à região e precisavam ocupar-se de outros afazeres além da lida com os suínos. Sobre a criação de porcos “baguás”, soltos nas matas, ouvindo antigos criadores do Sudoeste do Paraná, Ruy Wachowicz explica o processo, o mesmo que era utilizado no Meio-Oeste Catarinense:

Inicialmente, a quantidade de pinheiros no sudoeste era tão grande que quando chegava o inverno, as pinhas se soltavam e forravam o chão de pinhão, ficava até avermelhado em baixo das matas. Não era portanto de se admirar que no inverno o pinhão tornava-se o principal alimento dos porcos. Nesse sistema de criação, que os caboclos chamavam de porco alçado ou de porco plantado, o único trato que os animais recebiam era o sal. Os caboclos que tinham um pouco mais de capricho, construíam um mangueirão. À tardinha, jogavam um pouco de milho no mangueirão, o que atraía os porcos. Passavam a noite no local. De manhã, no dia seguinte, jogavam um pouco de milho fora do mangueirão fazendo com que os animais saíssem e ali no mato passavam o dia. [...]. Outros ainda, quando à tardinha jogavam milho para chamar os porcos para o pernoite, tocavam uma buzina, desenvolvendo nos animais um sistema de reflexos. Todos então corriam para o mangueirão (WACHOWICZ, 1985, p. 90).

Outro sistema de “engorda” dos porcos, largamente utilizada no Contestado, era o da “safra” anual. Os caboclos queimavam uma porção de mato, onde plantavam milho e, no ano seguinte, depois do “tempo do pinhão”, reuniam e conduziam os animais para o interior da roça, para engordarem e comer sal. Os porcos gordos maiores, depois de recolhidos pelos “safristas”, eram conduzidos até os compradores, instalados, geralmente, junto às vilas e cidades da região.

Num primeiro momento da História, as “tropeadas” de porcos xucros, criados soltos nas matas, eram feitas “a pé” pelos tropeiros, desde as origens até os mercadores ou os abatedouros do Rio Grande do Sul, do Paraná, de Santa Catarina e, até de São Paulo. A partir de 1911, abertas as estações ferroviárias, as conduções das criações passaram a utilizar os vagões da estrada-de-ferro, até que, com o advento das estradas rodoviárias, o caminhão transformou-se no principal meio de transporte.

A época era auspiciosa para o chamado “porco-tipo-banha” e, conseqüentemente, para as variedades rústicas existentes no Brasil, introduzidas pelos portugueses, em geral oriundas do continente africano. O porco “Macau” era uma delas, largamente utilizado nas colônias. Os óleos vegetais, à exceção do azeite de oliva, importado, eram praticamente inexistentes na cozinha dos brasileiros. Usavam-se, em geral, produtos diversos de plantas e semente oleaginosas em locais restritos, como o azeite de dendê no litoral do Nordeste, onde concentravam-se grandes estoques de descendência africana. A banha, enfim, era um produto de valor, inclusive para conservar alimentos nas áreas rurais e nas periferias urbanas (LAGO, 1988, p. 289).

As lavouras de milho plantadas pelos primeiros colonos na Região do Contestado viabilizaram o desenvolvimento sustentado da agro-pecuária a partir da suinocultura, agora tratada com o cereal, esta que, por sua vez, viabilizou a configuração do eixo agro-industrial no Centro-Oeste Catarinense, pela instalação das primeiras unidades frigoríficas de carnes suínas. Abastecendo-se nas pequenas propriedades rurais, as agro-indústrias desenvolver-se-iam paralelamente ao crescimento da agricultura e da suinocultura. “O binômio milho/porco era, pois, o caminho, embora estreito, para a viabilização da empresa colonizadora dos vales do Planalto, uma saída para evitar, em relação aos pequenos proprietários fundiários, a amarga perspectiva da prisão caboclizadora, legado da economia de subsistência”, expõe Lago (1988, p. 289).

A instalação de recém-chegados do Rio Grande do Sul ao Alto Uruguai e ao Vale do Rio do Peixe, a partir da década de 1920, nos povoados das colônias, nas vilas distritais e nas cidades-sedes de municípios, provocou, gradativamente, a abertura de estabelecimentos voltados à industrialização da riqueza animal, mais do que no Planalto Norte e no Planalto de Campos. As primeiras propriedades rurais minifundiárias da região caracterizavam-se por conter, simultaneamente, as lavouras, o potreiro e a estrebaria, o chiqueiro e o galinheiro.

Complementando a produção das lavouras e das criações, também já era substancial a produção, nas pequenas propriedades rurais, de leite in natura, ovos, mel e cera de abelhas silvestres, carnes de aves (galinhas) e de ovelhas, e sabões à base de gorduras. Entretanto, esta produção destinava-se mais para o consumo interno, com vendas a terceiros apenas dos excedentes. Junto às estações ferroviárias, estabeleceram-se mercadores que adquiriam os produtos dos colonos e os remetiam, através do trem, para os mercados consumidores.

As atividades da pecuária foram as propulsoras da formação da indústria de alimentos à base da produção animal na Região do Contestado já a partir da década de 1930, quando os municípios começaram a se destacar pela industrialização de carnes de bovinos e de suínos, principalmente, mesmo em caráter artesanal. Os principais produtos fabricados antes da entrada em operação de frigoríficos voltados às carnes refrigeradas e congeladas, eram: banha de porco, lingüiças e salsichas não enlatadas, presuntos, toucinhos salgados, salames, charque, queijos e manteiga.

Não podemos esquecer que a agro-indústria, calcada na riqueza animal, instalada na “Zona Colonial do Rio do Peixe” ou “do Meio-Oeste” (como o IBGE classificava o Alto Uruguai e o Vale do Rio do Peixe juntos), não surgiu aqui por acaso. Nas colônias velhas rio-grandenses, tanto alemãs, como italianas, na época inicial da colonização do Contestado, já proliferavam os frigoríficos instalados em cidades, vilas e povoados, dedicados à industrialização dos excedentes das propriedades rurais e concorrendo em importância com as vinícolas, os moinhos e os curtumes. Eram conhecidos, nos anos da década de 1920, o “salami”, a “mortadelle”, o “lombi” o “prosciutti”, o “ossocolli”, o “strutto”, a “carne affumicatta”.

Com a multiplicação de rebanhos suínos, alguns empreendedores lançaram-se à criação de estabelecimentos destinados à industrialização dos produtos agro-pecuários aqui mesmo, no então sonho de abrir mercados para a produção regional de produtos acabados. Várias foram as “fábricas” dessa natureza, algumas que sucumbiram por motivos variados, e outras que, não apenas sobreviveram, como progrediram.

Se o milho não faltava, muito menos os alimentos suplementares, também ricos em carboidratos, como a mandioca, a batatinha, a abóbora, que não encontravam mercados compradores. A idéia de converter o máximo de produtos agrícolas em carne suína formigava na cabeça de muitos empresários e colonos.

O passo seguinte a ser dado: criar indústrias de alimentos concentrando, pois, em espaços urbanos, tecnologias que eram, em parte, dominadas pelas famílias de colonos italianos e alemães, tradicionalmente apreciadores da carne de porco e de uma constelação de produtos e derivados. A rede de suprimento de matéria-prima industrial estava disponível e a qualidade da mão-de-obra industrial era indiscutível e abundante (LAGO, op. cit., p. 291).

Surgiram no Oeste e no Vale do Rio do Peixe os primeiros frigoríficos, os quais foram antecipados pelos moinhos e serrarias madeireiras. A indústria alimentar catarinense nos anos futuros terá nos estabelecimentos processadores da banha e carnes suínas um dos principais componentes da agroindústria e mesmo do setor industrial em geral (CUNHA, 1982, p. 158).




10.6 Indústria



Em 1940, a Região do Contestado apresentava-se representada pelos municípios de Mafra, Itaiópolis, Canoinhas e Porto União (no Planalto Norte), Curitibanos e Campos Novos (no Planalto Serrano Central), Caçador e Cruzeiro (no Vale do Rio do Peixe) e Concórdia (no Alto Uruguai). O processo de colonização, iniciado há cerca de vinte anos antes, estava em adiantado estágio e estes municípios, além de abrigarem as respectivas sedes municipais, contemplavam a existência de dezenas de distritos, formados a partir dos núcleos coloniais pioneiros.

Se o grande número de imigrados, que povoavam as zonas do Alto Uruguai e do Vale do Rio do Peixe, eram oriundos do Rio Grande do Sul, no Planalto Norte a imigração registrava muitas pessoas vindas das colônias do Paraná e do Nordeste de Santa Catarina. Já a região de campos, estruturada em latifúndios, voltados à criação de gado bovino, quase não recebia imigrantes, com exceção da zona ocidental de Campos Novos, margeada pelo Rio do Peixe.

Ao contrário da primeira impressão que se tem, quando se fala de “colonização”, uma boa parcela dos imigrantes não eram “colonos”, ou seja, agricultores, e sim, profissionais liberais, como médicos, advogados, farmacêuticos e engenheiros, mais praticantes de diversos “ofícios” (ou profissões da área dos serviços), comerciantes lojistas, hoteleiros e pequenos industriais. Os povoados, as vilas e as cidades cresciam na medida em que a nova população se instalava e seus estabelecimentos econômicos prosperavam, geralmente dispondo de produtivas “linhas coloniais”.

No início, para suprir suas necessidades, além do aproveitamento da primitiva produção, destinada para consumo próprio, o Alto Uruguai e o Vale do Rio do Peixe abasteciam-se de produtos que vinham de trem, de São Paulo, do Paraná e do Rio Grande do Sul, ou, via rodoviária, das cidades do Norte e Noroeste do Rio Grande do Sul, atravessando o leito do Rio Uruguai. Com o passar dos anos, imigrantes italianos, alemães e poloneses (que constituíam a maioria), ao lado de alguns caboclos, mais evoluídos, começaram a montar estabelecimentos voltados à indústria de transformação e de serviços acessórios à indústria.

Foi na década de 1930, que começaram a surgir os primeiros estabelecimentos da ainda incipiente indústria de transformação, ou “indústria fabril”, como era chamada, praticamente a partir da produção colonial regional. Estes revelavam-se geralmente como moinhos coloniais (de cereais), torrefações de café, fábricas de vinhos, cervejas, gasosas e licores, charqueadas, frigoríficos e fábricas de banha e lingüiças, olarias para a fabricação de telhas e tijolos de barro, curtumes, fábricas de queijos e manteigas, fábricas de carroças, de correias, de cola, de ladrilhos e panificadoras. Imigrantes mais abastados desenvolviam também, de forma associada e complementar, atividades de comércio, varejista e atacadista, assim sugerindo aglomerados que, mais tarde, avançariam em movimento e se transformariam em notáveis empreendimentos.

Rapidamente, a produção agrícola regional começou a ser beneficiada. Da Produção animal, faziam-se: banha de porco, cera de abelha, couros secos e salgados de bovinos, charque, lã, leite, manteiga, mel de abelha, ovos, peles de caprinos, requeijões, sebo, solas, toucinhos, chouriços, lingüiças e salames e, ainda, eram aproveitadas as crinas, penas e plumas. Da produção agrícola, além de bebidas, vinagres, faziam-se: fumos em cordas e rolos, polvilhos, farinhas de centeio, de mandioca, de milho e de trigo. Lembramos a erva-mate, que se constituía num dos principais produtos regionais, tanto para consumo local como para exportação, que era preparada em engenhos caseiros e semi-industriais.




10.6.1 Indústria madeireira



O “ofício de serrar árvores” de ontem – a “indústria da madeira” de hoje – já estava presente na Região do Contestado no final do Século XIX, representado por alguns engenhos-de-serra, rudimentares aparelhos movidos a água que, instalados em fazendas, produziam melhores peças do que as vigas, tábuas, ripas e tabuinhas até então obtidas manualmente por simples clivagem. O processamento de madeiras em larga escala iniciou-se, aqui, com a introdução da Southern Brazil Lumber and Colonization Company, em Calmon (1908) e, imediatamente a seguir, em Três Barras (1912), com o acionamento das serras movidas a vapor.

Com os planos de colonização da Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, a contar de 1917, começaram a chegar à região cada vez mais levas de imigrantes e, com eles, os primeiros empresários da indústria, apostando no lucro com a extração e serra das exuberantes árvores que formavam o complexo da cobertura vegetal da Floresta da Araucária. Como a atividade só era viável onde houvesse meios de transporte para o pronto escoamento da produção de madeiras, na década de 1920, as primeiras serrarias localizaram-se no interior dos pinhais e o mais próximo possível das estações ferroviárias.

No decorrer dos anos de 1930-1950, a indústria madeireira expandiu-se vertiginosamente, constituindo a principal atividade econômica do Alto Vale do Rio do Peixe e do Planalto Norte Catarinense. Foi o tempo em que Caçador ficou conhecida como “Capital da Madeira” e em que a Rede de Viação Paraná-Santa Catarina - RVSPSC, autarquia federal resultante da encampação e transformação da antiga EFSPRG, obtinha desta atividade mais de 80% das suas receitas com o transporte de cargas na região, onde as estações de Caçador, Canoinhas e Três Barras destacavam-se nos volumes de embarques de madeira serrada.

Na medida em que mais e mais imigrantes chegavam ao Contestado, a par da produção agrícola e pecuária, outras atividades industriais também despontaram nos núcleos coloniais, nas vilas e nas cidades, principalmente no Médio e Baixo Vale do Rio do Peixe, no Alto Uruguai e no Vale do Iguaçu, como os gêneros industriais de alimentos e de bebidas. Entretanto, a industrialização da madeira bruta manteve a primazia em importância econômica na região, adicionada pela indústria do beneficiamento, até entrar em declínio, a partir dos anos de 1960 em algumas áreas e, de 1970 em outras.

Ainda alguns anos antes de iniciar o declínio da produção nos eixos tradicionais, pelo esgotamento das reservas naturais de pinheiros, houve incremento na produção madeireira nos Campos de Curitibanos, área de extração e serra de pinheiros favorecida pela introdução dos caminhões e pelos melhoramentos nas vias rodoviárias que a ligavam aos portos marítimos e aos principais centros consumidores do País.

A desenfreada corrida às milhões de araucárias, às imbuias, aos cedros e às canelas, desde 1920, sem as mínimas intenções de reposição arbórea, fez com que, entre 1980 e 1990, praticamente se encerrasse o ciclo produtivo de madeiras à base do pinho brasileiro em toda a Região do Contestado, onde somente sobreviveram os empreendimentos que, diante da escassez de matéria-prima, em tempo hábil, providenciaram reflorestamentos, utilizando espécies exóticas, bem como aqueles que partiram para a agregação de valores, abrindo o leque produtivo para a fabricação de pasta mecânica, celulose, papel, papelão, móveis, esquadrias, assoalhos, forros, palitos, cabos, caixas e outros derivados.



10.7 Comércio e Serviços



As atividades econômicas genericamente enquadradas como “comerciais”, no final da década dos anos de 1930, dividiam-se em: casas de secos e molhados, casas de gêneros alimentícios, casas de fazendas e armarinhos, relojoarias e joalherias, farmácias, bar e bilhares, botequins, sorveterias, papelarias e livrarias, açougues, agências de automóveis, bicicletas e motocicletas e ateliers fotográficos.

No setor lojista, havia o destaque para os mercadores e mascates, muito representados pelos “turcos”, como eram chamados os imigrantes sírio-libaneses que, adentrando pelos trens da estrada-de-ferro, traziam mercadorias de São Paulo, Ponta Grossa e Curitiba, principalmente, para vender nas comunidades. Ainda no final da década dos anos de 1920, alguns destes descendentes de árabes instalaram-se com lojas (que vendiam de tudo um pouco) próprias nas cidades da região, como em Mafra, Canoinhas, Porto União e Caçador, constituindo-se nos seus principais comerciantes. A conhecida “colônia árabe” também atraiu “patrícios” que, a partir da década de 1930, investiram em estabelecimentos industriais e de serviços.

Dentro da área dos “serviços”, enquadravam-se: transporte rodoviário de cargas e de passageiros, caixeiros despachantes, hotéis, dormitórios, pensões, selarias, restaurantes, agências e correspondentes bancários, oficinas mecânicas, sapatarias, funilarias, ferrarias, alfaiatarias, barbearias, tinturarias e lavanderias.



10.8 População


Cada município evoluiu, no decorrer do tempo, de acordo com seus próprios fatores sociais, culturais, políticos e econômicos, que marcaram o desenvolvimento interno.

No período de 30 anos, compreendido entre 1920 e 1950, enquanto o Estado de Santa Catarina apresentou um crescimento populacional de 135%, passando de 668.791 para 1.562.862 habitantes, na Região do Contestado o aumento populacional foi de 320%, ou seja, quase 2,5 vezes superior, saltando de 93.328 (em sete municípios) para 390.373 habitantes, distribuídos em 15 municípios. Este fenômeno temporal explica-se pela coincidência entre a redução da imigração européia nas colônias da Serra-Abaixo e o período do auge da colonização por rio-grandenses em alguns dos municípios na Região do Contestado.

Na década de 1940, a região apresentava-se dividida em quatro zonas fisiográficas: a denominada de “Campos de Curitibanos”, reunia Curitibanos e Campos Novos, com 15,97% da população; a do “Rio do Peixe” compreendia Caçador, Videira, Tangará, Joaçaba, Herval d’Oeste, Capinzal e Piratuba, reunindo 40,67% dos habitantes da região; a do “Alto Uruguai” compreendia apenas Concórdia, com 12,30%; e a do “Planalto Norte” reunia Mafra, Itaiópolis, Papanduva, Canoinhas e Porto União, com 31,06% da população.

O maior índice de crescimento populacional entre 1920 e 1950 foi, portanto, nos municípios criados ao longo das margens do Rio do Peixe, que saíram praticamente de zero na Guerra do Contestado, registrando 13.335 habitantes em 1920 e 158.786 em 1950.

Panorama da População dos Municípios da Região do Contestado
com base nos dados do Recenseamento Geral de 1920 e 1950

Município População População
da Região em 1920 em 1950

Curitibanos 12.673 32.597
Campos Novos 16.938 29.731
Canoinhas 20.801 36.594
Mafra 10.845 25.472
Porto União 12.068 24.601
Itaiópolis 6.668 18.616
Joaçaba 13.335 48.299
Concórdia - 48.014
Caçador - 23.723
Videira - 23.625
Capinzal - 13.935
Tangará - 13.359
Piratuba - 12.620
Papanduva - 15.962
Herval d’Oeste - 7.263
TOTAL 93.328 390.373
TOTAL SC 668.791 1.562.862

Fontes: IBGE, Recenseamento Geral de 1920 e de 1950, apud IBGE, 1960
PIAZZA, 1983:602-603.

Com relação à população dos municípios da Região do Contestado, em 1955, já em número de 15 (com a criação de Papanduva e Herval d’Oeste), dispomos igualmente dos números do Recenseamento Geral do IBGE de 1950. Da população total de cada um, destacamos o número de habitantes nas sedes distritais e municipais (população urbana e suburbana) e na zona rural. Já a densidade demográfica mostra que os municípios com maiores áreas de criação de gado, Curitibanos, Campos Novos e Porto União (este incluindo os Campos de São João), eram os mais despovoados, enquanto que o índice era muitas vezes maior nos municípios em que houve a colonização com imigrantes.

Somando 30,80% da área geográfica estadual, a região possuía apenas 24,97% da população. A distribuição dos habitantes, aqui, era de 16,87% nas sedes de vilas e cidades (no Estado era 23,36%) e de 83,13% no meio rural (no Estado a média era 76,64%). Mafra e Caçador eram os únicos com mais de 30% da população residente em quadros urbanos. Pelo quadro acima, também temos que a densidade demográfica na Região da Contestado (13,5 habitantes por km²) estava abaixo da média do Estado (16,6 km²/hab.).


Panorama dos Municípios da Região do Contestado em 1955,
com base nos dados do Recenseamento Geral de 1950


Município Área Densidade População População População
da Região Km² Hab./Km² Total Urbana Rural

Curitibanos 5.250 6,208 32.597 3.181 29.416
Campos Novos 3.080 9,553 29.731 3.326 26.405
Canoinhas 3.018 17,414 36.594 9.034 27.560
Mafra 1.594 15,980 25.472 9.242 16.230
Porto União 2.588 9,506 24.601 7.180 17.421
Itaiópolis 2.077 8,963 18.616 1.121 17.495
Joaçaba 4.238 11,397 48.299 9.211 39.088
Concórdia 1.456 32,977 48.014 3.742 44.272
Caçador 1.484 15,986 23.723 8.032 15.691
Videira 938 25,186 23.625 4.569 19.056
Capinzal 694 20,079 13.935 1.868 12.067
Tangará 631 21,171 13.359 1.966 11.393
Piratuba 386 32,694 12.620 1.790 10.830
Papanduva 1.203 13,268 15.962 936 15.026
Herval d’Oeste 273 26,604 7.263 667 6.596
TOTAL 28.910 13,50 390.373 65.865 324.508

TOTAL SC 93.849 16,65 1.562.862 365.077 1.197.785

Fonte: IBGE, Recenseamento Geral de 1950, apud IBGE, 1960





10.9 Ruptura e Transição



Dessa forma, o movimento histórico do capital na Região do Contestado revela uma política econômico-social coerente com o Estado intervencionista associado aos grupos monopólicos estrangeiros; revela a ruptura nos costumes e na forma de viver e trabalhar da população; revela, ainda, a transição de uma época de poucas escolas e de formação de homem para uma política educacional de atendimento à população, já na época da colonização em marcha.

Em meio à crise causada pelo impacto do estado, do capital e dos problemas econômicos, o homem do Contestado provocou comportamentos de reação. Uma análise histórica revela que a reação dos caboclos espoliados baseou-se num saudosismo transfigurador, uma utopia retroativa. Tratou-se de uma valorização do passado, em que não havia exploração e expropriação: a época monárquica, idealizada pelos caboclos como uma época em que não havia mortes e violências; correlata vai a idéia de que a República trouxe o Estado opressor. Uma segunda reação fundou-se na experiência de luta, tirada do passado, como por exemplo, a formação dos Doze Pares de França e São Sebastião guerreiro. A terceira reação assentou-se numa cimentação religiosa: os monges e sua religiosidade popular. No entanto, as causas da reação foram a exploração e a espoliação do espaço caboclo pelo grupo monopólico associado ao Estado.

Escapou ao homem do Contestado a obtenção dos alimentos – coleta, caça e pesca; agora, tudo virou mercadoria. Passou-se de uma economia quase auto-suficiente do caboclo e, também, do fazendeiro para o âmbito da economia capitalista. Nesta nova situação, o homem do Contestado, sem poder persistir na sua economia de níveis mínimos, tem que comprar todos os seus víveres, alterando substancialmente sua dieta. Tem que comprar, igualmente, a sua educação escolar. Em conclusão, ele consegue persistir, em alguns aspectos de seu equipamento cultural – incluídas a educação (para os fazendeiros) e a formação (para os caboclos) – e das formas sociais, oriundas de período anterior. O outro fato é que vive formações novas, oriundas do impacto do mercado que abateu todas as estruturas velhas. O mercado realizou a incorporação progressiva da população na esfera moderna, dominada pela propriedade, pelas leis do estado, presentes por toda a região, pela introdução do trabalho assalariado e pela maior dependência em relação aos centros urbanos.

A revolução de 30 assinala a transição para uma época na qual se dinamizam processos econômicos, políticos, culturais, demográficos e outros tais, como os seguintes: industrialização, urbanização, sindicalismo estatal, intervencionismo governamental crescente na economia, fortalecimento do aparato estatal, principalmente do executivo. Devido à “nova” configuração das classes sociais urbanas e às suas relações de força, o Estado começa a expressar um novo arranjo de classes: burguesia cafeereira, comercial, industrial e imperialista, em associação com setores da classe média e operários (IANNI, 1984, p. 16).

A Ocupação do Território Contestado após 1917

A Ocupação do Território Contestado após 1917
Questões de terras – Empresas colonizadoras – Imigração – Colonização




9. 1 A intervenção monopolista e imperialista no Contestado



A Guerra do Contestado coincidiu com a I Guerra Mundial. Uma nova roupagem do capitalismo – monopolista e imperialista – adentrou com força no Contestado. A ruptura foi social e cultural. No sentido em que, ao olhar do opressor, uma determinada população (a cabocla, luso-brasileira, que não presta), foi fadada ao desaparecimento, para viabilizar sua substituição por outra (de imigrantes, colonos, trabalhadores), dos primeiros restando alguns sobreviventes. A limpeza da área foi radical. Foi uma guerra de extermínio.

O rompimento das relações antigas de um espaço geográfico amplo e de um território livre deu-se quando os caboclos tiveram que conviver com a modernização do território, mediante a ação firme e resoluta do Estado intervencionista (brasileiro, paranaense e catarinense) e de investimentos de capitais estrangeiros (presença do Imperialismo no coração do território livre).

O caboclo cinde-se como ser humano. A divisão se manifesta através da intervenção do poder monopolista, amparado pelo Estado, pelo poderio econômico e pelos fazendeiros. A construção da ferrovia, as madeireiras e a colonização estrangeira modificam as relações sociais da comunidade cabocla com os invasores de seu território livre. O rompimento do mundo livre (a terra, a vida e a irmandade) para um mundo de opressão, que começa com a pilhagem de suas terras e de seu território e termina com a intervenção sanguinária do braço armado de civis e militares, passando pelo controle do poder político, do deslocamento dos direitos individuais para a opressão do Estado, do deslocamento de idéias e vida próprias ao território livre para idéias e forças que vinham de fora e se instalaram como forças armadas no espaço dos caboclos, espaço reconhecido pela Lei de terras de 1850.

A partir da conquista armada e da modernização feitas pelo poder estatal e monopolista, o caboclo foi afastado do desenvolvimento, passando os benefícios do progresso para os fazendeiros e, posteriormente, para os colonizadores. No fundo, o poder político controlava o progresso e o povo – como já o realizara antes nas diversas revoluções abafadas – com a idéia positivista de que somente os homens que superaram o estágio religioso e metafísico e atuam no estágio positivo, conseguem realizar o desenvolvimento e o progresso, nem que isso exigisse a guerra e a limpeza da área. Em outros termos, somente os homens do Estado, os do capital estrangeiro, os fazendeiros e os agricultores experientes da colonização conseguem o progresso. É um pensamento próprio à Velha República.

Assim, o pensamento religioso, popular e fanático do caboclo – fundamental para seu equilíbrio social – devia desaparecer com o extermínio dele próprio. A religiosidade institucional será vitoriosa quando se modifica o território, colocando ali os colonizadores do progresso. A formação arcaica da comunidade cabocla devia ser superada pela educação escolar dos filhos dos colonos, uma educação adaptada á sociedade burguesa.

O homem do Contestado, primitivo, foi cindido pela guerra e substituído pelo homem colonizador, o homem-colono de um novo ambiente rural, produtor, que a seguir será o moderno, o industrialista, o urbano. Neste processo de expansão do capitalismo, a educação escolar vai se desenvolver timidamente em todo o Planalto Catarinense – agora “antigo” Território Contestado – que hoje encontramos sub-dividido em quatro regiões homogêneas internamente: Planalto Norte, Zona de Campos, Zona do Rio do Peixe e Zona do Alto Uruguai.



9. 2 Os planos de colonização do Oeste Catarinense



A linha (curso) da foz do Rio Canoinhas (no Rio Negro) às suas nascentes e destas às nascentes do Rio do Peixe até a sua foz (no Rio Uruguai) passou a ser considerada como “fronteira provisória” entre os estados litigantes em 1879. No final do século passado e início deste, o Paraná administrou e promoveu a ocupação das terras do Planalto Norte e da margem direita do Rio do Peixe, e Santa Catarina as terras da margem esquerda.

O Estado de Santa Catarina encontrou muitas dificuldades para desencadear seu plano de povoamento nas terras que lhe foram anexadas por força do acordo de limites com o Paraná, à vista da sobreposição de títulos sobre as glebas demarcadas e destinadas à colonização. Como grande parte dos imóveis haviam sido legitimados pelo Paraná, antes de 1916, tanto à Companhia Estrada de ferro São Paulo-Rio Grande (EFSPRG) como a fazendeiros e a especuladores paranaenses, as questões foram levadas aos tribunais. O Governo Catarinense perdeu todas as ações judiciais movidas contra a companhia.

O Governo de Santa Catarina escolheu como sistema de colonização do Território Contestado a cessão de imensas glebas de terrenos devolutos a particulares, preferencialmente àqueles que compartilhavam o poder político e se propunham à abertura de estradas, titulando-lhes, em parte, as mesmas terras que o Paraná havia concedido à EFSPRG. As ligações rodoviárias foram eleitas como de fundamental importância para a integração catarinense.

Após a guerra de extermínio ao caboclo, efetivamente, o surto de desenvolvimento econômico na Região do Contestado começou quando da chegada das primeiras levas de imigrantes europeus, alemães, italianos, poloneses e ucranianos, e de descendentes de imigrantes, na maioria ítalo-brasileiros e teuto-brasileiros, que vieram, tanto para explorar a floresta, em latifúndios, implantando a indústria da madeira, como trabalhar na agricultura, em minifúndios. Entre outros resultados, a partir da década de 1920, sobressaíram-se a indústria madeireira e o modelo agrícola minifundiário e policultor, que gerou a agroindústria.


9. 3 Isolamento do caboclo luso-brasileiro



O término da Guerra do Contestado não foi o fim da violência na Região do Contestado, pois ela não acabou com o homem do Contestado. Vencidos na guerra, rendidos e derrotados, envergonhados, tendo sido processados e presos, centenas de caboclos voltaram aos seus pontos de origem, condenados pela opinião pública e discriminados pelos rótulos imperialistas. Evitaram contatos, internaram-se nos sertões, fugiram das cidades e distanciaram-se da civilização.

Depois de 1918, iniciado o processo de colonização nas terras demarcadas pela Brazil Railway Company, através da Companhia Estrada de Ferro, da Lumber e da Brazil Development Company, centenas de famílias caboclas continuaram ocupando áreas que consideravam livres... e áreas das suas antigas terras, que tinham como devolutas. Gradativamente foram sendo, de novo, sumariamente expulsas, na medida em que a ânsia de madeireiros avançava sobre os pinhais nativos, em que as levas de imigrantes se instalavam nas terras que pensavam ser suas e, na medida em que a gula de fazendeiros estendia suas cercas de arame farpado até limites a perder-de-vista.

Nas décadas de 1920 e 1930, em praticamente todas as glebas destinadas à colonização, encontravam-se famílias luso-brasileiras, ali moradoras desde há muitos anos, abrindo-se uma nova frente de conflito, pois alguns colonizadores – não todos – ameaçaram expulsá-las, com o uso da força policial, ou mesmo, através de capangas e capatazes.

Em tempos recentes, de outros e novos conflitos e entreveros, registrados entre posseiros e grileiros, entre facções coronelistas, entre forças políticas e militares, mais de uma vez o caboclo reagiu ao seu modo, de novo não hesitando em apelar ao emprego do instrumento que, no passado, tanto lhe ensinaram usar e impregnaram na sua cultura: a violência, a impetuosidade, o uso da força bruta braçal, algo típico dele, uma das poucas armas que restaram ao seu alcance. E o que é "violência", senão força bruta, grande impulso ou ímpeto? E o que é "ser violento", senão ser impetuoso, agitado, tumultuoso, fogoso, intenso, referindo-se àquele que atua com força? Só com estas características o primitivo homem do Contestado conseguia viver (e sobreviver) no seu cotidiano nesta "terra-de-ninguém".




9. 4 Terras para colonização



Para a construção de uma estrada de ferro entre Itararé (em São Paulo) e Santa Maria (no Rio Grande do Sul), em 1889, inicialmente, o Império do Brasil cedeu à parte interessada, gratuitamente, terras nacionais e devolutas, mesmo as compreendidas dentro de sesmarias e posses, numa zona máxima de até 30 km para cada lado do eixo da ferrovia

A concessão para a construção da ferrovia foi confirmada pela República em 1890, mas retificada em alguns pontos. Mesmo assim, manteve os incentivos à construção, principalmente o que incluía a doação de terras, só que, agora, ao invés da faixa de 60 km de largura, reduziu-a para 30 km.

Depois, reduzindo a linha para até o Rio Uruguai, fixou a concessão como sendo o equivalente a uma área cuja superfície deveria ser igual ao produto da extensão quilométrica multiplicada por 18, ou por nove quilômetros de cada lado do eixo da linha, desde que os terrenos escolhidos e demarcados se situassem dentro de uma zona com extremos, no máximo a até 15 km do mesmo eixo. A extensão do trecho Itararé-Rio Uruguai era de 883 quilômetros, que multiplicados por 18, resultavam numa área de 15.894 km². Fazendo as devidas contas, a companhia teria direito, então, a nada menos do que 1.589.400 hectares, ou a 656.778 alqueires paulistas, ou a 65.523 colônias.

Do total dos 883 quilômetros da extensão Itararé-Rio Uruguai, 511 km ficavam dentro do território do Paraná e 372 km na região contestada pelos Estados do Paraná e Santa Catarina. Na época da inauguração da estrada, em plena questão de limites, as terras da margem direita do Rio do Peixe eram administradas pelo Paraná, através dos municípios de Porto União da Vitória e de Palmas, enquanto que as da margem esquerda (por onde passaram os trilhos) estava sob controle de Santa Catarina, pelos municípios de Curitibanos e de Campos Novos. Assim, as reclamações da Brazil Railway Company se dirigiram ao Estado do Paraná, reivindicando a entrega de 9.198 km² de terras, correspondentes aos 511 quilômetros integrais da linha em seu território e, mais 3.348 km² da sua metade ocidental na Região do Contestado, e se voltaram a Santa Catarina, na reivindicação de 3.348 km² dos terrenos marginais orientais ao longo do Rio do Peixe. Do total dos 15.894 km², então, 6.696 km² estavam no Contestado, representando 276.694 alqueires.

A Companhia respeitou muitas posses antigas, e seus agrimensores demarcaram então as terras tidas como abandonadas, sempre ao longo da faixa dos trilhos e na área máxima de até 30 quilômetros. Terminadas as demarcações, a companhia concluiu que, na zona privilegiada, faltavam muitas centenas de quilômetros quadrados. Nova demarcação foi feita, desta vez com o emprego de processos obscuros, ganhando a Companhia mais algumas porções.

O Estado do Paraná titulou à São Paulo-Rio Grande, pela construção do tronco Itararé-Marcelino Ramos e do Ramal do Paranapanema, os seguintes imóveis, grande parte deles em áreas depois cedidas para Santa Catarina:



Terras Tituladas pelo Estado do Paraná à EFSPRG entre 1911 e 1918

Data Nome Área em m² Município do PR
13.02.1911 Legru 105.666.700 União da Vitória
09.09.1911 Iguaçú 54.709.670 União da Vitória
01.09.1911 Leãozinho 403.999.465 Palmas
12.09.1911 XV de Novembro 306.257.595 Palmas
10.10.1911 Lageado Liso 17.701.393 União da Vitória
04.11.1911 Uruguai 371.908.795 Palmas
27.11.1911 Rancho Grande 325.702.000 Palmas
17.01.1912 Rio do Engano 1.073.582.684 Palmas
26.09.1912 Pepery 4.236.200.000 Clevelândia
27.03.1913 Chapecó 1.506.097.000 Clevelândia
31.03.1913 Pinhão 14.056.380 Guarapuava
17.06.1913 Rio Preto 209.286.939 Palmas
16.06.1913 Arroio Bonito 71.507.396 Guarapuava
31.08.1917 Rio Claro 27.406.349 São Mateus
31.08.1917 Rio do Peixe 30.264.835 Palmas
31.08.1917 Esperança 77.617.998 União da Vitória
31.08.1917 Rio da Areia 508.877.200 Guarapuava
07.10.1918 Chopim 715.280.143 Clevelândia
07.10.1918 Rio das Cobras 630.040.000 Guarapuava

Fonte: Pesquisa do autor em cartórios em Curitiba (PR)

Apuramos que as propriedades que o Paraná titulou para a EFSPRG entre 1911 e 1918, alcançaram o total de 10.686.162.540,00 m². Depois, o Paraná titulou, ainda, outras terras para a EFSPRG, como a gleba Missões, com área de 4.257.100,00 m², localizada no Município de Clevelândia, em 1920, mais as glebas Chopinzinho, Silva Jardim e Andrada, também no Sudoeste.

Se somarmos as propriedades tituladas à EFSPRG às da Southern Brazil Lumber and Colonization Company, que manteve as terras adquiridas até esta data, nas margens esquerdas dos rios Negro e Iguaçu, num total de 3.248.000.000 m² (134.214 alqueires), podemos resumir estas questões com o Truste de Toronto, concluindo que o Sindicato Farquhar, no final das contas, firmou-se como legítimo proprietário de 11.966.995.000,00 m², ou 494.504 alqueires de terras virgens e antes livres no Território Contestado, que lhes foram inicialmente tituladas pelo Estado do Paraná, destinadas para a devastação florestal e para os projetos de colonização



9. 5 Políticas para a colonização


Com posses legalizadas pelo Paraná sobre alguns milhares de hectares na região do Contestado, a EFSPRG passou à tentativa de promover diretamente a colonização das terras já demarcadas, seguindo um novo plano – o terceiro – este aprovado pela União, baseado nas mesmas normas do Decreto de 1907, salvo algumas ligeiras modificações. Junto às estações ferroviárias, foram projetadas pequenas vilas, divididas em lotes urbanos, reservando-se a companhia, além da faixa de terras de 50 metros (25 metros para cada lado do eixo) paralela aos trilhos, apenas um “quadro” para cada estação. Nestes quadros, estavam: a estação, depósito de cargas, depósito de lenha, armazém de abastecimento, caixa d’água, casas dos ferroviários e pátio de manobras. Partindo das estações, previu-se a abertura de linhas coloniais (estradas de rodagem que partiriam das vilas e adentrariam as áreas demarcadas) ao longo das quais se situariam lotes coloniais, a serem vendidos a imigrantes que se dedicassem à agricultura e à pecuária. Nestas linhas instalar-se-iam “sedes” com perímetro urbano próprio, divididas em lotes pequenos, onde se construiriam igrejas e escolas.

À vista do fracasso das tentativas iniciais, resolveu a Companhia promover a colonização de forma indireta, ou seja, vendendo ou cedendo direitos para a venda de grandes glebas de terras a particulares, que formariam empresas colonizadoras, a exemplo do que já se fazia em outras partes do país. Diante desta nova possibilidade, que mais tarde se revelou como a ideal, a Companhia alterou novamente seus planos. Uma das providências foi passar parte das terras a que tinha direito para outra subsidiária da Brazil Railway Company, a Brazil Development and Colonization Company, ficando então ambas com poderes para a venda de lotes.

Juntas, as duas empresas dirigiram suas atenções às colônias do litoral catarinense (alemãs e italianas) e às chamadas “colônias velhas” do Rio Grande do Sul, estas últimas ocupadas desde há muitos anos por imigrantes alemães e italianos e seus descendentes, que demonstravam interesse em procurar novas terras para se estabelecerem. As empresas foram ao encontro destes anseios, proporcionando aos colonos gaúchos a esperança de sucesso em novas terras, oferecidas como se fossem altamente produtivas, de fácil acesso e ótima localização.

O Governador de Santa Catarina, Hercílio Luz, enquanto questionava a posse das terras tituladas pelo Paraná à EFSPRG, já em 1918, resolveu conceder glebas imensas, que considerava devolutas, a empresas particulares organizadas por seus amigos e/ou correligionários, que se propunham a abrir estradas no interior, principalmente no Território antes Contestado. Inicialmente no Vale do Rio do Peixe e depois ao longo do Vale do Rio Uruguai, abriram-se as portas do Oeste Catarinense para a ocupação por imigrantes, só que, na maioria, por famílias descendentes dos imigrantes pioneiros das colônias velhas gaúchas e não mais vindos diretamente da Europa. Os egressos, italianos, alemães, poloneses, teuto-brasileiros e ítalo-brasileiros, puderam adquirir os lotes coloniais e neles se estabelecer.

Como exceção à regra, um projeto de colonização das terras do Território Contestado, a Oeste do Rio do Peixe, margeando o Rio Uruguai, foi elaborado por uma empresa que nada tinha a ver com a Companhia EFSPRG e nem com o Governo do Paraná. A pioneira em empreendimentos desta natureza, pela iniciativa privada, foi a Empresa Colonizadora Luce, Rosa & Cia. Ltda., constituída em Porto Alegre, em 1910, antes mesmo da inauguração da ferrovia e sem nenhum vínculo com ela e, também, seis anos antes do Acordo de Limites, ela que estruturou-se numa área de 91.025 hectares em ambas as margens do Rio Uruguai, portanto, com parte no Contestado e parte no Rio Grande do Sul.

Em 1908, quando a EFSPRG iniciou a demarcação das terras marginais da ferrovia a que tinha direito, grande parte das encontradas nas barrancas do Rio Uruguai pertenciam aos srs. Adolpho Guilherme Luce, Timótheo da Rosa, José Petry e outros, que as haviam adquirido da Baronesa de Limeira, de São Paulo, no ano de 1883. Proprietária de 3.641 colônias de 25 hectares cada, no Alto Uruguai, a Luce-Rosa pressentiu o impulso que a região teria quando a ferrovia iniciasse a venda de lotes, e antecipou-se na colonização da sua propriedade, que incluía 2.041 colônias no Contestado e de outras propriedades menores que veio a adquirir na região logo depois. Pouco mais tarde, em 1915, para dinamizar o projeto, a Luce-Rosa instalou uma filial junto a Estação de Barro (atual Gaurama-RS), de onde passou a coordenar a venda de lotes, a abertura de estradas, a construção de pontes e serviços complementares, nas colônias gaúchas e catarinenses, dentro dos atuais municípios de Chapecó, Seara, Itá, Concórdia e outros.



9. 6 As empresas colonizadoras


Somente em fevereiro de 1924, quando foi encerrada a questão judicial entre o Governo de Santa Catarina e a Brazil Railway Company, acertaram-se as bases para a efetiva colonização nas terras que ambos disputavam. As negociações haviam começado ainda em 1922, durante a questão, concluindo que a empresa Brazil Development and Colonization Company, que recebeu as terras do Sindicato Farquhar, poderia transferir as concessões para terceiros. Assim, temos o primeiro quadro da transmissão definitiva das seguintes propriedades que foram legitimadas, entre 1914 e 1926, para a Brazil Development:

No Oeste Catarinense:

- O imóvel Xapecó, de 540.622.762,00 m², recebido em novembro de 1924, que inicialmente ficou com a Brazil Development, depois passou para a Companhia Territorial Sul Brasil S/A.
- O imóvel Pepery-Guassu/Xapecó, com 737.035.472,00 m², legitimado em abril de 1924, foi confiado para a Empreza Peperi-Xapecó Ltda.
- O imóvel Capetinga, com 174.889.653,00 m², recebido em fevereiro de 1926, passou para Nicolau Bley Neto e José Luiz Maia.
- O imóvel Rio Saudades, com 913.634.804,00 m², titulado em fevereiro de 1926, passou para Ernesto F. Bertaso e Manoel dos Passos Maia, que fundaram a Empreza Colonizadora Bertaso, Maia & Cia.

No Alto Uruguai Catarinense:

- O imóvel Rio Engano, com 1.073.582.648,00 m², recebido em fevereiro de 1924, foi entregue para a Sociedade Territorial Mosele, Eberle, Ahorns & Cia.
- O imóvel Rancho Grande, de 325.702.000,00 m², escriturado também em fevereiro de 1924, passou para a Empreza Povoadora e Pastoril Theodoro Capelle & Irmão.

No Alto Rio do Peixe:

- O imóvel Rio Preto com 221.852.730,00 m², foi desdobrado, sendo a gleba Rio Preto entregue para a Empreza Povoadora e Pastoril Theodoro Capelle & Irmão, enquanto que a gleba Caçador foi passada para a Empresa Construtora e Colonizadora Irmãos Coelho de Souza Ltda.
- O imóvel Propriedade Caçador Antas e Pedras, com 28.405,9475 hectares, foi transferido à Empreza Povoadora e Pastoril Theodoro Capelle & Irmão.

No Médio Rio do Peixe

- O imóvel XV de Novembro, num total de 306.257.595,00 m², com partes comercializadas pela Brazil Development através do seu Departamento de Terras, Cidades e Colonização, e de procuradores, também foi desdobrado em blocos, que foram passados para a Colonizadora Alberto Schmidt, a Empresa Construtora e Colonizadora Irmãos Coelho de Souza Ltda. a Colonizadora Selbach, Matte, Opermann & Cia., esta que depois se transformou em Kroeff, Selbach & Cia.

No Baixo Rio do Peixe:

Depois do pouco sucesso na iniciativa de colonização da Colônia Rio do Peixe, em 1911, pela Cia. EFSPRG, com a criação do Município de Cruzeiro, em 1917, entre o Rio do Peixe (limite com o Município de Campos Novos) e o Município de Chapecó, a Oeste, teve início a efetiva colonização das terras marginais aos trilhos, localizadas no Baixo Vale do Rio do Peixe, em glebas demarcadas pela EFSPRG e, em parte, repassadas à Brazil Development.

Duas empresas organizaram-se para empreender a colonização das concessões da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande: primeiro, a Sociedade Territorial Sul Brasileira H. Hacker & Cia. (que também atuou no Vale do Iguaçu), integrada por Henrique Hacker, Rudolfo Ahrons, Abramo Eberle, Augusto Scherer, Hugo Gerdau e Adelino Sassi, entre outros, e a Mosele, Eberle, Ghilardi & Cia., formada pelos sócios da primeira mais Leonel e João Mosele. Mais tarde, fruto de associação parcial entre as duas, surgiu a Sociedade Territorial Mosele, Eberle & Ahrons Ltda. Estas empresas, mais a Brazil Development e a própria Cia. EFSPRG, fincaram as bases para a colonização das glebas das fazendas e/ou colônias de Bom Retiro, Leãozinho, Capinzal, Rio do Peixe e Uruguai, com porções também na margem esquerda do Rio do Peixe, no Município de Campos Novos, alcançando ainda a região de Concórdia, mais a ocidente.

No Vale do Iguaçu:

- O imóvel Lageado Liso, na Colônia Maratá, em Porto União, com 17.701.393 m², passou para a Colonizadora Max Metzler.
- O imóvel Legru, com 105.666.700,00 m², e o imóvel Esperança, com 77. 617.998,00 m², em Porto União, foram colonizados em parte pela Brazil Development e, em parte, pela Colonizadora Henrique Hacker.

Algumas das colonizadoras pioneiras, que ficaram com áreas muito grandes, diante das dificuldades de comercialização antes e durante o tempo do Estado Novo e, dos prazos a cumprir, sob pena de terem que devolver as terras ao governo, serviram-se de outras empresas menores. Ao mesmo tempo, surgiram novas colonizadoras, que adquiriram terras de particulares e empreenderam seus próprios projetos para o povoamento da Região do Contestado, como a Luce-Rosa havia feito no Alto Uruguai. Nestes casos destacaram-se, por exemplo, o próprio Henrique Hacker, (em Herval d’Oeste e na Colônia Bom Retiro), mais a Kurudz & Bortolon Ltda. (na Colônia Caçador), a Angelo De Carli & Irmãos ( em Ponte Serrada), a Colonizadora Alberto Schimidt (partes da Fazenda São Bento e da Fazenda Rio das Pedras), a Freitag, Geib e Deis (em Piratuba e Ipira),a Formighieri, Prestes Maia Ltda. (Colônia Hindemburg, hoje em Fraiburgo), Picolli & Cauduro Ltda. (em Concórdia), além das empresas Nardi, Rizzo, Simon & Cia., Sociedade Volksverein, Bernardi & Paulo, entre outras, organizadas mais tarde..

Enquanto isso, especificamente no Planalto Norte, no eixo de Mafra, Itaiópolis, Três Barras, Canoinhas e Porto União, continuaram se expandindo as migrações de poloneses, ucranianos, holandeses, russos, italianos e alemães, a partir da chegada de novas famílias, vindas do Paraná e do Nordeste Catarinense.





9. 7 O chamamento de imigrantes ao ex-Contestado



Diferentemente do que aconteceu no Planalto Norte, o Oeste Catarinense, aberto à colonização em 1918, num primeiro momento, não pôde beneficiar-se com a vinda direta de europeus, devido à interrupção das migrações durante a I Guerra Mundial. Por este motivo, nossa História registra que a colonização aqui, na grande maioria, pode ser considerada como “de segunda ou de terceira mão”, ou seja, constituída mais por teuto-brasileiros e ítalo-brasileiros (filhos e netos de imigrantes nascidos no Brasil), do que por alemães, italianos e povos de outras nacionalidades, estes, também na maioria, em nossa região obtendo a segunda ou terceira moradia.

Após as primeiras décadas do Século XX, marcadas pela chegada do imperialismo à região, pela Guerra do Contestado, pela I Guerra Mundial, pelo Acordo de Limites entre Paraná e Santa Catarina, e pelo início da fase de ocupação ordenada do Território Contestado, um novo panorama apresentar-se-ia nos últimos anos da República Velha com o movimento colonizador.

Talvez nenhum movimento colonizador, de quantos vimos citando, se tivesse verificado em momento tão oportuno, em ocasião tão propícia quanto êste, de conquista, ocupação e desenvolvimento do extremo oeste, pois, apesar dos intrusos, largas eram as áreas a desbravar, povoar e cultivar, alto o sentido de fixação, excelentes as terras e, principalmente, pacificada a região, depois de um prélio que quase a exauriu, prélio que sob o aspecto jurídico se desenvolvera nas côrtes de justiça e nos tribunais, à luz dos códigos e dos argumentos históricos e sob outro, o cultural, o sócio-econômico, decorrerá à sombra das matas, na fúria dos combates sangrentos, das tocaias imprevisíveis e dos ajustes selvagens.
Êste movimento de criação de colônias foi, em verdade, a verdadeira posse física da região, semelhante à que prescreviam as arcaicas ordenações, depois da posse judicial decretada pouco antes. Foi êle quem fêz subir a curva demográfica a alturas ainda não registradas, implantou novas rendas ao Estado e introduziu no colorido mosaico cultural do Estado elementos que já haviam sido aculturados em outros pontos e que, por isso mesmo, traziam novos matizes e novas tintas, emprestando uma nova fisionomia ao nosso complexo, fisionomia até então totalmente desconhecida (CABRAL, 1971, p. 50-51).


Depois de 1910, encontramos em comunidades da área rural do hoje Município de Porto União os registros das chegadas de dezenas de famílias alemãs, atraídas pelos planos de colonização das terras do chamado Ramal de São Francisco e da linha principal da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, nas localidades de São Pedro do Timbó, São Miguel, São José do Maratá, Bom Princípio, Despraiado, Maratá, Lança, Santa Cruz do Timbó, Caçadorzinho, Rio Campestre, Barra Grande, Rio d’Areia, Rondinha e Nova Pátria.

As primeiras famílias germânicas a chegarem à parte central da Região do Contestado, a partir de 1870 vieram da Alemanha, algumas delas tendo, antes, fixado-se em terras de Rio Negro (PR) e em outras colônias alemãs do Sul do Paraná, mais as famílias que se estabeleceram na Serra e Campos do Corisco (Santa Cecília) a partir de 1885 e, também, em Campos Novos, todas tidas como latifundiárias, em fazendas de criação e lavoura. Também chegaram os holandeses, que se instalaram nos campos de São João (Matos Costa), São João de Cima (Calmon) e Perdizes Grandes (Lebon Régis). Estas famílias, não mais minifundiárias, formaram as primeiras comunidades alemãs e teuto-brasileiras da parte central da Região do Contestado.

Ao Sul do eixo Porto União-Mafra, agora no Alto Vale do Rio do Peixe, ainda em 1910, a Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande fez uma das primeiras tentativas de colonização das terras marginais aos trilhos, com a instalação dos pioneiros núcleos de famílias alemãs na Estação de Rio das Antas e Rio do Peixe, na margem dos trilhos recém-inaugurados, de forma simultânea, atribuindo-se a ambas a mesma importância desbravadora. A diferença notável é que para Rio das Antas acorreram imigrantes alemães que originalmente se destinaram às colônias do Nordeste Catarinense, como a Hansa, enquanto que Piratuba começou recebendo egressos das colônias velhas rio-grandenses. Entretanto, só uma tem sido lembrada.

A migração interna que se tornaria ponderável, de fato, passou a verificar-se em 1911, com Piratuba, para adiantar-se, posteriormente, com a formação de emprêsas criadas pelos incentivos catarinenses, depois do acôrdo de limites, quando o govêrno de Santa Catarina se afanava em povoar a região que passava para a sua jurisdição, no far-west que no momento era, não só pela situação geográfica como pela condição cultural.
Assim, alemães e italianos, natos ou apenas de origem, naturais êstes do Rio Grande do Sul, e todos dêle atraídos, introduziram-se na região, através de emprêsas colonizadoras, quase tôdas gaúchas, cujas concessões de terras haviam sido obtidas do govêrno de Santa Catarina. Da primeira etnia citada [alemã], formaram-se Itá, Mondaí, Itapiranga, São Carlos, Palmitos e outras; e da segunda, Capinzal, Barra-Fria, Xaxim, São Miguel do Oeste, além de outras (CABRAL, op. cit., p. 46-47).

O plano de colonização foi interrompido em 1914, por causa da Guerra do Contestado, sendo reiniciado em 1918, após a assinatura (1916) e homologação (1917) do acordo de limites interestaduais entre Paraná e Santa Catarina, pelo qual os dois lados do Rio do Peixe passaram à jurisdição catarinense.

Ainda antes de passar ao controle do Sindicato Faquhar, precisando de milhares de pessoas para trabalhar na construção da ferrovia em terreno paranaense, a EFSPRG, “importou” centenas de migrantes na Europa – alemães, italianos, ucranianos e poloneses – sob a promessa de assentá-los nas terras marginais aos trilhos. Esta corrente imigratória prosseguiu nos anos seguintes, aumentando consideravelmente o contingente europeu que foi instalado, primeiro em terras paranaenses, na margem direita do Rio Iguaçu e, depois, na margem esquerda, então, ao redor da Vila de Porto União da Vitória. A um grupo numeroso de operários, na maioria poloneses e ucranianos, foi viabilizada sua fixação - ainda que provisória – a partir de 1907, nas glebas Iguaçu, Legru, Lageado Liso e Esperança, no trecho da Linha Sul, quando do início da construção do trecho que ia em direção aos Campos de São João e às cabeceiras do Rio do Peixe.

Quando precisou de mão-de-obra para movimentar seu complexo industrial, em 1912, a Southern Brazil Lumber & Colonization Company, em Três Barras, privilegiou a contratação de poloneses e ucranianos originários da Colônia Lucena e das colônias do Vale do Iguaçu, seguindo orientações da Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande que, ainda no final do Século XIX, promoveu a vinda destes imigrantes da Europa, bem como o aproveitamento dos que já estavam aqui instalados, para a construção do trecho entre Ponta Grossa e Porto União da Vitória, e para o ramal que demandava a Rio Negro. “Não sendo muito abundante a erva-mate na região, as atividades dos colonos concentraram-se na agricultura. Todavia, dado o grande mercado de trabalho criado pela construção da ferrovia, grande parte da população colonial derivou para aquela indústria, a que se dedicou definitivamente”. (RIESEMBERG, 1973, p. 103).

A Cia. EFSPRG, desde 1906, então incorporada ao Sindicato Farquhar, também preferia os eslavos para os trabalhos de assentamento dos trilhos e construção de pontes, pontilhões, caixas d’água e estações ferroviárias no trecho de Porto União da Vitória ao Rio Uruguai. Em 1910, com a abertura do tráfego, novamente deu preferência aos poloneses e ucranianos para trabalharem nas oficinas de manutenção e nos serviços operacionais das linhas, incluindo o preenchimento de cargos de maquinistas, foguistas, chefes-de-trens, chefias de estações e operadores de telégrafo. Isso explica por que, nos primeiros povoados das áreas lindeiras aos trilhos, residiam centenas de famílias de eslavos que não eram agricultores.

As atividades do comércio e dos serviços das cidades localizadas nas margens dos rios Negro e Iguaçu, ou na proximidade destas, foram imensamente favorecidas com a presença eslavo-paranaense, tanto antes como depois da Guerra do Contestado e da vigência do Acordo de Limites. Mafra, vizinhando com Rio Negro, Porto União, vizinhando com União da Vitória, mais Três Barras e Irineópolis, desenvolveram-se permanentemente sob a égide da mistura étnico-racial, recebendo moradores de origem eslava – vindos do outro lado – sem qualquer problema de relacionamento. Isso se verifica diante do fato de que, quando o Contestado foi aberto à colonização, a grande maioria destes imigrantes-paranaenses não seguiu o exemplo dos conterrâneos imigrantes-gaúchos. Ao contrário, ficaram onde estavam.

Neste sentido, a exceção foi com relação a uma parte das colônias do Alto Vale do Rio do Peixe, mais especificamente a de Caçador, que recebeu um bom número de italianos, alemães, sírio-libaneses, poloneses e ucranianos, originários do Paraná, estabelecidos em União da Vitória e em Porto União, ainda alguns anos antes do início do processo colonizatório deflagrado por Santa Catarina para atrair os rio-grandenses, mas isso tem explicação, pois parte das terras pertenciam, até 1917, ao Município de Porto União da Vitória e, deste ano até 1934, ao Município de Porto União.

A imigração italiana para Santa Catarina começou, de forma organizada, com registros para a História, a partir do contrato do Império com o Comendador Caetano Pinto, em 1874, destinando colonos para as regiões do Itajaí-Açu, Itajaí-Mirim, Vale do Tijucas e Sul do Estado. Estas iniciativas, assim, foram oficiais, tuteladas pelo Estado, ainda este que não estava devidamente preparado para receber os imigrantes.

As primeiras notícias de italianos na Região do Contestado estão vinculadas à História do Paraná, sabendo-se da chegada, em 1882, de três imigrantes, para a montagem do vapor “Cruzeiro”, lançado para a navegação no Rio Iguaçu. A imigração italiana começou a afluir só em 1875 no país, “atraída pelo governo imperial a quem pareceu sábia a decisão de misturar o elemento latino ao germânico, que prevalecia em todo o Sul do Brasil e que, desde então, começava a ser argumento de alguma inquietação” (DALL’ALBA, 1983, p. 105). Anos depois, em 1897, o engenheiro João Teixeira Soares, ele que seria um dos empreendedores pioneiros da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, proprietário da Fazenda Vila Zulmira, em União da Vitória, trouxe vários imigrantes para este município, entre eles as primeiras nove famílias italianas. A partir daí, incentivou-se a imigração de italianos e chegaram dezenas de famílias para desenvolverem atividades econômicas produtivas, distribuídas entre a cidade e o meio rural, também em áreas do hoje município catarinense de Porto União, espalhando-se pelo Planalto Norte.

Até o tempo da Guerra do Contestado (1913-1916), um mínimo de esparsos italianos fixou-se em cidades de outras áreas do Contestado. Encerrado o conflito regional e após a criação dos novos municípios de Cruzeiro (atual Joaçaba), Porto União e Mafra, teve início o plano de colonização das terras, que atraiu milhares de descendentes de imigrantes italianos das colônias velhas e mesmo das colônias novas do Rio Grande do Sul. Paralela e, simultaneamente ao fluxo de alemães e teuto-brasileiros, as levas de italianos e ítalo-brasileiros, atravessaram o Rio Uruguai e se dispersaram pelo antigo Território Contestado.

No Contestado, a imigração italiana foi marcada pela integração e convivência dos imigrantes (colonos) com a população considerada nativa (caboclos). Não se constituíram núcleos fechados, como ocorreu em outras partes do País e até mesmo no Paraná e em Santa Catarina. Na maior parte, os projetos colonizadores envolvendo os italianos e seus descendentes foram efetivados em colônias mistas, o que não permitiu o avanço da Italianità no Contestado naquele momento.

Para "evitar" os erros do passado, os imigrantes não deviam formar comunidades homogêneas, e a expressão "colônia mista" tornou-se denotativa da eficácia do processo de assimilação. Nesse caso, as novas áreas de colonização abertas no sul, principalmente no planalto catarinense e paranaense, deviam receber imigrantes de diferentes procedências, e também colonos nacionais, evitando a formação dos chamados "quistos étnicos" (SEYFERTH, 2005).

Agora, trataremos da imigração e do início do povoamento do Território Contestado, especificamente nos terrenos que compreendem o atual Grande Oeste Catarinense. Para efeito do nosso estudo, estas terras são as localizadas entre o Vale do Rio do Peixe (que corresponde ao Setor Ocidental da Região do Contestado) e a fronteira de Santa Catarina com a Argentina, tendo por limite natural, com o Estado do Rio Grande do Sul, o Rio Uruguai, atravessado em balsas, barcos e pontes por mais de cem mil imigrantes – na maioria italianos, alemães e poloneses – “de origem” ou seus descendentes que, das colônias gaúchas, emigraram em busca de novas terras mais ao Norte e de novas oportunidades de vida, em grande escala, de 1918 até meados da década de 1940. O fluxo que foi interrompido durante a II Guerra Mundial, sendo retomado logo após, porém, com menor intensidade, assim alcançando a 1960.

Até 1910, apenas algumas famílias, avulsas, haviam ousado adentrar o Contestado, acolhidas nos latifúndios dos fazendeiros, vindo a vizinhar com caboclos posseiros que se espalhavam pelos campos e pelas matas. O ingresso de cerca de cem mil pessoas ao Oeste Catarinense, número estimado para os chegados entre 1918 e 1940, originárias do Rio Grande do Sul, deveu-se à abertura dos núcleos coloniais, processo deslanchado em 1918, dentro da política de povoamento do Contestado do governo de Hercílio Luz e concretizado à medida em que iam sendo solucionados os problemas fundiários e organizadas as empresas colonizadoras.

Para conhecer um pouco esta “nova” população – que veio a constituir o homem do Contestado “contemporâneo” – recorremos às suas origens, ou seja, às colônias gaúchas, onde os imigrantes instalaram-se antes da mudança para Santa Catarina. Repetir-se-ia, aqui, o fenômeno ocorrido há muitos anos atrás, quando da formação do homem do Contestado “primitivo”, ou seja, mais uma vez o povoamento da região dar-se-ia por outros caminhos que não os da Serra-Abaixo Catarinense, região que mantinha uma vida própria, diferente do Planalto e que desenvolvia projetos de colonização com imigrantes mais concentrados nas planícies do litoral e nos vales dos rios que demandam ao Atlântico.

De modo geral, o processo de colonização, no Rio Grande do Sul, por povos da Europa Central, baseia-se em três correntes imigratórias: alemã, italiana e polonesa. A pioneira foi a alemã (a contar de 1824), seguida da italiana (em 1870) e da polonesa (de 1886 em diante), todas caracterizadas por terem sido feitas à base do trabalho livre e da pequena propriedade, e por terem enfrentado, no início, os mesmos problemas na instalação e de adaptação cultural. Também têm, em comum, o fato de contribuírem decisivamente para a formação da classe média urbana e rural, que veio a ser uma nova força entre a aristocracia oligárquica dominante, calcada no caudilhismo e no coronelismo, e os trabalhadores escravos e assalariados.

Os imigrantes constataram que somente poderiam enraizar-se neste “Novo Mundo” caso se mantivessem unidos e se solidificassem familiarmente. A mão-de-obra, ali inexistente e necessária para o desenvolvimento dos núcleos, teria que ser produzida no interior das próprias famílias. Daí, a geração de muitos filhos por casal. No passar dos anos, com a limitação geográfica das colônias impedindo a ampliação dos lotes, os filhos dos casais pioneiros, ao atingirem a idade adulta, tiveram que buscar novas terras, dividindo-as também com as novas levas de imigrantes que continuaram a chegar e já se dirigiam às colônias novas. Os períodos de redução da imigração externa, entre um plano e outro, vieram a favorecer as gerações que já estavam acostumadas às terras rio-grandenses.

Pelos mesmos fatores que provocaram a migração interna de italianos, alemães e poloneses das suas colônias velhas em direção ao Setor Setentrional Rio-grandense, as terras despovoadas ou sub-povoadas aquém do Rio Uruguai atraíram os desbravadores do Norte, Noroeste e Nordeste do Rio Grande do Sul. Alemães, italianos, poloneses, teuto-brasileiros e ítalo-brasileiros, com suas numerosas famílias (não raras delas com mais de dez filhos), atraídos pela farta publicidade das novas colônias no Oeste Catarinense, começaram a adquirir os lotes coloniais nas diversas “linhas” (travessões) no outro lado do Rio Uruguai.

As empresas colonizadoras copiaram, no Contestado, o modelo que havia sido utilizado muitos anos antes para povoar o Rio Grande do Sul. Nem poderia ser diferente, pois o sistema era um paradigma rio-grandense para a abertura de núcleos coloniais e a grande maioria dos colonizadores descendia dos imigrantes pioneiros do vizinho Estado.



9.8 A entrada dos “gaúchos” no Contestado



As empresas colonizadoras, responsáveis pela dinâmica da imigração e do povoamento de todo o antigo Contestado-Paranaense e de parte do Contestado-Catarinense, compreendendo o “Grande Oeste Catarinense”, promoveram o acesso à pequena propriedade para milhares de colonos rio-grandenses. Paulo Fernando Lago estimou em 300 mil o número de “gaúchos” que, em busca de novas moradas, saíram do Rio Grande do Sul na primeira metade do Século XX. Uma parte deles fixou-se aqui, entre 1920 e 1950, constituindo famílias e gerando descendentes “catarinenses”, enquanto que outra parte seguiu direto para o Oeste e o Sudoeste do Paraná. Também houve aqueles que, depois de fustrações na tentativa de se fixarem no Contestado, optaram por “levantar acampamento” e se aventuraram nas novas fronteiras agrícolas paranaenses.

A maior parte dos colonos proveio da zona antiga que não havia se desenvolvido nas atividades secundárias e terciárias, num grau passível de assegurar a colocação de numerosa população rural existente nas áreas pecuaristas e das próprias colônias. Descendentes de estrangeiros, estrangeiros e gaúchos compuseram a dominante parcela dos ocupantes do Meio Oeste e do Oeste Catarinense. Dêsse modo, do Rio Grande do Sul partiu a ação promotora da ocupação e contribuiu, êsse Estado, com o elemento humano, considerado como excedente. Entretanto, o têrmo excedente não implica numa saturação demográfica das áreas riograndenses de irradiação. Nem tãopouco a corrida de colonos e gaúchos significava a busca de terras próprias. Muitos vendiam suas terras no Rio Grande e compravam as de Santa Catarina, que se apontava como detentora de novos “el-dorados”. E, como decorrência habitual dessa frenética busca, a decepção foi resposta para muitos.

No dizer de Idaulo José Cunha, em Evolução econômico-industrial de Santa Catarina (1982), juntamente com o Oeste Catarinense, o Centro-Oeste vivenciou o fenômeno da migração interna sul-brasileira, destacando-se a do Rio Grande do Sul para Santa Catarina, imediatamente seguida pela do próprio Estado sulino e mais a de Santa Catarina em direção ao Sudoeste e Oeste do Paraná. Segundo ele, no período de 1920 a 1940, o processo “imigração menos emigração”, direcionado de um meio rural para outro meio rural, resultou no acréscimo populacional de quase 90 mil pessoas nesta região.

A expansão demográfica ocorreu, predominantemente, do crescimento vegetativo da população e da imigração interna, esta representada por rio-grandenses de origem italiana e germânica que transpuseram a divisa Sudoeste de Santa Catarina e ocuparam as terras do Vale do Rio do Peixe e do Oeste do Estado. A imigração interna líquida de brasileiros natos, entre 1920-1940, foi de 88.807 pessoas, das quais. 76.394 habitantes haviam nascido no Rio Grande do Sul.

Sob o ponto de vista demográfico, a construção da ferrovia São Paulo-Rio Grande do Sul, além de provocar o início do fluxo imigratório para Santa Catarina, favoreceu o processo de transferência e fixação dos imigrantes.

O papel dos verdadeiros “transplantes” de comunidade do Rio Grande do Sul foi extremamente positivo, pois se constituiu em imigração no sentido rural-rural e teve curto período de amadurecimento, em razão da: a) relativa proximidade entre os pontos de origem e destino; b) da semelhança das terras; c) da experiência agrícola dos colonos.

Os efeitos sobre a população economicamente ativa pode ser despreendido dos dados censitários de 1920 e 1940. Em 1940, a área dos estabelecimentos rurais do estado era de 4.312 mil ha. e os naturais, do Rio Grande do Sul, possuíam 521 mil ha., contribuindo, outrossim, com 16,1% do valor da produção agrícola e registrando excepcional produção média por estabelecimento. A rápida ascensão econômico-demográfica do Vale do Rio do Peixe e do Oeste reflete e corrobora a assertiva. [...].O movimento migratório intramacrorregional, que beneficiou, de início, Santa Catarina e, após, o Paraná, decorreu, sobretudo, da constituição de excedentes populacionais nas zonas de colonização alemã e italiana do Rio Grande do Sul (mesmo aquelas de ocupação recente) e da atração exercida pela abundância de terras nas regiões captadoras (CUNHA, 1982, p. 123).

O êxodo riograndense, entre 1920 e 1950, expressou-se por uma cifra em tôrno de 300.000 pessoas, oriundas de suas antigas colônias. Somente em Santa Catarina viviam, em 1950, 120.700 rio-grandenses, e uma considerável cifra de catarinenses das regiões do Meio Oeste e do Extremo Oeste, era representada por descendentes de rio-grandenses. Seguindo o vale do rio do Peixe e os demais situados ao ocidente, a ocupação foi aos poucos atingindo os limites com o Paraná e com a Argentina, diferindo da direção tradicional Leste-Oeste. Desta feita, o movimento de ocupação humana se realizava no sentido Sul-Norte

Até por volta de 1928, o maior encaminhamento de rio-grandenses foi para as terras do Vale do Rio do Peixe, porém a situação inverteu-se nas décadas seguintes. Superando o Centro-Oeste, a partir de Xanxerê, Chapecó, Xaxim, São Miguel d’Oeste e outros centros de atração, a região do Extremo-Oeste registrou aumento populacional relativo de 118,0% entre 1940 e 1950, e de 161,4% entre 1950 e 1960. Lá, num primeiro momento, foram colonizadas as terras mais próximas às barrancas do Rio Uruguai, para, em seguida, serem abertas as fronteiras mais ao Norte. Na medida em que os terrenos iam sendo ocupados, o êxodo rio-grandense atravessou a fronteira Setentrional, alcançando o Sudoeste e o Oeste do Paraná, momento em que as levas migratórias foram reforçadas por descendentes dos “gaúchos”, já nascidos em Santa Catarina.

Na Região do Contestado, diante da imigração rio-grandense, o incremento relativo da população, entre 1940 e 1950, foi maior na zona do Vale do Rio do Peixe, polarizada por Caçador, Videira, Joaçaba e Concórdia (59,1%), do que nos Campos de Lages, compreendendo também Curitibanos e Campos Novos (32,3%) e do que no Planalto de Canoinhas, abrangendo ainda Mafra e Porto União (19,6%). Por outro lado, com o deslocamento da atividade madeireira, entre 1950 e 1960, o incremento nos Campos de Lages foi maior (43,4%), do que no Vale do Rio do Peixe (21,8%) e do que no Planalto de Canoinhas (10,6%).